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Real forte, inflação sob controle e melhora
da distribuição de renda pavimentam o caminho de Lula
Entre sinais de desaceleração e dificuldades nos principais setores, a economia não terá tempo de se beneficiar de modo pleno de uma provável redução dos juros antes da próxima eleição presidencial, mas o aumento do poder aquisitivo desencadeado com a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais, em fase final de aprovação no Congresso, o real valorizado e a dinâmica característica dos períodos eleitorais deverão garantir um quarto ano de crescimento ao governo Lula III, apontam economistas. Obrigado a concentrar energias na defesa da democracia e contra o cerco do mercado e do Congresso, o presidente encerrará o ano, entretanto, sem a definição de uma estratégia clara de política econômica.
A indústria sofreu em setembro a maior
contração em quase dois anos e meio, segundo a pesquisa de setembro do Índice
de Gerentes de Compras (PMI). O setor de serviços sofreu desaceleração pelo
sexto mês consecutivo, em setembro, e o agronegócio amarga com a queda dos
preços das commodities, em especial da soja, há mais de dois anos.
“A indústria é o setor com o pior cenário,
mas o indicador PMI é uma sondagem, não tem um valor estatístico muito
regular”, afirma o economista José Augusto Gaspar Ruas, professor da Facamp.
“Concretamente, temos o dado de agosto do IBGE a indicar crescimento. A
despeito de um ano instável, ainda estamos no campo positivo nos últimos 12
meses.” Mesmo assim, o setor industrial padece, inclusive nos segmentos mais
sofisticados, que são os mais dependentes do crédito, como o automobilístico.
De acordo com Ruas, o gasto público foi a
grande ferramenta usada pelo governo de modo “relativamente hábil” nos últimos
três anos, no choque permanente com o mercado em torno da questão fiscal,
manejada com apertos esporádicos, pequenos aumentos de arrecadação e com
a política monetária em 2025. Esta condução e o tarifaço de
Trump “ajudaram a segurar a inflação”, avalia. A isenção do IR até 5 mil reais
pode dar um impulso significativo ao consumo, da ordem de 0,3% do PIB, segundo
estimativas. No setor de serviços, os dados do IBGE mostram uma redução da
velocidade de crescimento, mas os indicadores ainda são positivos.
O eleitor não deve sentir os efeitos da
desaceleração da economia, mas repara se os preços de alimentos estão em queda,
diz Ruas
O preço da soja no mercado internacional tem
caído nos últimos anos, mas há previsão de recorde de produção que talvez
compense a perda. O que pode afetar um pouco mais o agro é o câmbio, por
reduzir a receita exportadora, mas possibilitará custos menores de insumos
importados.
“Se o governo mantiver o real forte,
conseguirá entregar também preços, inclusive de alimentos, mais baratos, e esse
é o campo em que ele vai jogar. Vai tolerar até um aumento de desemprego e um crescimento econômico mais próximo do
zero no ano que vem, se for necessário, desde que a inflação esteja voltando
para o centro da meta e os preços dos alimentos fiquem controlados. Caso
consiga, no ano de eleição, mostrar que a picanha está mais barata do que
estava quando ele começou, inflação controlada e o desemprego sem elevação
significativa, terá um ativo econômico extraordinário”, destaca o professor.
Alguns analistas, cabe acrescentar, preveem uma cotação do dólar próxima de 5
reais.
Segundo o economista Antonio Corrêa de
Lacerda, professor da PUC de São Paulo, o governo deverá contar ainda com a
queda da taxa de juros. Apesar de seu efeito prático demorar alguns meses, há
um fator psicológico de expectativas, que é imediato e pode puxar o
crescimento. Programas estruturais, como o Nova Indústria Brasil, PAC e Plano
de Transformação Ecológica, deverão continuar com papel relevante para
estimular os investimentos e as atividades privadas. Além disso, destaca
Lacerda, há os bancos públicos, em especial o BNDES, que voltou a exercer papel
relevante na economia. O professor acrescenta o impacto positivo do ciclo das
eleições, que pode contrapor-se à desaceleração em curso.
