sábado, 11 de outubro de 2025

Confiar e desconfiar. Por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

São muitos os exemplos de governos que foram mantidos por Washington que, de um momento para o outro, desabaram depois de perder a proteção norte-americana

A inesperada mudança de posição do presidente Donald Trump em relação ao Brasil e, especificamente, ao presidente Lula revela o modo de agir da diplomacia norte-americana. Na visão de Washington, a diplomacia é um jogo de pôquer em que o mais forte faz um lance absurdamente elevado para, depois, negociar uma situação mais próxima da realidade. Ainda assim, o jogador tenta ganhar de seu adversário. O governo Trump, com suas tarifas de 10 a 50% contra os vendedores de produtos no mercado interno norte-americano, produziu enorme receita adicional para seus cofres. Quem está pagando a diferença é o consumidor.

A consequência prática dessa ambivalência norte-americana é conhecida pelos latinos há bastante tempo. Não é de boa política confiar no que faz ou diz o Departamento de Estado. São muitos os exemplos de governos que foram mantidos por Washington que, de um momento para o outro, desabaram depois de perder a proteção norte-americana. Na América Central, há dezenas de exemplos, todos baseados no interesse comercial imediato. O mais curioso deles chega a ser exemplar. Fidel Castro desfilou em carro aberto em Nova York logo depois de vencer a revolução em Cuba. Meses depois, o regime cubano foi considerado inimigo dos Estados Unidos, situação que prevalece até hoje.

Marco Rubio, chefe do Departamento de Estado, o que equivale ao nosso ministro de Relações Exteriores, é filho de cubanos exilados. Ele detesta comunistas e tem restrições a latinos de modo geral. Sua família fugiu do ditador Fulgêncio Batista, antes de Fidel e Che Guevara chegarem ao poder. Será o interlocutor dos brasileiros na tentativa de restabelecer as boas relações entre Washington e Brasília. Ele e o ministro Mauro Vieira já se falaram e combinaram encontro em breve. Deverá ser uma conversa pragmática e objetiva. Sem espaço para ideologias. Os brasileiros chegaram a Trump depois do encontro entre presidentes nos bastidores da Assembleia da ONU, mas também como consequência de poderosos lobbies que defenderam a produção brasileira no mercado norte-americano.

Os norte-americanos, políticos e empresários, descobriram que o Brasil tem produto interno bruto superior ao da Rússia, maior renda per capita e população quase o dobro de seu suposto rival. É mais perto e mais fácil fazer negócios com os brasileiros, donos de uma economia bastante desenvolvida — maior do que a Itália, por exemplo —, do que se aventurar na distante e fria Moscou. O Brasil, que não costuma se aventurar em conquistas militares, tem uma história de 201 anos de boas relações com os Estados Unidos. Destruir esse bom relacionamento não faz qualquer sentido. O melhor é negociar e conseguir bons resultados por intermédio do diálogo.

Os filhos do capitão que conspiraram dentro e fora do país para derrubar o governo e instalar uma ditadura — tantas vezes reivindicada em praça pública pelas suas lideranças — descobriram que o Brasil não é uma Uganda qualquer, na magistral definição do saudoso Ulysses Guimarães. O país tem história e dificilmente um general iria bater continência para um capitão. Mas ninguém perdoa o crime de lesa-pátria. Ou aquele que se vende ao interesse do estrangeiro mesmo prejudicando os nacionais. Os traidores na Europa, ao fim da Segunda Guerra, foram fuzilados. As mulheres que se amancebaram com nazistas tiveram que desfilar em praça pública com a cabeça raspada, carregando um cartaz pendurado no pescoço que dizia: colaboradora. Sem prejuízo de posterior julgamento.

Essa marca é indelével. Não sai. Acompanha o traidor por toda sua existência. Por essa razão, os espiões têm vida curta. Depois de descobertos, não conseguem reverter a uma vida normal. O acidente eleitoral que levou Bolsonaro ao poder não deve se repetir tão cedo, nesta geração. O equívoco do eleitor foi grande demais e doloroso. O Brasil perdeu tempo e muitas vidas na pandemia, que o presidente classificou de gripezinha. Como a vida de traidor não tem valor, as eventuais ações dos Bolsonaros no exterior deverão ter menor influência a cada dia. O governo Trump é movido por interesses comerciais. Quem o atrapalha nesta caminhada é colocado à margem.

Desde o ano I até 1820, as duas maiores economias do planeta foram as da China e da Índia. Somente nos últimos 200 anos, os países da Europa superaram os asiáticos, seguidos dos Estados Unidos. Portanto, é razoável e até natural enxergar o retorno de China e de Índia a uma posição de destaque entre as nações mais desenvolvidas. O governo Trump luta para impedir o restabelecimento da antiga hegemonia. Por essa razão, comporta-se como um subdesenvolvido que impõe barreiras tarifárias e busca substituição de importações. Os brasileiros já perceberam que o futuro está no Pacífico. Os americanos, naturalmente, não concordam com esse diagnóstico.

 

Nenhum comentário: