segunda-feira, 6 de outubro de 2025

O trumpismo na política japonesa. Por Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Aposta de Takaichi vai depender de como os EUA de Trump vão calibrar tarifas e segurança

Sanae Takaichi venceu a disputa no Partido Liberal Democrata (PLD) e, salvo manobra improvável no Parlamento, será a primeira mulher a chefiar o governo japonês. Sua vitória marca a consolidação de uma nova gramática política no Japão: menos arranjos de centro, mais afirmação nacionalista, mais confronto cultural. Em outras palavras, uma versão japonesa do “trumpismo” – entendido como nacionalismo combativo, postura anti-imigração e ultraconservadora, o desejo de minimizar aspectos negativos da história nacional na memória pública, e política fiscal e monetária expansionista – está em ascensão na quarta maior economia do mundo.

Seu estilo é mais um sinal de que o conservadorismo moderado – marcado pela postura pró-mercado, além do tom moderado e institucionalista, a valorização de etiqueta política e negociação bipartidária – atualmente tem pouco apelo eleitoral ao redor do mundo.

Assim como nos Estados Unidos o espaço de figuras como John McCain e Mitt Romney encolheu e, no Reino Unido e na França, os conservadores tradicionais perderam tração, no Japão, Takaichi venceu prometendo uma guinada à direita. O PLD, corroído por escândalos e derrotas, busca recuperar eleitores que migravam para siglas mais conservadoras.

Ecoando a estratégia econômica populista de Trump, Takaichi já atacou o Banco Central por elevar a taxa de juros e chegou a chamar suas decisões de “estúpidas”. Tal como o presidente argentino, Javier Milei, Takaichi cita a expremiê britânica Margaret Thatcher como sua inspiração. É contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e rejeita bandeiras simbólicas de igualdade de gênero – como permitir que casais mantenham sobrenomes distintos, algo ainda vetado pela lei japonesa, que obriga os cônjuges a adotar um único nome familiar (na vasta maioria dos casos, o do marido). A primeira mulher a alcançar o topo do poder não será, ao que tudo indica, a líder da agenda feminista.

A “nova direita” japonesa prospera num caldo conhecido: frustração com renda real comprimida, custo de vida crescente e fadiga com as elites políticas. Daí a utilidade de narrativas sobre desordem causada por estrangeiros – como a alegação, sem comprovação, da própria Takaichi durante a campanha, de veados na região de Nara agredidos por turistas, acusação prontamente desmentida por autoridades locais. O paralelo com Donald Trump é inevitável – ele próprio espalhou, durante a campanha presidencial, a falsa história de que imigrantes haitianos nos EUA estariam comendo cães e gatos.

Tudo isso mostra que Takaichi não é um raio em céu azul e sim parte de uma reconfiguração mais ampla: o conservadorismo moderado perdeu apelo porque parece impotente para responder a inseguranças econômicas e culturais. O resultado é um programa que fala de “colocar o Japão em primeiro lugar”: rever acordos comerciais considerados desfavoráveis ao país, reforçar a capacidade militar, exigir respeito às fronteiras – embrulhado em retórica de orgulho nacional.

Takaichi também combina linha-dura em segurança e quer revisar a Constituição pacifista. Ela integra círculos nacionalistas que relativizam a necessidade de novas desculpas pelo passado de guerra, e suas visitas ao Santuário de Yasukuni – memorial dedicado aos mortos em combate, que também homenageia catorze criminosos de guerra condenados após 1945 – já azedaram relações com China e Coreia do Sul, para quem o local simboliza a recusa japonesa em confrontar seu passado imperial.

A aposta de Takaichi dependerá, em grande medida, de como Washington calibrará tarifas e segurança na era Trump 2.0.

Takaichi prometeu “tirar work-life balance do vocabulário” e “trabalhar”. A frase soou como um elogio à ética do esforço que marcou o Japão do pós-guerra – e um contraponto a uma das metas mais urgentes do país. O equilíbrio entre vida profissional e pessoal, longe de ser uma pauta “woke”, é visto por economistas e demógrafos como essencial para enfrentar o colapso populacional. Se deixar de avançar no âmbito do work-life balance e de fato reduzir a chegada de imigrantes de que o país tanto precisa, Takaichi dificilmente ajudará o Japão a resolver sua crise demográfica. •

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