A economista Luiza Peruffo, professora da
UFRGS, destaca a importância do “cenário internacional de incertezas”, não
apenas quanto às relações com os EUA e seus impactos sobre o comércio
internacional, mas também no sentido mais amplo de uma economia global que dá
sinais de crescente fragmentação. “Esse contexto externo se soma a um cenário
doméstico eleitoral que, por natureza, já tende a elevar o grau de incerteza e
que se torna ainda mais complexo com a polarização política.”
Os desafios são significativos. O governo
Lula pode recorrer a algum tipo de estímulo fiscal para conter a desaceleração,
especialmente considerando o ano eleitoral, mas enfrenta pressões para manter a
disciplina fiscal e preservar a credibilidade. Os dilemas brasileiros refletem,
em parte, uma condição estrutural comum a muitos países em desenvolvimento: a
persistente limitação do espaço fiscal e, de forma mais ampla, da própria
autonomia de política econômica. “Ao mesmo tempo, o País enfrenta os efeitos de
escolhas de longo prazo, como o aumento da dependência das exportações de
commodities, e o perfil de integração nos mercados financeiros globais”, diz a economista.
Sem uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, é pouco provável que
rompa esse ciclo de vulnerabilidade. A ausência de planejamento cobra um preço
elevado.
O governo trava discussões importantes e
tenta passar medidas no Congresso, mas esbarra “na preocupação da oposição, que
não quer cacifar o atual presidente na próxima eleição e trava medidas que
seriam benéficas para a sociedade e a economia”, sublinha a economista Julia
Torracca, professora da UFRJ. Programas mais estruturantes como políticas
industriais e setoriais, de base e construção de capacidade, só dão resultados
mais efetivos a longo prazo. “Ainda que o governo tenha a preocupação de
estabelecer metas para 2026 no âmbito da Nova Indústria Brasil, é mais difícil
observar um retorno em termos de números, no crescimento da produção ou da
fabricação física, nesse prazo”, aponta a professora.
Em setembro, a indústria sofreu a maior
contração em quase dois anos e meio
Um problema importante tem a ver com o combo
juros, crescimento, debate fiscal e inflação. “Há um amálgama em torno desses
termos, na narrativa da imprensa, e uma tensão entre os diferentes agentes
envolvidos nessa discussão”, prossegue Torraca. O que se observa no debate,
diz, é basicamente a necessidade de aumento de juros para enfrentar uma
inflação num período em que o PIB está crescendo acima da expectativa do
mercado. E não se consegue sair desse limbo para tratar de questões
efetivamente orientadoras e direcionadoras de crescimento e de distribuição de
renda.
O arrefecimento na taxa de crescimento já
contém um elemento muito importante de redução dos gastos por parte do governo,
acrescenta a economista, e a pressão por cortes será ainda mais forte em 2026.
O governo já respondeu com aperto fiscal, o que, por um lado, é preocupante
diante da necessidade de uma série de avanços e no momento em que o
investimento público tem uma importância muito grande, não só na geração de
capacidade produtiva, mas para atender às necessidades prementes do País. “Acho
que a resposta tinha de ser outra, a gente deveria estar pensando em como criar
essas oportunidades de crescimento no futuro. E isso se dá por meio de uma
noção de gasto, num pensamento sobre o gasto público”, conclui Torracca.
“Não dá para esperar neste governo uma mudança
estrutural. Não vimos em nenhum momento e não veremos até o final. Não houve
uma política industrial de verdade, só remendos, sem qualquer transformação
significativa”, diz Ruas. “Houve apenas um movimento de reorganização do
Estado, foi isso o que se conseguiu fazer. O governo travou disputas com o
Congresso e o mercado e, diante das condições do jogo, foi bem-sucedido.” •
Publicado na edição n° 1383 de CartaCapital,
em 15 de outubro de 2025.
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