Folha de S. Paulo
Enterro da PEC da blindagem é oportunidade
para rever visões sobre o Congresso
Não foi pouco o que o governo Lula logrou
aprovar em dois anos e meio
Não foram poucos os analistas a vaticinar que
o governo Lula fracassaria, travado pelo "pior Congresso da história do
país". A aprovação na Câmara da reforma do Imposto de
Renda — agora a caminho do mesmo Senado que acaba de enterrar a
chamada PEC da Blindagem—
é um bom momento para avaliar o que tem resultado das relações entre um
Executivo em mãos de presidente de centro-esquerda governando com amplíssima
coalizão e um Legislativo dominado pela encrencada família das direitas.
Inimagináveis para todos quantos previam o pior, ambas as decisões ensejam repensar as visões dominantes tanto sobre a capacidade do Executivo de implementar sua agenda quanto sobre o Congresso de maioria direitista e empoderado por emendas ao Orçamento e Fundo Partidário.
Não foi pouco, nem desimportante, o que o
governo Lula logrou aprovar em pouco mais de dois anos e meio: o novo arcabouço
fiscal; a reforma tributária; a taxação de fundos exclusivos; a política de
valorização do salário-mínimo; a reoneração parcial dos combustíveis; o novo
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento); a retomada do Minha Casa, Minha
Vida; a política de igualdade salarial entre homens e mulheres; o novo Carf
(Conselho Administrativo de Recursos Fiscais); e o Pé de Meia, que apoia a
permanência de estudantes no ensino médio. Todas medidas de inequívoco pedigree
progressista.
Continuam em apreciação nas casas
legislativas dois projetos de peso: a reforma administrativa e a
constitucionalização do Sistema Nacional de Segurança Pública.
É certo que, sob Lula, o Executivo teve menos
êxito em aprovar propostas e teve mais vetos derrubados do que em gestões
anteriores. Mas nada do obtido teria sido possível se este fosse um governo sem
rumo, sem projetos, sem coalizão de governo e sem capacidade de negociar cada
proposta com os legisladores, cedendo aqui, perdendo acolá, como é próprio nas
democracias.
Da mesma forma, nada seria factível se, como
pensa a maioria dos analistas e formadores de opinião, o Congresso —robustecido
pelas emendas parlamentares e pelo Fundo Partidário— não passasse de um
aglomerado de partidos povoados por picaretas, clientelistas, patrimonialistas
ou corruptos em geral, os quais, mesmo quando pareçam acertar, estariam fazendo
apenas um jogo de aparências para esconder seus verdadeiros fins.
Essa é uma visão caricatural do Congresso. Os
poucos estudos de fôlego sobre a destinação das emendas parlamentares chegam a
conclusões mais matizadas sobre seus efeitos: alguns positivos, outros
perversos. Por outro lado, não há evidências sólidas de que ministérios e
outros órgãos de governo se pautem sempre —e apenas— por critérios técnicos
não contaminados pelo raciocínio político.
Que a distribuição dos recursos de emendas, a
disputa por cargos e o apoio a propostas do governo sejam influenciados por
cálculo eleitoral é apenas o esperado nas democracias, onde a competição pelo
poder depende das urnas. Aqueles objetivos não impedem —antes esclarecem— as
condições para cooperação entre os Poderes. Eis o que permitiu, na contramão
das previsões, que a agenda do governo prosperasse.
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