quinta-feira, 9 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Senado deve barrar ‘contrarreforma’ da Previdência

Por O Globo

Proposta que alivia regras de aposentadoria para agentes de saúde custa caro e abre precedente perigoso

Não tem cabimento a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara com mudanças nas regras de Previdência para agentes comunitários de saúde e combate a endemias. Ela prevê aposentadoria integral (pelo último salário) e paritária (com reajuste igual ao dos servidores da ativa) a esses profissionais, ressuscitando normas extintas na administração pública pela reforma da Previdência de 2003, durante o primeiro governo Lula. As regras passariam também a valer para agentes indígenas de saúde e saneamento. O texto proíbe contratações temporárias ou terceirizadas, a não ser em situações de emergência sanitária.

É incontornável o impacto de uma medida dessa natureza no crescente déficit previdenciário e nas contas públicas. O relator da PEC, deputado Antonio Brito (PSD-BA), avaliou o custo em R$ 1 bilhão por ano. Técnicos do Congresso, porém, estimaram um total de R$ 11 bilhões em três anos. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) vai além e fala em acréscimo de R$ 21,2 bilhões ao longo dos próximos anos nas despesas da Previdência dos municípios se as mudanças forem aprovadas. A entidade defende que o governo federal assuma o ônus, empurrando mais essa conta para Brasília. Hoje, nos 2,1 mil municípios com regime próprio de Previdência, as aposentadorias são pagas pelos sistemas locais. Nos outros 3,4 mil, o custo recai sobre o já sobrecarregado INSS.

Na prática, a PEC faz jus ao apelido que ganhou: “contrarreforma” da Previdência. Ela recua em boa parte das exigências estipuladas na reforma de 2019 para equiparar os regimes dos setores público e privado. De acordo com a proposta, a aposentadoria passaria a ser concedida com menor tempo de contribuição e menor idade mínima, havendo uma regra de transição em benefício de quem já está na ativa.

Não se questiona o trabalho louvável dos agentes de saúde Brasil afora, especialmente durante as epidemias que assolam o país. Mas não faz nenhum sentido criar regras especiais para a categoria. Primeiro, eles não são os únicos em atividades relevantes para a sociedade. Segundo, a aprovação dessa aberração abriria precedente para que um sem-número de categorias reivindicasse o mesmo tratamento, cada uma com um argumento plausível para sensibilizar os parlamentares. Terceiro, é um absurdo aprovar uma reforma da Previdência com o objetivo de unificar regras para, pouco tempo depois, começar a abrir exceções e o caminho ao retrocesso.

A PEC impõe alto custo a um governo que não sabe de onde tirar recursos para pagar os compromissos do dia a dia e tapar os rombos no Orçamento. Os efeitos da última reforma se esgotaram, e as contas da Previdência já apontam a necessidade de mudanças que reduzam o déficit — não que o ampliem como faz a PEC. No fim, a conta do desatino sobrará para o governo federal, hoje às voltas com uma crise fiscal gravíssima. Impressiona que tal proposta tenha sido aprovada em dois turnos na Câmara por ampla maioria. O Senado, que analisará o tema, tem obrigação de mostrar senso de responsabilidade e barrá-la. Os parlamentares deveriam ser os primeiros a defender regras que valham para todos, em vez de criar exceções que afrontam o princípio constitucional segundo o qual todos são iguais perante a lei.

Taxa pífia de resolução de homicídios expõe fracasso no combate à violência

Por O Globo 

Apenas um em cada três crimes é elucidado, revela estudo realizado em 16 estados e no DF

violência se consolida como principal preocupação dos brasileiros, revelam os números da última pesquisa Quaest divulgada nesta semana. Está no topo da lista para 30%, patamar que vem subindo desde julho e supera de longe problemas sociais (18%), economia (16%), corrupção (14%), saúde (11%) e educação (6%). Ao mesmo tempo, a capacidade do poder público para responder a essa angústia tem sido frustrante. Enquanto proliferam notícias de infiltração do crime organizado por toda parte, as autoridades não conseguem fazer o básico: esclarecer os crimes. Apenas um em cada três homicídios é elucidado, revela estudo do Instituto Sou da Paz.

