sábado, 11 de outubro de 2025

Dois rochedos no caminho. Por Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Finalmente, ao menos por algum tempo, um sopro de vida percorre as sociedades israelense e palestina

Netanyahu transformou o veto a um Estado Palestino na sua razão política de existir

As bombas já não caem sobre Gaza. Reféns israelenses e prisioneiros palestinos, todos alquebrados, retornam a suas famílias. Triunfou a primeira etapa do plano de paz de Trump, mas a paz segue distante. No mapa sinuoso que conduz a ela, destacam-se dois rochedos íngremes. O primeiro, que já se avista, é a exigência de deposição das armas do Hamas. O segundo, lá longe, no fim do caminho, é o acordo de autodeterminação estatal palestina.

O cessar-fogo com intercâmbio de cativos assinala uma dupla derrota, de Netanyahu e do Hamas. Trump forçou Netanyahu a renunciar à limpeza étnica e à anexação da Faixa de Gaza, programa maximalista de seus ministros extremistas que tornou-se objetivo explícito de seu governo criminoso. A Turquia, o Qatar, o Egito e os demais países árabes engajados no plano impuseram aos líderes exilados do Hamas a decisão de entregar os reféns, que funcionavam como trunfo derradeiro dos líderes terroristas em Gaza. Finalmente, ao menos por algum tempo, um sopro de vida percorre as sociedades israelense e palestina.

A celebração tem fôlego curto. O passo seguinte envolve o desarmamento do Hamas, em troca de paulatinas retiradas israelenses até um "perímetro de segurança" na borda da Faixa de Gaza. A bola fica no campo da organização fundamentalista, pois as armas converteram-se na sua fonte remanescente de influência política.

O Hamas suplantou o Fatah de Mahmoud Abbas nas eleições ao conselho de governo autônomo de Gaza, em 2005. Hoje, porém, os palestinos desprezam igualmente as duas facções. A catástrofe provocada pelos atentados do 7 de Outubro suprimiu o que restava da legitimidade do Hamas. Sem as armas, que juraram conservar até a proclamação de um Estado Palestino, os fundamentalistas experimentarão inexorável declínio.

O plano prevê anistia aos combatentes que depuserem as armas ou a alternativa do exílio. Difícil imaginar que o Hamas aceite qualquer dessas hipóteses. De qualquer modo, restariam fragmentos rejeicionistas armados, o que fornecerá álibis a Netanyahu e seus extremistas para retomar o programa genocida. A saída, que depende de Trump e dos países árabes, encontra-se numa força internacional de estabilização disposta a eliminar as milícias restantes.

No intercâmbio de reféns por prisioneiros, Netanyahu resistiu à libertação de Marwan Barghouti, que apodrece num calabouço desde 2002. Há pouco, num espetáculo de covardia, o ministro extremista Itamar Ben-Gvir assediou Barghouti em sua cela e publicou um vídeo do ato sórdido. O pretexto para resistir à soltura do único líder palestino que conta com amplo apoio popular é a controversa condenação por sua suposta responsabilidade em atos de terror. O motivo verdadeiro é a férrea fidelidade de Barghouti ao princípio da paz em dois Estados.

O rochedo do fim do caminho chama-se Estado Palestino. Uma Autoridade Palestina liderada por Barghouti teria suficiente legitimidade política para negociar as dolorosas concessões indispensáveis à paz. Mas, contrariando as promessas de seus predecessores de direita ou esquerda, Netanyahu transformou o veto a um Estado Palestino na sua razão política de existir.

O plano de Trump nunca teria saído do papel sem a luz no fim do caminho. Terá o presidente americano a persistência e a clareza para impor a paz a Netanyahu?

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