quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Merval Pereira - Visão regressiva

O Globo

Ao afirmar que fez um pacto com seu indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, de que ele abriria toda semana os trabalhos no tribunal com uma oração e de que se encontrariam toda semana para conversar, o presidente Bolsonaro parece querer dificultar ainda mais a aprovação do ex-advogado-geral da União no Senado.

Anunciar que “despachará” semanalmente com um ministro do Supremo é desmerecer o tribunal, embaralhar a separação dos Poderes, rebaixar o Judiciário a um “puxadinho” do Palácio do Planalto. Não se sabe se o outro ministro indicado por Bolsonaro, Nunes Marques, tem esse hábito de “despachar” com o presidente, mas dá para perceber a interferência dele nos votos, quase sempre favoráveis às posições do governo.

Tanto quanto dá para vislumbrar no procurador-geral da República, Augusto Aras, agora reconduzido, uma postura mais que respeitosa ao presidente da República. Basta ver que Aras, em sua sabatina no Senado, fez questão de dizer que não era o PGR da oposição, mas não fez a ressalva quanto à situação.

Quanto às orações semanais no início das sessões do Supremo, André Mendonça prometeu o que não poderá cumprir. Depende do presidente do STF, hoje o ministro Luiz Fux, abrir as sessões. Se alguém tivesse de rezar, seria ele ou outro de seus pares quando presidir as sessões, não um ministro, muito menos o mais novo.

Malu Gaspar - República dos bananas

O Globo

Quando os governadores se reuniram na segunda-feira, a partir de Brasília, um pedido de impeachment do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, enviado ao Senado por Jair Bolsonaro, esperava na gaveta por uma resposta do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em São Paulo, um coronel da ativa, comandante de sete batalhões com 5 mil homens da Polícia Militar em 78 municípios do estado era afastado pelo governador João Doria (PSDB).

Ele se manifestara politicamente, o que é vedado aos militares, atacando o STF e o próprio Doria e insuflando, nas redes sociais, a participação em atos bolsonaristas previstos para 7 de setembro. O risco de ruptura ocupava as mentes de figuras de proa do Judiciário, do Legislativo e até do Executivo. Daí por que o encontro de governadores que previa discutir temas mais práticos, como a reforma tributária, acabou girando em torno das ameaças à democracia feitas por Bolsonaro. Mal se começou a discutir a ideia de uma carta conjunta contra os arroubos golpistas do presidente, a coisa desandou.

O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), apelou para a abertura de um diálogo com o presidente. O mineiro Romeu Zema (Novo) completou:

— (Se) ficar mandando pedra mais uma vez, nós vamos cair nessa vala da polarização de que estamos só seguindo caminhos opostos e cada vez mais distantes.

Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, apoiou. Não adiantou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), apelar, dizendo que “o silêncio pode significar a omissão dos bons” ou mesmo conivência. Nem lembrar que, passado o golpe de 1964, “todos os governadores sofreram, sem exceção, inclusive os que haviam apoiado a ruptura antidemocrática”.

William Waack - Ninguém teme Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

O medo é da tragédia que ele parece empenhado em provocar

De tanto se atormentar com fantasmas, Jair Bolsonaro está conseguindo que eles se tornem realidade. Cristaliza-se em círculos do Judiciário, Congresso e também entre oficiais-generais a ideia de que o arruaceiro institucional precisaria no mínimo ser declarado inelegível. E o caminho seria através dos tribunais superiores.

Esse perigo (não poder disputar as eleições) para Bolsonaro é real, mas não imediato. A “conspiração” não passa, por enquanto, de um desejo amplamente compartilhado nas instâncias mencionadas acima. Generalizou-se nesses círculos de elite política, judicial e militar a convicção de que Bolsonaro provocou um impasse institucional para o qual não há saída aparente, e ele nem parece interessado em buscá-la.

A “conspiração” carece, contudo, de coordenação central e efetiva articulação. Setores do Congresso, do STF e das Forças Armadas estão conversando informalmente, e já se falou no Alto Comando do Exército em atribuir ao comandante dessa arma a missão de “pôr uma coleira” em Bolsonaro. Dois personagens políticos de peso nessa paisagem – os caciques do Centrão Arthur Lira e Ciro Nogueira – têm dito a jornalistas que desistiram disso.

Eugênio Bucci* - A publicidade ilegal do golpe de Estado

O Estado de S. Paulo

A pecúnia se associou ao golpismo criminoso e, em negócio lucrativo, o canal é a propaganda

Devemos garantir a liberdade de expressão aos que falam abertamente em destruir a liberdade de expressão dos demais? A resposta é sim. O espetáculo grotesco desse falatório fanático nos dá náuseas, mas a resposta é sim. Enquanto estamos discutindo ideias e formulando críticas, o debate público se resolve por si e nenhuma vírgula pode ser barrada.

Isto posto, vem a pergunta que de fato interessa: então, quer dizer que um grupo semiclandestino de endinheirados, ignorantes e fascistas, armados de carabinas e de supercomputadores até os dentes repaginados e branqueados, pode fazer publicidade massiva do golpe de Estado? Esse é o debate crucial. A liberdade de imprensa, ou de expressão, não está em discussão aqui.