De todos os casos ocorridos no ano de 2023 em 17 unidades da Federação, apenas 36% haviam resultado em denúncia contra ao menos um dos autores até o final de 2024, constatou o estudo com base em informações dos Ministérios Públicos e dos Tribunais de Justiça. Houve piora em relação ao ano anterior, quando o percentual foi de 39%, e manutenção do patamar registrado desde o início da série histórica em 2015 — média de 35%.

Na comparação internacional, a posição brasileira é sofrível. O Estudo Global sobre Homicídios da ONU apurou uma taxa de resolução de 63% para o mundo e de 43% para as Américas. A média de 36% esconde a enorme disparidade regional no esclarecimento dos homicídios. O pior estado é a Bahia (13%), seguida de Piauí e Rio de Janeiro (ambos com 23%) — o Rio esclareceu apenas 768 dos 3.293 casos de homicídio registrados em 2023. Os melhores são Distrito Federal (96%), Rondônia (92%) e Paraná (72%). São Paulo, com 31%, apareceu com nível de elucidação abaixo de 40% pela primeira vez na série histórica.

Naquele ano de 2023, o Atlas da Violência registrou 45.747 homicídios, mais de cinco por hora, ou 21,2 casos por 100 mil habitantes, a menor taxa em 11 anos. A grande maioria das mortes — 71,5% — resultou do uso de armas de fogo. Ainda assim, uma minoria dos assassinos é punida. Na base de dados penitenciários do Ministério da Justiça, apenas 13% dos detentos no Brasil estão presos por homicídio. De longe, são mais comuns prisões por drogas (31%) e crimes contra o patrimônio (40%).

Tais números expõem o fracasso de todo o sistema penal e Judiciário na punição e, portanto, no combate aos crimes graves. De acordo com reportagem do GLOBO, processos por homicídio simples demoram em média 10,8 anos para ser concluídos, e mesmo aqueles por homicídio qualificado levam 8,4 anos. A lentidão da Justiça e a legislação penal excessivamente leniente não têm poder de dissuasão sobre os assassinos, pois contribuem para que a maior parte dos crimes passe impune. Havendo mais assassinos soltos do que presos, não é surpresa que a percepção de insegurança da população não pare de crescer.

A lenga-lenga dos juros

Por Folha de S. Paulo

Haddad diz que taxa está excessivamente restritiva; urge debate que considere déficit cavalar e inflação

Argumento petista de que Selic a 15% ao ano é herança do antecessor cai no ridículo quando Galípolo prevê arrocho por período prolongado

Era evidente, na primeira metade do governo, que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus correligionários criavam uma armadilha para si mesmos ao satanizar o Banco Central, então sob uma direção majoritariamente indicada por Jair Bolsonaro (PL), e fazer da política de juros um bode expiatório para qualquer mazela da economia.

Tal estratégia imporia à administração petista duas opções inglórias: ou nomear para o BC adeptos das teses do partido —o que muito provavelmente resultaria mais uma vez em descontrole de preços— ou preferir quadros dispostos a fazer o necessário para cumprir as metas de inflação —expondo o oportunismo rasteiro dos ataques à gestão anterior da instituição.

Felizmente para o país, a segunda alternativa foi a escolhida. A esta altura, resta ao governo remendar seu discurso para ao menos dar uma satisfação à sua base mais fiel e engajada.

Neste 2025, sob o comando de Gabriel Galípolo e uma maioria de diretores indicados por Lula, o BC não apenas manteve diagnósticos e diretrizes dos últimos anos como elevou a Selic de 12,25% para 15% anuais, a maior taxa desde julho de 2006 —no primeiro governo Lula, aliás.

De início, a cúpula petista atribuiu esse movimento a uma herança deixada pelo escolhido de Bolsonaro, Roberto Campos Neto. Já capenga na origem, o argumento cai no ridículo quando Galípolo afirma que a política monetária permanecerá "num patamar bastante restritivo por um período prolongado".

Como noticiou a coluna Painel, diz-se em Brasília que Lula pretende autorizar auxiliares a subirem o tom das críticas ao BC. Coincidência ou não, na terça-feira (7), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou em entrevista a um veículo oficial que a taxa de juros "está excessivamente restritiva".

Haddad, diga-se, teve o cuidado de declarar respeito institucional ao BC e defendeu seu direito de opinar sobre o tema. É curioso, de todo modo, como se repete o padrão de enfatizar a política monetária e deixar em segundo plano os déficits orçamentários cavalares do governo Lula e o índice de preços persistentemente acima da meta de 3% anuais.

