O Globo
Precisou morrer gente para que combate a
adulteração de bebidas se tornasse prioridade em São Paulo
Não é necessário mergulhar na deep web para comprar uma garrafa vazia de uísque, gim ou vodca. Até esta semana, várias delas estavam expostas nos sites mais populares de compra para quem topasse pagar pelo menos R$ 20. Mas o “cliente” que não quisesse fazer a compra virtual poderia recorrer aos serviços de um galpão na Zona Leste da capital paulista. Lá, a oferta gigantesca ultrapassava o inacreditável número de 100 mil garrafas usadas, prontas para voltar ao mercado com conteúdo fajuto dentro. Também disponível para o criminoso, a alguns quilômetros dali, na região do ABC, empresas de fundo de quintal ofereciam lacres, bicos, tampas e etiquetas falsas para as bebidas. Tudo sob as barbas das autoridades do governo paulista que, de repente, da noite para o dia, descobriram esse tradicional comércio ilegal.
Precisou morrer gente para que esse crime se
tornasse prioridade em São Paulo. Antes
das mortes, o mercado de falsificação de bebidas alcoólicas, embora velho
conhecido das autoridades, das empresas do setor e até da academia, que teceu
estudos sobre seu impacto econômico, operava em silêncio. Até o metanol causar
o ruído.
Nesta semana, o governo Lula, adversário de
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, mencionou uma hipótese para a
tragédia de agora. O ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, citou caminhões abandonados com metanol após operação contra
o PCC, que
o usava para adulterar combustíveis. Uma das linhas mais prováveis é que esse
metanol, misturado com etanol, deixou de ir para os postos de gasolina depois
da operação da polícia e teve como destino as garrafas de bares por São Paulo —
e agora pelo país. A substância letal, de origem fóssil (não o metanol vegetal
que surge em pequenas proporções como resíduo da fermentação), pode ter sido
colocada nas garrafas, inadvertidamente ou não, porque tem metanol sem dono na
praça.
A polícia paulista e o próprio governador,
mesmo sem saber de onde veio o metanol das bebidas ingeridas, descartaram que a
origem seja o negócio do PCC. É improvável que a organização criminosa batize
por conta própria — e deliberadamente — as bebidas. Mas o metanol das bebidas
que causaram mortes pode ser aquele que tinha como destino combustíveis
batizados pelo PCC.
O que ajudará a resolver esse enigma é a
perícia no metanol encontrado em garrafas adulteradas em São Paulo e a
comparação dele com o de outros casos pelo país. A Polícia
Federal (PF) detém a tecnologia que analisa isótopos em animais,
alimentos e minerais, mas precisa agora ter acesso às garrafas para fazer esse
rastreamento, o DNA do metanol. Na segunda-feira, a PF pediu à polícia
científica de São Paulo acesso a garrafas apreendidas:
— Com a confirmação de dois casos em
Curitiba, é fundamental a realização de perícia nas amostras coletadas em São
Paulo para verificar a ligação entre elas.
A polícia paulista tem cinco dias para
responder. Ontem representantes da PF e da Secretaria de Segurança Pública se
falaram por telefone. Na linha, a promessa de cooperação. A ver se a política
não embaralha tudo.
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