Essas falanges digitais, rurais e enchapeladas, fardadas ou não, essas milícias que veneram a ditadura, a tortura e a censura costumam se refugiar sob o manto da liberdade, mas isso é apenas cortina de fumaça. Discuti-las pelo prisma da liberdade de imprensa ou de expressão é cair na armadilha que elas armaram – e é um erro de método. Não é de liberdade que se trata. Os indivíduos têm o direito de expressar seu pensamento, mas esses destacamentos são organizações profissionalizadas industriando a implosão da ordem democrática, justamente a ordem que nos garante a liberdade de falar o que nos vai ou vem à cabeça.

Qualquer um pode dizer na imprensa ou na internet o que quiser, e disso não abrimos mão. O nosso desafio, porém, não passa por aí, mas por perceber que a liberdade de expressão e de imprensa não inclui a licença de praticar atos – muito mais do que palavras – que atentem contra os direitos fundamentais dos demais. Não estamos discutindo limites à liberdade de expressão. O que precisamos discutir, isso sim, são os limites que se estabelecem – e precisam se estabelecer – contra atos ilegais que se realizam além da liberdade de expressão.

Luiz Carlos Azedo - Dia de apaziguamento

Correio Braziliense

As atitudes de Bolsonaro contra o Supremo estão fracassando, pois a radicalização provoca estranhamento dos aliados do Centrão e dos políticos moderados

Dia do Soldado, 25 de agosto não foi bom para o presidente Jair Bolsonaro. Pela manhã, participou de solenidade militar na Avenida do Exército, no Setor Militar, em homenagem ao patrono da Força, Duque de Caxias. Ouviu um discurso moderado do comandante do Exército, general Paulo Sérgio, que reafirmou o compromisso da cúpula militar com a Constituição e o respeito aos Três Poderes da República. Bolsonaro decidiu não discursar, embora seu pronunciamento estivesse previsto pelo cerimonial. Não foi nada demais, pois não é mesmo de praxe o presidente da República falar como “comandante supremo” nessa solenidade.

O silêncio de Bolsonaro foi interpretado como um gesto cauteloso, tendo em conta que outras decisões importantes estavam para ocorrer no decorrer do dia. Não deu outra: no final da tarde, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou a ação de Bolsonaro que questionava a abertura de inquéritos na Corte sem aval do Ministério Público, com base no seu regimento interno. A mesma decisão foi aplicada a mais três processos, movidos pelo PTB, sobre o tema. Bolsonaro questionava o artigo no 43 do regimento interno do Supremo, que autoriza o presidente do STF a instaurar inquérito para investigar “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.

Ricardo Noblat - Aumenta a tensão política no país, mas Bolsonaro amarga três nãos

Blog do Noblat / Metrópoles

Um deles foi dado pelo comandante do Exército, na solenidade do Dia do Soldado

O presidente da República, que diz jogar dentro das quatro linhas da Constituição, mas que só tenta alargá-las para sentir-se mais confortável e – quem sabe? – reeleger-se ano que vem, colheu mais três reveses e num único dia.

Dois foram “nãos” diretos, e um indireto. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, recusou o pedido de Bolsonaro para abrir um processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Pacheco arquivou o pedido por falta de fundamentos jurídicos, por não ver razões para tanto, e porque ainda diz acreditar no entendimento entre os Poderes da República. O senador é aspirante a candidato à sucessão de Bolsonaro.

O ministro Edson Fachin, do STF, arquivou ação impetrada pelo presidente para barrar inquéritos abertos pelo Supremo sem ouvir antes o Ministério Público. O tribunal, no ano passado, por unanimidade, deliberou que isso é possível, sim.

O terceiro “não” a Bolsonaro, esse indireto, foi dado pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército, na solenidade em homenagem ao Dia do Soldado. Estava previsto um discurso do presidente, que preferiu cancelá-lo.

O Dia do Soldado coincide com a data de nascimento do marechal Duque de Caxias, o patrono do Exército. O que disse o general Paulo Sérgio está na contramão das falas de Bolsonaro hostis à democracia. Frases do general:

Míriam Leitão - Crise se agrava no setor elétrico

O Globo

A crise no setor de energia se agravou nos últimos dois meses, mas os especialistas já haviam alertado que isso iria acontecer. Ontem o governo convocou a imprensa para anunciar que haverá três programas para redução de consumo. Um para as grandes empresas, um para os consumidores residenciais e outro para os órgãos federais. A coletiva foi marcada pelo improviso e pela falta de informações sobre o funcionamento e os custos dessas medidas. O ministro Bento Albuquerque continua errando na comunicação, ao afirmar que não trabalha com a hipótese de racionamento. Na prática, isso já começa a acontecer para os órgãos federais. O governo está atrasado porque é negacionista também nesse assunto e tem medo da queda da popularidade do presidente Bolsonaro.