Ora, é óbvio que juros de 15% são uma anomalia altamente nociva ao país. Por isso mesmo, deveria ser urgente um debate maduro, sem demagogia nem teorias conspiratórias já desmoralizadas, sobre por que, mesmo com tamanho arrocho, a inflação —um flagelo social ainda mais perigoso— não está domada.

Como o PT não quer falar de controle de gastos, ao menos até as eleições do próximo ano, a velha lenga-lenga sobre os juros continua sendo mais cômoda.

Punição para o desastrado motim bolsonarista

Por Folha de S. Paulo

Com processos na Câmara, líderes da insurreição que aviltou função parlamentar podem ser suspensos

Ação foi uma de várias da oposição, como a PEC da Blindagem e a campanha contra o Brasil de Eduardo Bolsonaro nos EUA, que ajudaram Lula

O Conselho de Ética da Câmara instaurou processos que podem levar à suspensão temporária do mandato de três deputados que participaram do motim bolsonarista que paralisou os trabalhos da Casa no início de agosto. O período previsto para Marcos Pollon (PL-MS) é de 90 dias, e para Zé Trovão (PL-SC) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), de 30.

A punição é essencial nesse caso, e não se pode afirmar que a Câmara esteja sendo draconiana. Vários parlamentares que integraram a rebelião, ainda que não de forma tão acintosa, escaparão com mera censura por escrito.

Ademais, os deputados insurrectos —que exigiam votar o fim do foro especial para congressistas e a anistia para golpistas— violaram a regra fundamental de um Parlamento, a de usar a palavra, não a intimidação, para tentar resolver diferenças políticas. Mostraram comportamento indigno da função e se sujeitaram até à perda de mandato.

Mas, se o conselho não respondeu de forma tão rigorosa à infâmia, o cenário politico o fez.
O motim foi um dos erros em série cometidos pela oposição bolsonarista e por alas do centrão que tiveram o efeito de tirar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) das cordas e recolocá-lo em posição mais confortável para a disputa eleitoral do próximo ano.

No afã de livrar Jair Bolsonaro (PL) da prisão e de precaver-se contra investigações judiciais, parlamentares embarcaram em propostas que causaram graus variados de indignação popular.
A mais escandalosa foi a chamada PEC da Blindagem, que conseguiu fazer com que protestos convocados pela esquerda voltassem a encher as ruas em diversas capitais do país.

Paralelamente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) deflagrou dos EUA uma campanha contra o Brasil, contribuindo para que Donald Trump aplicasse seu tarifaço e sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e outros membros do Judiciário.

Assim, forneceu graciosamente ao Planalto o proveitoso discurso político de defesa da soberania nacional. Quando Lula e o republicano começaram a conversar, nesta semana, o petista conseguiu somar ainda mais pontos.

Em outra contribuição involuntária para a imagem do presidente brasileiro, Trump adotou medidas que enfraqueceram o dólar, ajudando a manter sob controle a inflação de alimentos, que já havia se mostrado devastadora para a popularidade do governo.

Lula agora aproveita o vento de popa com o qual a oposição o presenteou. Não deveria, porém, cair no mesmo erro dos bolsonaristas e julgar que a questão está liquidada. Falta um ano para a eleição, o que significa que há tempo para tudo mudar novamente. Governos erram, percepções econômicas se alteram e o eleitor é volúvel e caprichoso.

FMI vê risco de correção abrupta nos mercados acionários

Por Valor Econômico

A raiz das preocupações são as valorizações enormes das ações das “big

As bolsas americanas estão excessivamente valorizadas, como estavam quando estourou a bolha da internet, em 2001, e uma repentina correção dos ativos, que tem tudo para ser turbulenta, pode estar a caminho. O sinal de alerta foi dado ontem pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, e também pelo Banco Central da Inglaterra, que comunicou que o “risco de uma abrupta correção dos mercados aumentou”. A raiz das preocupações são as valorizações enormes das ações das “big techs”, as “7 Magníficas” (Apple, Nvidia, Microsoft, Alphabet, Amazon, Meta e Tesla), que impulsionam investimentos que estão sustentando hoje o crescimento dos Estados Unidos e, em certa medida, global. Uma inversão de rumos, segundo Georgieva, trará um aperto nas condições financeiras que poderá “puxar para baixo o crescimento mundial, expor vulnerabilidades e tornar a vida especialmente dura para os países em desenvolvimento”.

