segunda-feira, 6 de outubro de 2025

BC vigia salário entre sinais para cortar juro. Por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Dificilmente o Banco Central será capaz de quebrar a espinha dorsal da inflação sem desmontar um mercado de trabalho que está muito aquecido

O Banco Central publicou nada menos do que quatro estudos sobre o mercado de trabalho na edição mais recente de seu Relatório de Política Monetária, o que revela a importância desse tema para definir quando os juros básicos da economia poderão cair.

Os membros do colegiado vêm repetindo que nenhum dado isolado vai funcionar como gatilho para uma distensão monetária - e que olham muitos indicadores, como expectativas de mercado, suas projeções de inflação, comportamento dos preços de serviços e riscos fiscais e no cenário internacional.

Mas dificilmente o Banco Central será capaz de quebrar a espinha dorsal da inflação sem desmontar um mercado de trabalho que está muito aquecido. Isso pode ser resumido pela taxa de desemprego, que ficou em 5,6% em agosto, a menor na série histórica iniciada em 2012.

Em termos conceituais, a mecânica pode ser descrita de forma simples. O Banco Central subiu os juros para 15% ao ano, maior percentual em quase duas décadas, e já encareceu o crédito. O consumo de bens duráveis e os investimentos estão se desacelerando, esfriando a economia.

Em algum momento, o efeito deverá alcançar o emprego, segundo a chamada Lei de Okun, desenvolvida pelo economista americano Arthur Okun, que mostra que a taxa de desemprego aumenta quando há uma desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB). Assim que o mercado de trabalho começar a operar com alguma ociosidade, a inflação deve recuar em direção à meta, definida em 3%.

No mundo real, porém, as coisas são mais complicadas, por isso o Copom produz análises sucessivas para compreender como essa engrenagem está funcionando na economia brasileira, além de acompanhar um volume gigantesco de dados econômicos.

O Banco Central tem dois problemas. Primeiro, saber quanto tempo vai levar para a desaceleração da economia - provocada por juros elevados - esfriar o nível de ocupação e abrir capacidade ociosa. O outro desafio é, quando isso ocorrer, confirmar que, de fato, o mercado de trabalho está operando com folga.

Segundo a teoria econômica, seria simples: basta elevar a taxa de desemprego a um percentual que supere o que os economistas chamam de taxa de desemprego que não acelera a inflação (ou Nairu, na sigla em inglês). A dificuldade é que essa Nairu é mais um conceito abstrato do que algo que possa ser medido com precisão.

Economistas pregam revisão do arcabouço de política monetária

Em junho, o Copom pediu as estimativas do mercado sobre a Nairu, que ficaram em 8%. Mas não se deve acreditar muito nesse número. Não faz muito tempo, os economistas privados achavam que a Nairu poderia estar em 10% ou até mais. O percentual pode sempre mudar por fatores como reformas, como a trabalhista, ou transformações como o trabalho remoto.

Na semana passada, num evento do HSBC, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, foi questionado por um participante do mercado sobre qual é a defasagem de tempo que a desaceleração da economia, já em andamento, terá até atingir o emprego.

Guillen tenta escapar um pouco dessa discussão sobre a Nairu observando a evolução dos aumentos de salários reais. A intuição é que, se os salários estão subindo acima da inflação e dos ganhos de produtividade, esse pode ser um sinal de que a força de trabalho opera no limite.

O risco é que, se o Banco Central olhar apenas esse dado, pode chegar atrasado, porque os efeitos do juro alto levam tempo até se refletirem nos reajustes de salário. O Copom precisa agir no momento certo, para a economia não sofrer demais. Os participantes do mercado também tentam antecipar qual será o timing do BC, para fazer suas apostas sobre quando a Selic cairá

Respondendo ao participante do mercado, Guillen citou um dos quatro trabalhos do Relatório de Política Monetária, com o título “Tendência da inflação salarial por setores e faixas etárias”. Ele mostra como, na análise do Copom, há camadas adicionais de complexidade na avaliação do mercado de trabalho.

O estudo aponta que, quando os salários sobem acima dos ganhos de produtividade - o que vem ocorrendo já há algum tempo -, há um choque que reduz a oferta agregada da economia. O custo de mão de obra fica muito pesado, e as empresas demitem e reduzem a produção para recompor as suas margens.

A pesquisa também confirma a relação esperada: quando a economia se aquece e começa a operar acima da capacidade, mais adiante os reajustes de salários ganham força. Mas não é de uma hora para a outra: leva “um certo tempo para gerar aumentos significativos de salários na economia”.

Qual é essa defasagem? Varia de acordo com a faixa etária. Para trabalhadores em início de carreira, há uma correlação maior entre a ociosidade da economia e reajustes salariais mais baixos, que já se manifesta mais rápido. Já entre os trabalhadores mais qualificados, essa correlação é mais fraca e demora mais.

Guillen, no evento do HSBC, destacou as várias limitações metodológicas desse estudo, que não representa a resposta definitiva sobre quando os juros altos vão desmontar o excesso de aquecimento do mercado de trabalho. Esse é apenas mais um dado que ajuda a compor o quebra-cabeça, ainda longe de revelar com clareza quando, enfim, a Selic poderá cair.

 

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