Os programas de redução de consumo só foram apresentados agora, no oitavo mês do ano. As empresas dizem que levará tempo até que haja confiança para uma adesão expressiva. Os órgãos federais que descumprirem as metas não serão punidos. E o consumidor residencial não sabe quem pagará pelo seu bônus. O risco é que seja ele mesmo, com aumento de bandeira tarifária. Ganha-se um desconto de um lado, paga-se mais via encargos de outro. Os especialistas são unânimes em afirmar que não há uma campanha de comunicação que mostre a gravidade desta crise elétrica.

Adriana Fernandes - Crise hídrica sem rodeios

O Estado de S. Paulo

O governo precisa com urgência dar a real para a população sobre os riscos de racionamento de energia no País

A crise hídrica no Brasil é gravíssima e o governo precisa com urgência “dar a real” para a população sobre os riscos de racionamento de energia no País.

O Palácio do Planalto tem feito, no entanto, o contrário ao dar ordens para segurar a comunicação da crise para a população, seguindo o modus operandi no enfrentamento da pandemia da covid-19: o negacionismo do tamanho da encrenca. O governo atravanca a transparência necessária em um momento tão delicado para a economia, que combina alta de preços e risco de crise energética.

Há dois meses, o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, pediu, durante pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, a “colaboração” da população para economizar energia e água devido à crise hídrica.

Na época, termos como racionamento e racionalização compulsória de energia foram proibidos de serem utilizados no governo depois que o Estadão/broadcast antecipou o texto de uma minuta de medida provisória (MP) que previa a adoção desse tipo de medida.

José Serra* - A constitucionalização das pedaladas

O Estado de S. Paulo

PEC 23 é uma ofensa aos princípios e regras fundamentais do arcabouço fiscal

As eleições presidenciais no Brasil costumam atrair governantes para o tentador caminho das pedaladas fiscais. Foi assim em 2014, quando lideranças do Poder Executivo produziram resultados fiscais fictícios com a intenção de angariar votos, mostrando à sociedade um retrato falso de contas públicas sob controle. O recente pacote de alterações constitucionais apresentado pelo governo lembra as manobras criativas adotadas naquele período para distorcer a situação fiscal do País. Só que desta vez os truques se escondem nas estranhas de uma proposta de emenda constitucional (PEC).

As pedaladas fiscais ficaram famosas no processo de impeachment da presidente Dilma. Pode-se dizer que se referem a atos ilegais praticados pelo Executivo em função de dois objetivos: driblar regras de controle das contas públicas e apresentar um resultado fiscal melhor do que o real. Entre 2012 e 2016, de fato, as projeções econômicas e fiscais do governo federal foram ficando cada vez mais descoladas da realidade, revelando uma gestão fiscal pouco transparente e despreocupada com a solidez das contas públicas.

Já é sabido também que, em períodos de eleição, os governantes e os políticos revelam preferência por políticas públicas que aumentam suas chances de reeleição, deixando de lado preocupações sobre a sustentabilidade fiscal dos programas governamentais. O resultado costuma ser devastador: corrosão da credibilidade da política fiscal e alta na taxa de juros cobrada para financiar o governo, combinadas com crise institucional, social e econômica.

Desta vez, o Poder Executivo parece querer apostar na estratégia das pedaladas fiscais para vencer as eleições em 2022. Pelo menos passou essa impressão ao encaminhar ao Congresso a PEC n.º 23, basicamente alterando dispositivos constitucionais que tratam do regime de pagamento de precatórios e do processo orçamentário. Precatórios, para quem não conhece, são uma espécie de título emitido pelo governo para saldar uma dívida que nasce de uma sentença judicial. Em outras palavras, uma pessoa – física ou jurídica – ganha na Justiça o direito de receber uma quantia do governo, que, por sua vez, emite um precatório em favor dessa pessoa para assegurar o compromisso de pagamento dentro de um prazo exequível.

Vinicius Torres Freire - Vacina ainda funciona bem em SP

Folha de S. Paulo

Ainda não há sinal de redução de eficácia para quem foi totalmente vacinado

As pessoas totalmente vacinadas contra a Covid-19 morrem bem menos do que aquelas que tomaram apenas uma dose ou nenhuma. É difícil ver nos números a perda de eficácia da imunização, o assunto da moda (pelo menos por enquanto, a julgar pelos dados do estado de São Paulo até a semana encerrada na sexta, dia 20).

Essas informações não bastam para dizer algo decisivo sobre a discussão da terceira dose, mas colocam uns grãos de sal nessa querela, ainda mais em um país que até agora vacinou apenas 27% da população (34%, no caso paulista). A OMS diz que ainda é cedo para dar o reforço quando tanta gente não foi imunizada.

Em São Paulo, o número de mortos por Covid-19 entre as pessoas de 60 anos ou mais nas semanas de agosto é cerca de 17% MENOR do que o registrado na semana encerrada em 12 de fevereiro deste 2021. Na faixa dos 50, quase 60% MAIOR. Mais de 95% das pessoas com 60 anos ou mais foi totalmente vacinada (duas doses ou dose única da Janssen). Entre as pessoas da casa dos 50 anos, 60% foram totalmente vacinados. Para os mais jovens, ainda menos imunizados, o número de mortes é de duas a quatro vezes maior do que em fevereiro.