A preocupação com a valorização das ações nos EUA é crescente também entre bancos e analistas privados. Há uma conjunção de fatores que alimentam a expansão exagerada da liquidez global, que não poderá prosperar indefinidamente. A S&P 500 subiu 15% no ano, e metade do aumento de preços das ações foi provocado pelos investimentos nos papéis das 7 “big techs”. As bolsas americanas se tornaram um sorvedouro das aplicações mundiais em renda variável. O valor das ações nos mercados americanos soma metade da capitalização de todas as bolsas do mundo. O afluxo de capital para elas é crescente. Investidores estrangeiros alocaram US$ 290 bilhões nesses papéis no segundo trimestre, tendo com isso 30% do valor acionário americano em seu poder, a maior fatia desde a Segunda Guerra Mundial.

A dependência dos investimentos em Inteligência Artificial é também grande na economia real. Estima-se que 40% do crescimento do PIB americano no ano se deva a eles (Valor, 7/10). A exuberância do mercado acionário, por outro lado, contribuiu para o alívio das condições financeiras, em um momento em que as apostas dos investidores se concentram no afrouxamento das condições moderadamente restritivas dos juros, que começaram a ser reduzidos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). As condições de crédito são favoráveis, e tem sido fácil para as empresas mais bem avaliadas pelas agências de classificação de risco, e também para aquelas mais arriscadas, captar dinheiro no mercado. Uma das provas de grande liquidez é que o spread, a diferença entre o prêmio para empréstimos a uma e outra, seja muito menor do que em condições normais.

Há vários sinais de alerta. O ouro rompeu a casa dos US$ 4 mil a onça, em uma trajetória de alta ininterrupta e rápida. O metal é um “porto seguro” em épocas de crises, assim como o dólar, mas com o alto grau de incerteza criado pelas políticas erráticas de Donald Trump, a moeda americana tem seu papel de reserva gradativamente corroído, além de estar perdendo valor continuamente desde que Trump anunciou o “dia da libertação”, em 2 de abril.

As condições de liquidez abundante nos mercados dificultam o combate à inflação nos EUA, estimulada pelo tarifaço. Ela está subindo e deve em breve ultrapassar 3%, distanciando-se da meta de 2% do Fed. A perspectiva de novas quedas de juros, comprada pelos investidores, mas não prometida pelo BC, incentiva mais o crédito e a valorização das ações. Esse movimento tende a se perpetuar — tem sido assim há meses — como na formação das bolhas, até ser interrompido por fatores inesperados, ou não. As tarifas de Trump eram aguardadas, e houve recuperação. Inesperado foi o anúncio dos avanços da China na IA, no primeiro semestre, que provocou um susto momentâneo nos mercados e questionamentos sobre a validade do modelo bilionário e monopolista da IA engendrada nos EUA — e pode novamente ocorrer.

Há endividamento global público e privado crescente, outra fonte de preocupações. A dívida global ultrapassou 100% do PIB. Os déficits públicos crescentes exigem juros maiores, especialmente quando mecanismos normais de financiamento são interrompidos por crises políticas, que estão se tornando frequentes. Com rombos fiscais acima de 5% do PIB, a queda do Gabinete na França fez os preços dos títulos soberanos do país subirem acima dos da Itália e se distanciarem dos da Alemanha. Como reflexo, houve pressão sobre os títulos do Tesouro inglês, também no vermelho. A ascensão de Sanae Takaichi como provável primeira-ministra do Japão significará mais déficit e juros menores em outro país muito endividado e com crescimento estagnado, gerando mais incertezas nos mercados de títulos soberanos globais.

Uma possível reversão abrupta de rumos pode significar uma parada súbita do crescimento global e uma onda de inadimplência de governos e empresas. Para o Brasil, situações como essa são conhecidas e se manifestam com desvalorização cambial, saída de capitais, pressão inflacionária e juros maiores sobre uma dívida já elevada. O ambiente global exige cautela, mas não é o que se vê na desenvoltura eleitoral com que o Planalto concebe programas que de uma forma ou de outra estimularão a economia.

