O Globo
Temos fotos, frases de efeito, mas, nos bastidores, lidamos com o racismo institucional incansável
No dia 13 de maio de 2022, ingressei com uma
ação contra o Estado brasileiro, em nome da Educafro, pelo racismo praticado
contra a população negra. Nela, com um grupo multidisciplinar, consegui expor
as diversas formas como o Brasil reproduzia e aprofundava os prejuízos a essa
parcela de seu povo, usando História, economia e psicologia para apontar as
irregularidades.
Em novembro de 2024, depois de muitas conversas, obtivemos um pedido formal de desculpas do governo. Desde então, o processo parou. Não por culpa do Judiciário, do Ministério Público ou da sociedade civil organizada que atua nos autos, mas sim porque, aparentemente, o racismo acabou depois desse pedido de desculpas.
É preciso explicar que a ação não pede
indenização nem aumento da carga tributária nacional, de modo que nem eu nem
qualquer integrante da equipe sairemos mais ricos, e o contribuinte não será
sobrecarregado. Então, pergunto: por que o governo dito progressista e
antirracista se recusa a avançar com a pauta?
No último dia 30 de setembro, a
Advocacia-Geral da União (AGU)
aceitou um pedido de reunião com representantes dos movimentos negros e, para
surpresa dos presentes — não a minha —, não houve qualquer abertura para
dialogar sobre os próximos passos possíveis. Desde o primeiro momento, a AGU se
recusou a receber um ofício elaborado pelo grupo, afirmando, com desdém,
segundo relatos unânimes, que aguardaria decisão judicial.
O advogado Ed Matos, que estava presente,
entende que a “postura da União revela uma tentativa de esquivar-se de sua
responsabilidade”. Eu disse que esse comportamento não me foi estranho, porque,
infelizmente, desde a primeira reunião, no fim de 2023, havia relutância quanto
ao pedido de desculpas. Todas as conversas eram acompanhadas de
descredibilização que beirava o ofensivo, criação de obstáculos e diversas
negativas. Para ter noção, levou um ano para que o pedido de desculpas fosse
feito.
Infelizmente, essa é a tônica do que acontece
desde sempre no Brasil. Busca-se a aparência em vez do conteúdo. Temos fotos,
frases de efeito, mas, nos bastidores, lidamos com o racismo institucional
incansável, escondido das redes sociais e dos discursos públicos. Esse
episódio, especificamente, acaba sendo bom, porque expõe a forma de agir do
grupo que está no poder. Como disse uma vez Malcolm X, prefiro que digam que
não gostam de mim por ser negro a receber sorrisos pela frente e ser apunhalado
pelas costas.
Frei David, diretor executivo da Educafro,
afirma que, apesar da adoção da Convenção Interamericana contra todas as formas
de discriminação, nenhum setor do governo fez algo significativo para colocá-la
em prática. Ao seu ver, é imprescindível que os caminhos de reparação sejam
traçados por meio da cooperação direta do governo. “Cabe ao presidente Lula apontar
linhas e segurança para a AGU fazer o que é mais justo” para ampliar o
enfrentamento e o combate aos grandes dramas da população afro-brasileira,
conclui ele.
O ponto é: estamos, desde o século XVI,
dispostos a conversar para corrigir a História. Agora, será que eles querem, de
fato, fazer a mudança de que tanto precisamos?
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