Bruno Boghossian – Um golpista em cada esquina

Folha de S. Paulo

Bolsonaro pode não conseguir golpe organizado, mas prepara terreno para agitadores

Às vésperas das eleições de 2018, um juiz de primeira instância em Goiás preparou uma ordem para que o Exército recolhesse urnas eletrônicas pouco antes da votação para uma perícia. A ideia era assinar a decisão na sexta-feira anterior ao primeiro turno e tumultuar o processo.

O plano não deu certo porque os militares denunciaram a trama. A Advocacia-Geral da União descobriu que o juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas havia gravado um vídeo com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL) questionando a segurança do sistema de votação. O órgão apontou que aquela conduta era inadequada e pediu o afastamento do magistrado.

O clã bolsonarista prepara o terreno para o surgimento de novos Cubas e outros agitadores nas próximas eleições. As mentiras do presidente já ajudaram a inflar a desconfiança de parte da população sobre as urnas eletrônicas. Em 2022, esse sentimento pode mover juízes com canetas alucinadas, policiais responsáveis pela segurança dos locais de votação e eleitores alvoroçados.

Ruy Castro - O Sete de Setembro de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Um apanhado parcial do que ele terá a comemorar, capaz de lhe render 300 anos de cadeia

O Brasil de Jair Bolsonaro terá muito a comemorar a sete de setembro: pobreza, corrupção, violência, crime organizado, tráfico de drogas, racismo, homofobia, feminicídios, massacres de indígenas, ocupação de terras demarcadas, desmatamento, queimadas, destruição da natureza, desprezo pelo patrimônio histórico, políticos repulsivos, pastores evangélicos idem e uma certeza geral de impunidade. Sim, são males seculares, endógenos, do Brasil. Apenas, ultimamente, pioraram muito.

Mas há outros intransferíveis, exclusivos do governo Bolsonaro: negacionismo, 600 mil mortes pela pandemia, absoluta falta de compaixão, estímulo ao contágio, sabotagem das medidas de prevenção, venda criminosa de remédios inócuos, falta de programa para o controle da doença e, ao contrário, campanha nacional contra a vacina e a máscara —seguida da descoberta de que a compra de vacinas poderia, quem diria, enriquecer aliados, empresários, políticos, atravessadores e coronéis. Isso só no quesito saúde.

Maria Hermínia Tavares* - Nacionalismo embolorado

Folha de S. Paulo

Os nacionalistas raiz abominam o pluralismo político das sociedades contemporâneas

Em recente entrevista, o ex-ministro da Defesa e ex-presidente da Câmara dos Deputados Aldo Rebelo (sem partido) pregou, em tom de candidato ao Planalto, a necessidade de unificar o país em torno da retomada do desenvolvimento, do combate à desigualdade e da valorização de democracia.

Até aí tudo bem —e nada de novo. Só que o antigo quadro do PCdoB contrapôs a essa plataforma progressista o que se chama hoje em dia agenda identitária, para maldizer aquelas que seriam as principais inimigas do país: as ONGs ambientalistas. A seu, digamos, juízo, elas manipulam os povos indígenas em benefício de interesses internacionais que cobiçam as riquezas da Amazônia.
Vindo da esquerda pura e dura que admirava a tirania comunista da Albânia, Rebelo é um desbragado nacionalista.

Cristiano Romero - 2022 repetirá 2002?

Valor Econômico

Brasil não é para principiantes, dizia Tom Jobim

Frasista incorrigível, Antônio Carlos Jobim disse certa vez que “o Brasil não é para principiantes”. Um dos maiores compositores da música popular brasileira, Jobim foi perseguido durante sua majestosa carreira por críticos de música, que, equivocadamente, classificaram a bossa nova como uma mímese do jazz americano. O que esses cidadãos, principalmente os nacionalistas, não perceberam é que, na verdade, quem tem a mente “colonizada” são eles _ não há nada mais cafona neste país do que atribuir valor às coisas somente depois de elas serem reconhecidas como importantes no exterior, pela “metrópole” (no caso, os Estados Unidos ou a Europa).

Quem inventou a bossa nova não foi Jobim, mas João Gilberto, baiano de Juazeiro, cidade do semi-árido nordestino. O raciocínio cretino, eivado de desinformação, ainda é o seguinte: “Como um sujeito nascido e criado no Nordeste pode ter criado um gênero musical tão belo, tão ‘cool’, sem ter bebido na fonte do jazz?”. O jazz, possivelmente, foi e é a maior contribuição cultural dos Estados Unidos para a humanidade, mas, o fato é que João Gilberto já tocava seu violão com a originalíssima batida do que depois foi chamado de bossa nova muito antes de tomar conhecimento do impressionante universo jazzístico _ este é um tema para outra conversa, que virá.