Barraco no Centrão

Por O Estado de S. Paulo

Caciques do PP e do União Brasil brigam em praça pública – pelo desembarque do governo, pelo bolsonarismo e pelos nomes em disputa para 2026, deixando Lula à vontade em sua campanha antecipada

O Centrão está dividido. Rachado em praça pública. O pomo da discórdia dentro do grupo conhecido pela inesgotável capacidade de se manter no poder, seja qual for a orientação ideológica do governo, é a cisão entre os caciques dispostos a desembarcar da base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aqueles que tentam preservar cargos e verbas oferecidos pelo Executivo na Esplanada dos Ministérios e na máquina pública.

A peleja é travada entre quem deseja apoiar a reeleição de Lula, por intuir que o petista representa maior perspectiva de poder, e quem defende candidaturas oposicionistas da direita. Nessa ala, há ainda um outro embate, entre aqueles que pretendem afastar-se do bolsonarismo, rumo ao centro, e os que querem investir na retórica radical bolsonarista, para cair nas graças do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entrementes, Lula recupera sua popularidade e parece cada vez mais à vontade em sua campanha eleitoral antecipada.

Obrigados a deixar o governo pelos caciques do União Brasil e do PP – que integram a federação mais poderosa da Câmara dos Deputados –, os ministros Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esporte) anunciaram que ficarão em seus cargos. Ato contínuo, Fufuca foi afastado da vice-presidência do PP, enquanto as juras de amor de Sabino a Lula foram duramente criticadas pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, único pré-candidato à Presidência da federação partidária. Para Caiado, a permanência de Sabino seria “algo inadmissível”, uma “imoralidade ímpar”. Dias antes, o governador goiano já protagonizara outro embate público, com o presidente do PP, Ciro Nogueira, a quem acusou de montar a federação para cacifar o próprio nome como vice numa eventual chapa encabeçada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ele se mostrou incomodado com a avaliação de Ciro Nogueira de que só há dois nomes viáveis para a disputa de 2026: Tarcísio e o governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD).

Interessado em estimular a cizânia nos dois partidos que até aqui viveram simultaneamente a condição de governistas e oposicionistas, Lula indica nos bastidores que pode apoiar candidaturas dos dois ministros em seus respectivos Estados, o Pará e o Maranhão, e chamou de “pequenez” a ameaça do União Brasil e do PP de punir os ministros caso descumpram a ordem de desembarque do governo. O presidente talvez não se lembre, mas este jornal recorda que, em 1993, o PT puniu duramente a ex-prefeita Luiza Erundina por ter aceitado participar do governo de Itamar Franco. Não há notícia de que Lula tenha criticado a “pequenez” do PT naquela ocasião.

Tais embates seriam irrelevantes caso se limitassem aos interesses privados dos envolvidos. Mas seus desdobramentos podem ter impacto direto sobre os rumos do governo nos próximos meses e, sobretudo, sobre a correlação de forças em disputa nas eleições de 2026. Habituais fiadores da estabilidade das relações entre Executivo e Congresso, partidos centristas costumam também servir de pêndulo para fortalecer ou reduzir a musculatura política de aliados ou adversários. Estando juntos, podem assegurar ou desmontar a espinha dorsal de funcionamento do governo. Divididos, estimulam os ânimos dos petistas para o ano que vem.

E assim, em vez de discutir uma candidatura presidencial forte da centro-direita, capaz de apresentar alternativa viável a Lula e seu populismo atávico, o Centrão se perde no labirinto das picuinhas paroquiais e nos erros de cálculo de seus caciques. Ganha Jair Bolsonaro, que segue sendo visto como líder incontornável da oposição a Lula, mesmo estando preso, condenado por tentativa de golpe de Estado, e ganha Lula, que, mesmo minoritário no Congresso, pode se dar ao luxo de desdenhar das ameaças do Centrão porque hoje não tem adversários capazes de lhe tirar o sono na corrida por mais um mandato presidencial. Não é preciso enfatizar como isso é ruim para o Brasil.

