segunda-feira, 6 de outubro de 2025

O atual governo é antirracista? Por Irapuã Santana

O Globo

Temos fotos, frases de efeito, mas, nos bastidores, lidamos com o racismo institucional incansável

No dia 13 de maio de 2022, ingressei com uma ação contra o Estado brasileiro, em nome da Educafro, pelo racismo praticado contra a população negra. Nela, com um grupo multidisciplinar, consegui expor as diversas formas como o Brasil reproduzia e aprofundava os prejuízos a essa parcela de seu povo, usando História, economia e psicologia para apontar as irregularidades.

Em novembro de 2024, depois de muitas conversas, obtivemos um pedido formal de desculpas do governo. Desde então, o processo parou. Não por culpa do Judiciário, do Ministério Público ou da sociedade civil organizada que atua nos autos, mas sim porque, aparentemente, o racismo acabou depois desse pedido de desculpas.

É preciso explicar que a ação não pede indenização nem aumento da carga tributária nacional, de modo que nem eu nem qualquer integrante da equipe sairemos mais ricos, e o contribuinte não será sobrecarregado. Então, pergunto: por que o governo dito progressista e antirracista se recusa a avançar com a pauta?

No último dia 30 de setembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) aceitou um pedido de reunião com representantes dos movimentos negros e, para surpresa dos presentes — não a minha —, não houve qualquer abertura para dialogar sobre os próximos passos possíveis. Desde o primeiro momento, a AGU se recusou a receber um ofício elaborado pelo grupo, afirmando, com desdém, segundo relatos unânimes, que aguardaria decisão judicial.

O advogado Ed Matos, que estava presente, entende que a “postura da União revela uma tentativa de esquivar-se de sua responsabilidade”. Eu disse que esse comportamento não me foi estranho, porque, infelizmente, desde a primeira reunião, no fim de 2023, havia relutância quanto ao pedido de desculpas. Todas as conversas eram acompanhadas de descredibilização que beirava o ofensivo, criação de obstáculos e diversas negativas. Para ter noção, levou um ano para que o pedido de desculpas fosse feito.

Infelizmente, essa é a tônica do que acontece desde sempre no Brasil. Busca-se a aparência em vez do conteúdo. Temos fotos, frases de efeito, mas, nos bastidores, lidamos com o racismo institucional incansável, escondido das redes sociais e dos discursos públicos. Esse episódio, especificamente, acaba sendo bom, porque expõe a forma de agir do grupo que está no poder. Como disse uma vez Malcolm X, prefiro que digam que não gostam de mim por ser negro a receber sorrisos pela frente e ser apunhalado pelas costas.

Frei David, diretor executivo da Educafro, afirma que, apesar da adoção da Convenção Interamericana contra todas as formas de discriminação, nenhum setor do governo fez algo significativo para colocá-la em prática. Ao seu ver, é imprescindível que os caminhos de reparação sejam traçados por meio da cooperação direta do governo. “Cabe ao presidente Lula apontar linhas e segurança para a AGU fazer o que é mais justo” para ampliar o enfrentamento e o combate aos grandes dramas da população afro-brasileira, conclui ele.

O ponto é: estamos, desde o século XVI, dispostos a conversar para corrigir a História. Agora, será que eles querem, de fato, fazer a mudança de que tanto precisamos?

 

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