Maria Cristina Fernandes - O suor dos deixa-disso

Valor Econômico

Da turma do deixa-disso, o mais bem sucedido foi o comandante do Exército

Foi o dia do deixa disso. A começar pelo discurso conciliador do comandante do Exército no dia do soldado, cerimônia na qual o presidente da República ficou calado como um poeta. O general Paulo Sérgio de Oliveira valeu-se da saudação a Duque de Caxias para mostrar por que é considerado o mais legalista dos três comandantes. Lembrou que o patrono do Exército foi senador e presidente do Conselho de Ministros e resolveu enaltecê-lo pelas qualidades que faltam ao comandante supremo: “Conciliação, superação de posições antagônicas e, sobretudo, pela prevalência da legalidade, da justiça e do respeito a todos”.

A risca de giz foi traçada no mesmo dia em que a decantada unidade do Judiciário foi trincada por João Otávio de Noronha, o ministro do STJ que transmite aos filhos o legado de sua proximidade com o presidente Jair Bolsonaro. Cinco dias depois de a Corte ter autorizado a retomada do inquérito das rachadinhas, que envolve o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Noronha voltou a suspendê-lo. A decisão afasta, temporariamente, o senador da linha de tiro, o que não acontece com seu irmão do meio, Carlos Bolsonaro.

Vera Magalhães - Pacheco age para esvaziar o Sete de Setembro

O Globo

Rodrigo Pacheco não precisaria rejeitar agora o pedido de impeachment apresentado por Jair Bolsonaro contra Alexandre de Moraes.

Poderia fazer como fez com pedidos anteriores endereçados a integrantes da mais Alta Corte da Justiça: ignorado, deixado no escaninho.

Mas ele decidiu arquivar de forma inequívoca e quase sumária um pedido pelo qual Bolsonaro se empenhou pessoalmente. Por quê?

Porque quer esvaziar os atos golpistas do Sete de Setembro. Principalmente a bizarra possibilidade, que deixou o terreno do absurdo para se tornar uma ameaça concreta, de tentativas de invasão dos prédios do Congresso e do Supremo.

O presidente do Senado manda um recado inequívoco a Bolsonaro: chega de brincadeira com a democracia, presidente. 

Para alguém que fosse minimamente equilibrado e razoável, as declarações dadas ao longo das quase duas semanas desde que ameaçou o pedido de impeachment de dois ministros do Supremo bastariam para Bolsonaro ter desistido.

O Que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O diálogo e o conflito

O Estado de S. Paulo

Consolida-se a percepção de que os graves e urgentes problemas do País não estão sendo enfrentados. O Poder Executivo federal não apenas não trabalha para resolvê-los, como o seu chefe parece disposto a criar novos problemas e novas confusões. Há urgência por um mínimo de coordenação e de estabilidade, mas até aqui todas as tentativas de maior sintonia institucional falharam miseravelmente.

No início do mês, foi marcada uma reunião entre os chefes dos Três Poderes. Depois de sucessivos ataques do presidente Jair Bolsonaro a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte cancelou a reunião. “O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte (...). Além disso, mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário (do STF), bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro”, disse Luiz Fux.

Na semana passada, houve nova rodada de conversas. Na quarta-feira, o presidente do STF reuniu-se com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para “debater a democracia e a importância do diálogo entre os Poderes”. No mesmo dia, Fux recebeu o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que pediu a remarcação da reunião entre os chefes dos Poderes. O presidente do Supremo disse que iria reavaliar a questão.

Apesar de todo esse esforço, não há reunião produtiva – não há diálogo possível – enquanto Jair Bolsonaro continuar fazendo ameaças, proferindo ataques e difundindo insinuações. E, até agora, não há nenhum indicativo de que o presidente da República vai mudar de atitude. Todas as evidências apontam no sentido de que Jair Bolsonaro é incapaz de se comportar dentro dos limites de um Estado Democrático de Direito, com separação e independência dos Poderes.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O Cão sem plumas (trecho)’

“A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.

O rio ora lembrava

a língua mansa de um cão

ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.

Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.

Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.

Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes”.

Música | Simone - Na minha veia

 

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Vera Magalhães - Suave para Aras, não tanto para Jair

O Globo

Em que medida o passeio no bosque que foi a votação da recondução de Augusto Aras à Procuradoria Geral da República, nesta terça-feira, melhora o ambiente do Senado para Jair Bolsonaro?

Aras foi bem-sucedido ao conseguir descolar sua sabatina e votação em plenário do processo idêntico para a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal. Costurou isso laboriosamente, alertando senadores e integrantes do governo para a possibilidade de que, caso a recondução tardasse, poderia haver vacância da Procuradoria-Geral da República, com a ocupação de sua cadeira por alguém que poderia mudar os rumos da gestão atual.

E é essa nova cara do Ministério Público Federal que explica a extrema facilidade que Aras encontrou, simbolizada à perfeição pelo ridículo comitê de boas vindas armado pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre, com senadores de todos os partidos para, vejam só! -  recepcionar o sabatinado e conduzi-lo à comissão. Como esperar alguma dificuldade a partir de tão ridículo salamaleque?

Aras conseguiu o milagre de obter um apoio suprapartidário no momento mais radicalizado da polarização política do Brasil. O segredo do sucesso é justamente a desarticulação que promoveu, ao longo de dois anos, do aparato de investigação do MPF e de fiscalização da atividade dos políticos.