O avanço da EAD na educação superior

Por O Estado de S. Paulo

Número de alunos em cursos de graduação a distância supera pela primeira vez o de cursos presenciais, mostrando que modelo veio para ficar. Isso demanda atenção especial sobre a qualidade

O número de matriculados em educação a distância (EAD) ultrapassou pela primeira vez o total de alunos da modalidade presencial nas universidades. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2024, do Ministério da Educação (MEC), o Brasil registrou 50,75% dos universitários na EAD. São 5.189.391 estudantes na educação remota, ante 5.037.482 na presencial. Também pela primeira vez, o ensino superior atingiu a marca de 10 milhões de matrículas. Para um país que patina em educação, trata-se de um feito e tanto.

Esse recorde só foi possível graças à EAD. Entre 2014 e 2024, o número de ingressantes caiu 30,2% nas graduações presenciais, ao passo que subiu 360% nos cursos a distância. Esse crescimento se acentuou a partir de 2018, após o governo Michel Temer flexibilizar as regras para a abertura de polos das instituições particulares. Com a covid-19, os desafios do isolamento e os avanços tecnológicos, essa modalidade só ganhou força.

Como explicou o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel Palacios, a EAD “proporcionou o atendimento de uma população que de outra maneira não teria acesso à educação superior”. São milhões de brasileiros que já estão no mercado de trabalho, passaram dos 30 anos de idade, têm filhos e, mesmo assim, persistem na busca por conhecimento e qualificação profissional.

Os custos mais baixos e o acesso à educação mesmo onde não há faculdades também pesam para a escolha pela EAD. Não à toa esses cursos estão presentes em 3.387 municípios brasileiros. E há ainda estudantes que optaram pela modalidade mesmo nas grandes cidades onde há instituições de ensino superior simplesmente porque não querem mais perder até duas horas de seus dias presos no trânsito.

Todos sabem bem que ter um diploma universitário significa melhores condições de vida para si e para a sua família. Prova disso é que uma pesquisa da economista Janaína Feijó, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apontou que quem tinha curso superior em 2024 ganhava, em média, 126% mais do que aqueles que não haviam concluído uma faculdade.

Apesar de tudo isso, a EAD suscita debates acalorados, sobretudo em torno da qualidade do ensino ofertado. No Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) mais recente, apenas 6 dos 692 cursos de EAD avaliados conseguiram a nota máxima. Diante disso, o governo Lula da Silva baixou em maio deste ano um decreto para regular e cobrar o setor.

Serão permitidos três tipos de cursos: os presenciais, os semipresenciais, com 30% da carga horária presencial e 20% presenciais ou síncronas (aulas transmitidas ao vivo), e a distância, com carga mínima presencial de 10% e outros 10% entre presenciais ou síncronas mediadas. Pelas regras, as instituições não poderão mais oferecer cursos de saúde nem de Direito a distância, assim como as licenciaturas, que formam professores. Haverá o limite de 70 alunos por turma e as provas presenciais serão realizadas nos polos.

Essa regulamentação mais rígida foi baixada com atraso, por temor do Palácio do Planalto de prejudicar a imagem do governo aos olhos dos estudantes de EAD mais pobres, justamente um eleitor que o PT cultiva. Houve ainda ataques de gestores do próprio MEC à modalidade de ensino remoto.

Os dados do Censo da Educação Superior de 2024 mostram, contudo, que a EAD veio para ficar – o que faz sentido, num país cuja oferta de educação superior acessível é escassa para grande parte da população. Por essa razão, não se pode demonizar a EAD em si mesma, sobretudo em face da experiência bem-sucedida nessa área em grandes universidades no exterior.

As novas regras, se aplicadas para valer, coibirão a atuação de instituições caça-níqueis e levarão as universidades comprometidas com a boa formação de seus alunos a investir em infraestrutura, proporcionando a democratização do ensino superior.

Galípolo trinca os dentes

Por O Estado de S. Paulo

BC faz sua parte para levar a inflação à meta, mas a política fiscal do governo não ajuda nessa tarefa

É digna de nota a segurança demonstrada pelo presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, ao defender a política monetária em um evento organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso. Para quem foi chamado de “menino de ouro” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes mesmo de ser indicado para a função, Galípolo tem provado estar à altura do desafio a despeito das pressões que aumentaram e certamente aumentarão ainda mais nos próximos meses.

Se a maioria do mercado aposta que o Banco Central (BC) manterá a taxa básica de juros em 15% até o fim deste ano, boa parte deles prevê que um ciclo de redução da Selic possa ser iniciado ainda no primeiro trimestre de 2026. No boletim Focus, a mediana das projeções estima que os juros chegarão a 12,25% ao fim do ano que vem, período que exigirá nervos de aço dos integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom).

