O Estado de S. Paulo
Trump apresenta um plano de paz, e não um cessar-fogo como querem o Hamas, seus apoiadores e a esquerda mundial. A diferença é essencial
Quem se compraz com a decadência americana deve estar perplexo. Quem proclama a pouca habilidade diplomática de Donald Trump deve estar completamente desorientado. Em passo inédito, ele propôs um plano abrangente de paz, com apoio dos europeus, do papa, da Rússia, da China, da Índia, da Autoridade Palestina e de países árabes como Catar, sustentáculo do Hamas, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Jordânia. Acrescentem-se, ainda, a Turquia, apoiadora do Hamas, e a Indonésia. Tal leque de alianças não poderia ter sido articulado por uma potência decadente que não sabe o que faz. E não menos surpreendente é o fato de o Hamas ter aceitado o que dizia ser inaceitável: a libertação dos reféns, causa maior da guerra do 7 de outubro, com Israel suspendendo sua operação militar para a conquista da cidade de Gaza, último bastião do Hamas. E mantendo suas posições.
Trump apresenta um plano de paz, e não um
cessar-fogo. A diferença é essencial. Plano de paz significa um acordo que
venha a impossibilitar uma violência posterior, o emprego das armas para a
resolução de conflitos. Isso quer dizer que as partes beligerantes devem se
reconhecer entre si, abrindo caminho para que causas dos conflitos sejam
extintas, inclusive uma delas sendo a criação de um Estado palestino, com
fronteiras a serem determinadas. Mais especificamente, o Hamas, força
terrorista, deve ser desarmado, seus líderes, exilados, e um governo
tecnocrático deveria, num primeiro momento, tomar o seu lugar. Ora, o Hamas,
seus apoiadores e a esquerda mundial não querem a paz, mas um cessar-fogo. Isso
porque um cessar-fogo deixaria o que resta da estrutura militar do Hamas em
condições de se rearmar. Um mero cessar-fogo, aparentemente, tem um contorno
“humanitário”, quando mais não faz do que preparar outros sacrifícios futuros
dos palestinos, que permaneceriam sob o jugo do Hamas.
O Hamas e outros grupos palestinos, além de seus sustentáculos na opinião pública mundial, têm um único objetivo: a destruição do Estado de Israel. Aliás, não escondem isso, algo que consta da declaração fundadora dessa entidade terrorista. A esquerda mundial, de perfil antissemita, apregoa o slogan “from the river to the sea, Palestine will be free”. Salta aos olhos – salvo para os que não querem ver – que não há aí nenhum espaço para o Estado de Israel. Potência “ocupante”, como tão alardeado, significa a ocupação do território desse Estado, independentemente de suas fronteiras, pois não haveria nenhuma. Contudo, a defesa do “cessar-fogo” não apresenta nenhuma novidade.
Assim foi nas guerras de 1967, dos Seis Dias,
e em 1973, do Yom Kippur, quando a ONU, os EUA e os países ocidentais impediram
Israel de seguir adiante, preservando os países árabes derrotados.
Historicamente, jamais foi questão de reconhecimento da existência de Israel,
nem de criação de um Estado palestino ao lado do judaico. De 1948 a 1967, não
criaram um Estado nos territórios que controlavam – na época Cisjordânia,
Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza. Os Acordos de Oslo foram bombardeados pelos
terroristas, com apoio velado de Yasser Arafat. As propostas de paz de Ehud
Barak em 2000, para Arafat, e de Ehud Olmert em 2008, para Mahmoud Abbas,
praticamente entregando os territórios anteriores à guerra de 1967, foram
simplesmente ignoradas.
Contudo, o quadro mudou. O Hamas foi
obrigado, pela pressão dos americanos e árabes, a reconhecer que foi
militarmente derrotado, embora tenha ganhado a batalha das narrativas, até
agora, graças à esquerda internacional. Não tendo mais condições de resistir,
almeja, então, uma rendição parcial, procurando manter sua relevância política.
Procurará, contudo, apresentar seu recuo como um modo de conquista, apesar de
ter perdido a sua força militar. Nesses dois anos, conseguiu apagar que ele é a
verdadeira causa do confronto, e não Israel, vítima do ataque.
Deve-se, porém, manter a máxima cautela,
porque o Hamas soube atuar midiaticamente na tergiversação e na procrastinação.
Foi seu modo de conduta: “Sim, mas”. Em todas as negociações, dizia concordar
com anteriores propostas para logo pretender correções ditas “menores”, que
inviabilizavam o próprio acordo. Uma vez os reféns libertados, sua margem de
manobra será, todavia, muito reduzida. O caminho estará aberto para uma paz
duradoura, tendo o seu maior obstáculo sido levantado. E a extrema direita
religiosa israelense, por sua vez, será igualmente obrigada a recuar.
E o que fez o presidente Lula diante deste novo cenário geopolítico? Calou-se, por não ter nada a dizer. O campeão da paz desconsidera a paz pretendida, posicionando-se, por via de consequência, como partidário da violência. Não tem, apesar de sua verborragia, nenhuma preocupação com os palestinos, que, livres da dominação terrorista, poderão se dedicar à reconstrução de sua vida, ao bem-estar dos seus, não mais servindo como “escudos humanos”. Talvez diga algo sensato ainda, quando mais não seja para guardar as aparências. O disfarce humanitário, porém, caiu.
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