Sob o discurso conveniente de que combateu a “criminalização da política” promovida pelos antecessores, Aras falou o que os senadores do PT a Bolsonaro queriam ouvir. Uma coisa é combater excessos, que houve de fato, nos períodos anteriores, sobretudo sob o instável Rodrigo Janot. 

Outra é mudar a própria natureza do que a Constituição preceitua no artigo 127 como atribuições do Ministério Público, entre as quais se destaca, como síntese, a de defesa do estado democrático de direito.

No momento em que essa democracia é mais vilipendiada, Aras se omite, e os senadores assentem com essa omissão ao reconduzi-lo sem sequer admoestá-lo.

Bernardo Mello Franco - A miopia da oposição

O Globo

O ex-presidente Lula anunciou: se for eleito em 2022, vai indicar um procurador-geral da República escolhido na lista tríplice. “Eu não quero um amigo meu. Eu quero uma pessoa em que a sociedade possa ter confiança”, disse, em entrevista à CBN Santa Catarina. “Senão, você avacalha as instituições. Você avacalha a democracia”, acrescentou.

Se a promessa feita há duas semanas era verdadeira, o ex-presidente deveria ter atuado contra a recondução de Augusto Aras. Ontem seu partido fez o contrário no Senado. O petista Rogério Carvalho chegou a participar do trenzinho de boas-vindas que conduziu o procurador à Comissão de Constituição e Justiça.

O boicote à lista tríplice é o menor dos defeitos de Aras. O procurador usa o cargo como escudo para proteger Jair Bolsonaro do alcance da lei. Comporta-se como advogado do presidente, não como chefe do Ministério Público Federal. Sua omissão serve de licença à escalada autoritária do governo.

Elio Gaspari - As PMs são uma questão militar

O Globo / Folha de S. Paulo

É ali que mora a encrenca

O ministro da Defesa, general Braga Netto, sabe melhor que ninguém o que está acontecendo em algumas Polícias Militares. Em 2018, ele comandou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Enxugou gelo, mas sentiu a temperatura. Um episódio, ocorrido no 18º BPM (Jacarepaguá), ilustra o que acontecia.

Um general do Exército foi inspecionar o quartel e, para recebê-lo, havia uma guarda formada por 20 soldados. O coronel comandante ordenou que dessem continência ao general, e uma parte da tropa fez que não ouviu. Teve de repetir: “Todo mundo”. Só então foi obedecido.

O governador de São Paulo acaba de tirar o comando de um coronel da PM que convidou os “amigos” para a manifestação de apoio a Jair Bolsonaro no Sete de Setembro. Em manifestações anteriores, ele já havia chamado o presidente do Senado de “covarde”.

Motins de PMs entraram na vida nacional há poucas décadas. Desde 2012, foram pelo menos seis e, em quatro casos, foi necessária a intervenção da tropa do Exército.

Como general, Braga Netto conhece a relação funcional e auxiliar das Polícias Militares com as Forças Armadas. Como interventor no Rio, sabe quase tudo. Como ministro do governo de Bolsonaro, conhece os projetos que tramitam no Congresso dando autonomia administrativa às PMs. Conhece até mesmo o dispositivo que cria patentes de general nessas corporações. Isso para não mencionar a familiaridade de Bolsonaro com cerimônias de policiais militares. Em 2018, ainda candidato, visitou o Batalhão de Operações Especiais do Rio e saudou a tropa com o grito de “caveira”.

Luiz Carlos Azedo - A violência à espreita

Correio Braziliense

Um breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos

A Política como Vocação, do sociólogo alemão Max Weber, em 1918, na Universidade de Munique, publicada em livro no ano seguinte, é um clássico da ciência política e obra de referência para os jornalistas, cuja atividade é inseparável da política. Ele dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.

“A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra aparentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”. Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, mas, mesmo assim, mais de 100 anos depois, suas observações são atualíssimas e também servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira.

Ricardo Noblat - No país que ensaia golpe a céu aberto, conspiração tem dia marcado

Blog do Noblat / Metrópoles

Governadores querem reunião com militares. Certamente não será para falar bem de Bolsonaro

Uma vez que sabem e sempre souberam que o presidente Jair Bolsonaro não está disposto a reunir-se com eles para diminuir a tensão política que prejudica o país, os governadores querem, e com o mesmo objetivo, encontrar-se com o comando das Forças Armadas, se possível já na próxima semana.

É uma ideia de jerico. O comandante das Forças Armadas é o presidente da República. Quem responde por elas em termos administrativos é o ministro da Defesa, o general Braga Netto, bolsonarista de raiz, que já chegou a falar em cancelamento das eleições do ano que vem se não houvesse voto impresso.

Braga Netto é impermeável a qualquer ideia que possa contrariar o ex-capitão. Seria pura perda de tempo uma reunião com ele. Então com quem mais poderia ser? Com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica? Mas sobre política eles não podem falar, muito menos na presença de 26 governadores.