O presidente Lula nunca escondeu a preocupação com o crescimento da economia, mas até o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou a deixar claro seu incômodo com os juros nos últimos meses. A questão é que o afrouxamento monetário esperado para o ano que vem certamente não será suficiente para alavancar o crescimento econômico em um nível muito além das projeções atuais, de 1,5%, segundo o Relatório de Política Monetária do BC, de 1,80%, conforme o boletim Focus, de 2,2%, de acordo com o Banco Mundial, e de 2,4%, para o Ministério da Fazenda.

É importante, assim, que Galípolo tenha aproveitado o momento para dizer que uma de suas funções, como presidente do BC, é “saber dizer ‘não’” para pessoas importantes. Ele disse já saber que manter os juros em patamar restritivo por certo tempo seria mais difícil que aumentá-los. “A expressão que eu usei foi ‘a gente vai ter que trincar os dentes’. E é isso mesmo”, afirmou, ao lembrar de uma frase que havia dito em dezembro do ano passado, quando o Copom elevou os juros a 12,25% ao ano.

Os indicadores reforçam a prudência do presidente do BC. Mesmo com a Selic no nível mais elevado desde 2006, a inflação resiste a se aproximar da meta de 3%. O boletim Focus mostra que a projeção para o IPCA é de 4,80% neste ano e de 4,28% em 2026, e mesmo para horizontes mais longos, como 2027 e 2028, a previsão é de 3,90% e de 3,70%, respectivamente.

A taxa de desemprego, por sua vez, fechou o trimestre encerrado em agosto em 5,6%, menor nível da série histórica, iniciada em 2012. O resultado, no entanto, se deve mais à queda da taxa de participação no mercado de trabalho do que ao aumento da produtividade, fenômeno praticamente restrito ao agronegócio.

Não resta dúvida de que o BC tem feito sua parte para levar a inflação à meta – e, como Galípolo fez questão de destacar, ao centro da meta, e não ao seu limite superior. O problema é que o Executivo não ajuda em nada nessa tarefa – pelo contrário. A despeito dos questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo insiste em perseguir o piso da meta fiscal, em vez de seu centro, e é improvável que mude de atitude em um ano eleitoral.

Esforços concentrados contra o abuso sexual de crianças

Por Correio Braziliense

Embora haja um esforço das forças de segurança pública, federal e estaduais, para proteger o segmento infantojuvenil das agressões sexuais tanto por meios virtuais quanto físicos e psicológicos, falta ao país a regulamentação das redes sociais

Às vésperas do Dia da Criança, a Polícia Federal deflagrou a megaoperação Nacional Proteção Integral 3 para combater os crimes cibernéticos de abusos de crianças e adolescentes em 27 unidades da Federação. Nesta terceira etapa, foram mobilizados 617 agentes federais e 273 policiais civis de 16 estados para o cumprimento de 187 mandados judiciais em todo o país. O principal alvo foi o desmonte de redes sociais em plataformas digitais. Até o início da tarde de ontem, foram presos em flagrante 55 suspeitos de cometerem crimes sexuais e resgatadas três crianças.

"Não haverá impunidade para os criminosos que abusam de crianças e adolescentes por meio da internet. Demos mais um passo importante no combate aos crimes digitais. A Policia Federal, com o apoio das Polícias Civis, realizou uma megaoperação contra o abuso sexual de crianças e adolescentes em todos os estados do país", afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente, em Luziânia, município de Goiás, a 60km do Palácio do Planalto.

Nos primeiros nove meses deste ano, nas três etapas da megaoperação,  os policiais federais cumpriram mais de 1.600 mandados de prisão  de condenados foragidos por crimes sexuais contra menores no país. Embora haja um esforço das forças de segurança pública, federal e estaduais, para proteger o segmento infantojuvenil das agressões sexuais tanto por meios virtuais quanto físicos e psicológicos, falta ao país a regulamentação das redes sociais. 

Há de se reconhecer o recente avanço com a sanção do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, no mês passado. A mudança, inspirada pelas denúncias do youtuber e influenciador Felipe Bressanim, o Felca, levou o Legislativo e o Executivo a criar o que especialistas têm chamado de ECA Digital, que atualiza o tradicional ECA para o ambiente on-line. 

