CartaCapital
A virada política da justiça tributária
Nos últimos meses, algo se moveu na política brasileira. E, pela primeira vez em muito tempo, foi para cima. O presidente Lula voltou a crescer em popularidade, não apenas por causa de Donald Trump ou porque o vento mudou, mas porque aprendeu a soprar na direção certa. O segredo? Misturar justiça tributária com um toque de dramaturgia política. Deixar claro quem paga a conta e quem finalmente vai respirar aliviado.
A isenção do Imposto de Renda para quem ganha
até 5 mil reais e a taxação dos super-ricos formam uma dupla imbatível. Mais do
que medidas econômicas, são gestos simbólicos. De um lado, o trabalhador
formal, que viveu anos engolindo o discurso de que “todo mundo precisa apertar
o cinto”. Do outro, os donos dos cintos – fundos exclusivos, offshores e
bilionários –, que nunca souberam o que é fim de mês. O governo conseguiu falar
a língua do bolso e da alma, deu um pequeno alívio financeiro e, de quebra,
ofereceu uma sensação rara de justiça.
Essa combinação ganhou força porque veio no
momento certo. Depois de anos de tensão, qualquer sinal de reorganização –
ainda que discreta – é percebido como fôlego. Se políticas públicas são
remédios, o que Lula aplicou foi um analgésico que também cura a autoestima. O
brasileiro quer acreditar que o País está se endireitando e o governo,
finalmente, parece ter entendido que política se faz com números, mas se vence
com narrativa.
E que narrativa. Ao criar um antagonista
claro – os bancos, as bets e os bilionários –, o Planalto construiu o que todo
roteirista de novela sonha, o vilão perfeito. Quem defende os interesses dos
muito ricos passa a soar antipático, quem protege os de baixo ganha
protagonismo. O jogo é simples, mas eficiente. A oposição, dividida entre o
ideológico e o pragmático, se vê sem enredo. Falar contra a isenção do IR é
impopular, atacar a taxação dos super-ricos, pior ainda.
Eis aí a beleza política do movimento. O
governo conseguiu unir economia e emoção, estatística e sentimento. No país da
desigualdade, redistribuir parte da carga tributária é mais do que um ato
fiscal, é uma espécie de catarse coletiva. O brasileiro, cansado de ver “os de
cima” sempre escapando, reconheceu no gesto uma inversão simbólica de papéis.
Pela primeira vez em muito tempo, o Estado pareceu agir com o senso de justiça
que faltava no cotidiano.
O acaso também ajudou. As tarifas impostas
pelos Estados Unidos, longe de ser um desastre diplomático, viraram instrumento
de coesão interna. Lula, ao reagir, vestiu o figurino de defensor da soberania
nacional. A cena foi clara: o Brasil contra a prepotência estrangeira. A
oposição, encurralada, hesitou entre seguir Trump ou defender o agronegócio e
acabou tropeçando nos próprios argumentos.
As pesquisas captaram o movimento. O apoio ao
governo cresceu justamente entre os trabalhadores formais e a classe média
baixa, exatamente o público que sentiu o benefício da nova tabela do Imposto de
Renda. Também subiu a aprovação entre aqueles que veem na defesa da indústria
nacional um gesto de coragem. Não é uma virada de maré, mas uma corrente firme.
A popularidade de Lula deixou de cair e começou, lentamente, a subir degrau por
degrau.
Há um ensinamento valioso nesse processo:
política não é apenas sobre o que se faz, mas sobre o que se simboliza. O
brasileiro pode não saber o que é offshore, mas sabe o que é injustiça. E
quando o governo coloca o dedo nessa ferida, acerta o coração da maioria. O
risco, claro, é confundir narrativa com milagre. Se o benefício não se traduzir
em melhora real da vida, o encanto passa. O desafio agora é manter a chama
acesa, transformar alívio em esperança, esperança em confiança.
Lula reencontrou seu papel: o do líder que
conversa com o povo olhando no olho, que defende o prato de feijão contra o
banquete daqueles que já estão fartos. Em um país cansado de gritos, ele voltou
a ser ouvido porque, desta vez, falou do que realmente importa: o bolso, o
orgulho e o pertencimento.
Se continuar nessa toada, talvez o Brasil
descubra que, na política, justiça social ainda é a narrativa mais popular de
todas. •
Publicado na edição n° 1383 de CartaCapital, em 15 de outubro de 2025.
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