Uma conversa discreta, sem anúncio prévio, com dois ou três governadores, até que eles poderiam ter, mas o anúncio estragou tudo, e a discrição foi para o brejo. De resto, os comandantes da Marinha e da Aeronáutica são bolsonaristas como Braga Netto, mais o da Aeronáutica do que o da Marinha.

Rosângela Bittar - Voto às cegas

O Estado de S. Paulo

O presidente e sua monolítica plateia não permitirão uma campanha eleitoral como historicamente se pratica no Brasil

A pouco mais de um ano das eleições, o interesse geral começa a aflorar. Despertam, entre outros sentimentos adormecidos, as correntes antipetistas do eleitorado, já à procura de alternativas. O aumento da rejeição a Jair Bolsonaro indica que o candidato à reeleição, nestes 30 meses de governo, mostrou a que veio e o público não gostou. Diminuiu drasticamente o contingente dos que o consideraram, no passado, a escolha mais eficiente para derrotar Lula.

O tamanho de Bolsonaro vai se reduzindo à medida que avança sua peculiar performance. O afastamento do eleitorado é inversamente proporcional à empáfia que compromete sua imagem.

Não é pouco o que ainda está à disposição de Bolsonaro, mas é insuficiente para um presidente da República que partiu para confronto universal. Em declaração espontânea, 22% citaram seu nome na pesquisa Xp/ipespe divulgada na semana passada. Estimulados, diante de uma lista, 24% o preferiram. Uma diferença mínima. Em trajetória de candidatos normais, uma é o dobro da outra.

Prevê-se que, neste ritmo, Bolsonaro chegue às eleições de 2022, que renega, com seu eleitorado convergindo para um índice próximo de 12%. Um grupo cada vez menor e mais fascinado pelo seu temperamento e caráter. A recíproca é verdadeira. Refletem-se, como um espelho.

José Augusto Guilhon Albuquerque* - Conto de um golpe anunciado

O Estado de S. Paulo

Somente membros do Conselho dos Justos se empenham em impedir um desfecho indesejado

Reza a lenda que Pedro, tendo enganado todos os adultos, escondido na mata e gritando “lá vem o lobo”, não foi comido pelo lobo, contrariando outras narrativas. Sobreviveu ao lobo e livrou-se das devidas punições dos adultos, que lhe ofereceram perdão em troca de sumir e não mais voltar. E lá se foi Pedro, dar golpes na vida.

E tantas fez, sempre enganando os incautos com ameaças de lobos, que Pedro um dia virou presidente de uma República tão instável, tão dividida pelo ódio, tão rapidamente empobrecida, tão corroída pela corrupção, tão abatida pela peste que nenhum homem de bem conseguia se fazer ouvir, quanto mais virar presidente.

E assim, já como Pedro, o lobo, assumiu o poder e uma nova carreira de golpista. Prometeu acabar com todos os lobos, todas as leis, todos os usurpadores de seu poder absoluto, por todo os meios, de preferência ilícitos. Logo distribuiu peles de ovelha às matilhas, pouco numerosas, mas vorazes, que o cercavam na crença de participarem do festim propiciado por seu infinito poder. Logo passou a ocultar, sob uma pele de lobo, suas fraquezas, sua pusilanimidade, sua indecisão, sua reação baseada no puro impulso, sua incapacidade de imaginar uma agenda positiva. Guardou para si a tarefa de destruir, de modo nada meticuloso, mas extremamente persistente, todas as pessoas, todos os grupos, instituições, leis e costumes com os quais se mostrou incapaz de conviver.

Tentou de tudo para recuperar seu delírio de um poder absoluto que lhe teria sido usurpado pelos adultos, isto é, tudo o que encarnasse leis, prerrogativas, direitos, valores morais e, sobretudo, honestidade e competência. Tentou domesticar à força o Conselho de Comissários, que podia aprovar e recusar leis que não resultassem integralmente de seus próprios desejos. Tentou, sem sucesso, intimidar o Conselho dos Justos, que podia conter ou anular sua imaginária prerrogativa de cruzar todas as linhas, esvaziar todas as instituições, ignorar todos os direitos e levar ao desfecho sua carreira de golpista. Seu insucesso na tentativa de domesticar ou intimidar os dois conselhos, que dividiam com ele os poderes da República, não o levou a conciliações, mas sim a ofensas e ameaças, e à retomada de sua trajetória de golpes.

Luiz Felipe D’Avila* - A hora do Congresso

O Estado de S. Paulo

Não há mais tempo a perder para frear as investidas de um presidente que se tornou uma ameaça à democracia

Duas décadas de governos populistas de esquerda e de direita transformaram o Estado brasileiro na cracolândia do patrimonialismo.

Em vez de aprovar as reformas para melhorar a qualidade e a eficiência do serviço público, aparelharam o Estado, distribuíram empregos no governo a aliados políticos e concederam benefícios, subsídios e protecionismo a grupos de interesse que arruinaram as finanças públicas, a produtividade e a competitividade internacional do País. Em vez de fortalecer a confiança nos pilares do Estado de Direito, criaram o maior esquema da corrupção da História (revelado pela Lava Jato), insuflaram a polarização política e instilaram conflitos entre os Poderes, debilitando o bom funcionamento da democracia. Em vez de abrir a economia e remover o peso sufocante do Estado das costas dos empreendedores, empregadores e trabalhadores que geram investimento, emprego e renda no País, os liberais do “posto Ipiranga” tornaram-se frentistas da agenda corporativista do presidente da República.