No mesmo sentido, a Comissão de Constituição e Justiça  (CCJ) do Senado Federal aprovou, ontem, projeto que eleva a pena de reclusão para os crimes de exploração sexual de crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis. Hoje, a legislação prevê penas de privação de liberdade de 8 a 15 anos para quem praticar violência sexual contra crianças e adolescentes. Se o projeto for aprovado pela Câmara dos Deputados, a pena mínima sobe de quatro para seis anos de reclusão, e a máxima passa de 10 para 12 anos, tornando mais rígida a punição a quem submete, induz ou atrai menores de 18 anos a esse tipo de prática, que tem avançado, sobretudo, no submundo digital. 

O uso das redes sociais ou de quaisquer outros meios para violentar física e emocionalmente crianças e jovens deve ser coibido. Trata-se de responsabilidade do Estado, cujo negligenciamento é inadmissível. Mas é igual dever dos pais e familiares dos menores. Os avanços tecnológicos abrem janelas para todos os tipos de informação, tanto por meio dos celulares quanto por computadores domésticos, conectados a um imensurável cardápio de redes sociais que podem, e devem, ser controlados pelos responsáveis por crianças e adolescentes. 

Não se trata de censura ou bloqueio à liberdade de expressão, mas, sim, de estabelecimento de limites e medidas preventivas, que resguardem crianças e jovens da perversidade e dos danos provocados pelos abusos e violências sexuais. Se diferente fosse, a indústria cinematográfica não estabeleceria faixa etária para cada produção. Esse cuidado é aceito, sem questionamento, pela maioria da sociedade e sem vínculo com censura ou desrespeito à liberdade de expressão.

A persistência do trabalho análogo à escravidão

Por O Povo (CE)

Em todo o País, 691 empregadores estão registrados como exploradores de mão de obra em condições degradantes, incluindo 15 nomes do Ceará

Cento e trinta e sete anos após o fim da escravidão, depois de esse sistema desumano ter perdurado por três longos séculos, resquícios graves dessa chaga aberta ainda perduram no Brasil.

Nesta semana, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou a atualização semestral do cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. O MTE incluiu 159 novos nomes na chamada "lista suja" — 101 pessoas físicas e 58 pessoas jurídicas — aumento de 20% em relação à atualização anterior. No total, 691 empregadores, em todo o País, estão registrados como exploradores de mão de obra em condições equivalentes à escravidão, incluindo 15 nomes do Ceará.

Os novos casos ocorreram entre 2020 e 2025, pois a inclusão na lista ocorre somente após a conclusão do processo administrativo. No período, foram resgatados 1.530 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão.

No entanto, houve um impasse na preparação deste cadastro, pela não inclusão da JBS Alves na lista suja. Segundo a plataforma de notícias Nexo, auditores do trabalho denunciam ter havido interferência do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, para deixar a empresa fora dos registros, contrariando a avaliação técnica dos auditores fiscais.

O caso se refere a uma ação realizada no ano passado, na qual dez trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão, em uma empresa contratada pela JBS — a MRJ, que consta da lista — para serviços de carga e descarga em uma unidade no Rio Grande do Sul. Em protesto, 19 coordenadores estaduais teriam deixado seus postos, avisando que o movimento iria escalar, caso a JBS não entrasse na próxima lista.

É importante ressalvar que o trabalho equivalente à escravização é praticado por pessoas físicas e jurídicas, por empresas grandes e pequenas, em áreas rurais e urbanas, como demonstra a mais recente lista divulgada pelo MTE.

Como informou O POVO em edição recente (30/8/2025), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ordenou que a Volkswagen pagasse R$ 165 milhões por danos morais coletivos por submeter trabalhador a condições análogas à escravidão em uma fazenda na Amazônia entre 1974 e 1986. A montadora alemã era proprietária da área por meio de uma subsidiária. A propriedade era usada para pecuária e extração de madeira.

O MTE realiza uma importante tarefa ao resgatar trabalhadores de condições degradantes, um trabalho humanitário que merece o reconhecimento da sociedade. Por isso, é importante que os auditores tenham liberdade para trabalhar — e que suas conclusões técnicas sejam respeitadas, para além das injunções políticas.

 



 

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