Valor Econômico
Dificilmente o Banco Central será capaz de
quebrar a espinha dorsal da inflação sem desmontar um mercado de trabalho que
está muito aquecido
O Banco Central publicou nada menos do que
quatro estudos sobre o mercado de trabalho na edição mais recente de seu
Relatório de Política Monetária, o que revela a importância desse tema para
definir quando os juros básicos da economia poderão cair.
Os membros do colegiado vêm repetindo que
nenhum dado isolado vai funcionar como gatilho para uma distensão monetária - e
que olham muitos indicadores, como expectativas de mercado, suas projeções de
inflação, comportamento dos preços de serviços e riscos fiscais e no cenário
internacional.
Mas dificilmente o Banco Central será capaz de quebrar a espinha dorsal da inflação sem desmontar um mercado de trabalho que está muito aquecido. Isso pode ser resumido pela taxa de desemprego, que ficou em 5,6% em agosto, a menor na série histórica iniciada em 2012.
Em termos conceituais, a mecânica pode ser
descrita de forma simples. O Banco Central subiu os juros para 15% ao ano,
maior percentual em quase duas décadas, e já encareceu o crédito. O consumo de
bens duráveis e os investimentos estão se desacelerando, esfriando a economia.
Em algum momento, o efeito deverá alcançar o
emprego, segundo a chamada Lei de Okun, desenvolvida pelo economista americano
Arthur Okun, que mostra que a taxa de desemprego aumenta quando há uma
desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB). Assim que o mercado de trabalho
começar a operar com alguma ociosidade, a inflação deve recuar em direção à
meta, definida em 3%.
No mundo real, porém, as coisas são mais
complicadas, por isso o Copom produz análises sucessivas para compreender como
essa engrenagem está funcionando na economia brasileira, além de acompanhar um
volume gigantesco de dados econômicos.
O Banco Central tem dois problemas. Primeiro,
saber quanto tempo vai levar para a desaceleração da economia - provocada por
juros elevados - esfriar o nível de ocupação e abrir capacidade ociosa. O outro
desafio é, quando isso ocorrer, confirmar que, de fato, o mercado de trabalho
está operando com folga.
Segundo a teoria econômica, seria simples:
basta elevar a taxa de desemprego a um percentual que supere o que os
economistas chamam de taxa de desemprego que não acelera a inflação (ou Nairu,
na sigla em inglês). A dificuldade é que essa Nairu é mais um conceito abstrato
do que algo que possa ser medido com precisão.
Economistas pregam revisão do arcabouço de
política monetária
Em junho, o Copom pediu as estimativas do
mercado sobre a Nairu, que ficaram em 8%. Mas não se deve acreditar muito nesse
número. Não faz muito tempo, os economistas privados achavam que a Nairu
poderia estar em 10% ou até mais. O percentual pode sempre mudar por fatores
como reformas, como a trabalhista, ou transformações como o trabalho remoto.
Na semana passada, num evento do HSBC, o
diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, foi questionado
por um participante do mercado sobre qual é a defasagem de tempo que a
desaceleração da economia, já em andamento, terá até atingir o emprego.
Guillen tenta escapar um pouco dessa
discussão sobre a Nairu observando a evolução dos aumentos de salários reais. A
intuição é que, se os salários estão subindo acima da inflação e dos ganhos de
produtividade, esse pode ser um sinal de que a força de trabalho opera no
limite.
O risco é que, se o Banco Central olhar
apenas esse dado, pode chegar atrasado, porque os efeitos do juro alto levam
tempo até se refletirem nos reajustes de salário. O Copom precisa agir no
momento certo, para a economia não sofrer demais. Os participantes do mercado
também tentam antecipar qual será o timing do BC, para fazer suas apostas sobre
quando a Selic cairá
Respondendo ao participante do mercado,
Guillen citou um dos quatro trabalhos do Relatório de Política Monetária, com o
título “Tendência da inflação salarial por setores e faixas etárias”. Ele
mostra como, na análise do Copom, há camadas adicionais de complexidade na
avaliação do mercado de trabalho.
O estudo aponta que, quando os salários sobem
acima dos ganhos de produtividade - o que vem ocorrendo já há algum tempo -, há
um choque que reduz a oferta agregada da economia. O custo de mão de obra fica
muito pesado, e as empresas demitem e reduzem a produção para recompor as suas
margens.
A pesquisa também confirma a relação
esperada: quando a economia se aquece e começa a operar acima da capacidade,
mais adiante os reajustes de salários ganham força. Mas não é de uma hora para
a outra: leva “um certo tempo para gerar aumentos significativos de salários na
economia”.
Qual é essa defasagem? Varia de acordo com a
faixa etária. Para trabalhadores em início de carreira, há uma correlação maior
entre a ociosidade da economia e reajustes salariais mais baixos, que já se
manifesta mais rápido. Já entre os trabalhadores mais qualificados, essa
correlação é mais fraca e demora mais.
Guillen, no evento do HSBC, destacou as
várias limitações metodológicas desse estudo, que não representa a resposta
definitiva sobre quando os juros altos vão desmontar o excesso de aquecimento
do mercado de trabalho. Esse é apenas mais um dado que ajuda a compor o
quebra-cabeça, ainda longe de revelar com clareza quando, enfim, a Selic poderá
cair.
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