segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Incentivos para quem não precisa do Estado. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Revisão de gastos tributários é necessária não apenas pelos ganhos fiscais, mas para aprimorar políticas de incentivos

O sistema financeiro brasileiro está em polvorosa - e não apenas pelo enroladíssimo Banco Master ou pelas investigações indicando que o PCC está infiltrado na Faria Lima. Fintechs e bancos 100% digitais vêm abocanhando fatias expressivas de um negócio antes dominado pelos bancos tradicionais, públicos e privados.

De acordo com o Relatório de Economia Bancária do Banco Central, o número de clientes ativos no sistema bancário passou de 77 milhões em junho de 2018 para 152 milhões em dezembro de 2023 (dado mais recente). Nesse período, a participação de mercado dos cinco maiores bancos (Caixa, Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander) foi reduzida de mais de 60% para menos de 45% do total. Enquanto isso, surfando na tecnologia e no pix, instituições como Nubank, PicPay, MercadoPago, Inter, PagSeguro e outros bancos digitais saíram do zero para deter mais de 35% do mercado.

Essa pressão competitiva sentida pelos bancões tradicionais gerou uma guerra nos negócios e nos bastidores. Na semana passada, a Febraban divulgou estudo da consultoria Oliver Wyman demonstrando que a concorrência trazida pelas fintechs não foi capaz de reduzir o custo de crédito no país. “Esses benefícios ainda não chegaram, em termos de preços, de juros cobrados. Os incentivos regulatórios [para as fintechs] precisam resultar em benefícios para o consumidor”, declarou o presidente da Febraban, Isaac Sidney, para o repórter Álvaro Campos, na edição de 29/09 do Valor.

A queixa da Febraban, entidade dominada pelos grandes bancos, mira o Banco Central, que optou por exigir regras prudenciais mais flexíveis para bancos digitais visando, assim, a promover uma maior concorrência na oferta de crédito e no provimento de serviços bancários.

Acontece que há um outro conjunto de incentivos, de natureza tributária, que sangra o orçamento público e enche os cofres não apenas das fintechs, mas principalmente dos bancos tradicionais, em nome da inovação tecnológica.

Um dos maiores méritos da gestão de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda foi obrigar as empresas a declararem ao Fisco o montante dos benefícios tributários que usufruem. A Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades (Dirbi) tornou-se obrigatória em 2024 e tem revelado que o governo abre mão de muito mais recursos do que a própria Receita Federal imaginava. Conforme os dados atuais, o montante de benesses tributárias pode superar R$ 800 bilhões em 2025, e não os já assombrosos R$ 550 bilhões previstos na legislação orçamentária.

A maior parte desses benefícios é concedida sob a justificativa de se alcançar algum objetivo meritório. A inovação tecnológica é um deles. Dos 88 programas hoje abarcados pela Dirbi, 13 se relacionam a projetos de tecnologia, de informática a patentes e cultivares. No acumulado de 12 meses até fevereiro deste ano, o governo deixou de arrecadar R$ 15,5 bilhões em impostos e contribuições atrelados a atividades de inovação.

A grande surpresa revelada pela Dirbi é que boa parte dos incentivos para inovação vem sendo utilizada por bancos. Instituições financeiras são responsáveis por 28,3% de todo o volume de benefícios para desenvolvimento tecnológico no Brasil, muito à frente da indústria farmacêutica (8%) e automobilística (7,6%), que vêm em seguida.

Quando olhamos o ranking das empresas beneficiadas, o pódio é dominado por três instituições financeiras. Bradesco, Porto Seguro e PagSeguro deixam de pagar, juntos, mais de R$ 2 bilhões em impostos a título de inovação por ano - valores bastante superiores aos apropriados por gigantes industriais como Stellantis e Embraer.

Não há dúvidas de que a revolução tecnológica observada no setor financeiro trouxe vantagens para clientes e mesmo para o país. A grande pergunta é se o Estado brasileiro precisa dar R$ 4,4 bilhões por ano para que bancões e fintechs desenvolvam tecnologias que certamente seriam adotadas sem apoio do governo, movidas simplesmente pela acirrada concorrência vigente no setor.

Rever os R$ 800 bilhões de gastos tributários é necessário não apenas para aliviar nossa grave situação fiscal, mas para que os incentivos governamentais sejam direcionados para quem precise e de acordo com os interesses estratégicos do país.

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