Esse é o retrato de uma sociedade que desde 2002 só elegeu presidentes comprometidos em defender o PCC – o patrimonialismo, o corporativismo e o clientelismo. O resultado de duas décadas de políticas de governo subservientes aos interesses do PCC está estampado na mais longa recessão econômica do País, no desemprego recorde, no aumento gigantesco da miséria e da desigualdade, na maior inflação dos últimos 25 anos e no descaso com o meio ambiente. Nenhum presidente se reelegeu com esse trágico legado.

Zeina Latif - O exemplo da prefeita socialista de Paris

O Globo

Uma das promessas de Paulo Guedes na campanha de 2018 foi a venda de imóveis da União, com a inexequível receita de R$ 1 trilhão. Além do pouco cuidado técnico na estimativa, revelou-se o desconhecimento da complexa natureza do processo e das etapas a serem cumpridas, como a regularização e avaliação dos imóveis, em meio à excessiva burocracia.

Para imóveis tombados, as dificuldades se multiplicam por conta da complexidade e do excesso de regras e exigências para reformas e restaurações. Adicionalmente, os processos são morosos; sem prazo limite para o exame dos órgãos envolvidos. Tudo isso mina o interesse do setor privado nas aquisições, além de comprometer a capacidade do estado de gerir o patrimônio público.

Como resultado, em 2020, 80% dos leilões não tiveram interessados, sendo levantados apenas R$100 milhões, segundo o Valor Econômico.

Um triste exemplo desse quadro foi a tentativa fracassada de leilão, em 2015, do antigo edifício da Polícia Federal em São Paulo, marco arquitetônico tombado. O prédio acabou pegando fogo e desabando em 2018.

O governo tenta avançar nessa agenda. A Lei 14.011 sancionada em 2020 permite, por exemplo, descontos nos preços dos imóveis, caso não haja compradores na primeira tentativa de leilão – até então havia rigidez no preço mínimo, dificultando a venda. As soluções, porém, são mais complexas.

Vinicius Torres Freire - Empresários que arruínam o PIB

Folha de S. Paulo

Movimentos empresariais ajudam a destruir economia pelo menos desde 2015

O caminhonaço de 2018 parou o país por quase dez dias, acabou com a expectativa de que a economia crescesse 2% naquele ano e colocou o governo de Michel Temer de joelhos, dada a ameaça de colapso do abastecimento.

A baderna rendeu um tabelamento de preços (dos fretes) e subsídios de bilhões para caminhoneiros autônomos, transportadoras e clientes do transporte rodoviário, como o agronegócio (tudo muito liberal, né?). O Congresso anistiou os crimes dos baderneiros. O paradão inclinou ainda mais a ladeira que o Brasil desce desde 2013, pelo menos.

Jair Bolsonaro apoiou o caminhonaço, claro, ao lado de empresários e associações empresariais, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL).

A polícia investiga o atual presidente da Aprosoja, o bolsonarista Antonio Galvan, suspeito de organizar manifestações golpistas no 7 de Setembro (em 2018, era presidente da Aprosoja-MT, entusiasta do caminhonaço). Blairo Maggi e a associação dizem que não apoiam Galvan, que ainda comanda a Aprosoja, no entanto.

Grandes empresas e seus empresários, vários do varejo, do setor imobiliário e da finança, são bolsonaristas militantes ou colaboracionistas. Quase todo o resto foi omisso ou conivente. No fim das contas, esperavam acabar com o PT, passar a boiada de algumas “reformas” (trabalhista e previdenciária) e barrar aumento de impostos, ainda que para o ajuste fiscal, o que ficara evidente desde 2015, com o Movimento do Pato Amarelo, da Fiesp. A maioria se opõe a “reformas” que aumentam concorrência e eficiência (equalização de impostos, abertura comercial, fim de subsídios etc.).

Guilherme Casarões* - Bolsonarismo e Talibã são expressões do mesmo fenômeno

Folha de S. Paulo

Movimentos no Brasil e no Afeganistão são bastante diferentes, mas projeto de nação indissociável da fé em Deus os conecta

Começou a temporada pré-eleitoral de comparações descabidas do Brasil com outros lugares do mundo. Em 2018, o voto em Fernando Haddad nos transformaria na Venezuela.

Agora, surfando a onda da trágica retomada do Afeganistão pelo Talibã, as redes bolsonaristas foram inundadas de comparações entre o Partido dos Trabalhadores e o grupo fundamentalista afegão —“se Lula for eleito, ele desarmará o povo, como estão fazendo lá!”, dizia a mensagem difundida, entre outros, pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

O mais irônico desses paralelismos é como envelhecem mal. Nos últimos dois anos, a deterioração política do Brasil —comandada por um populista e amparada pelas forças de segurança— é o que mais nos aproxima da Venezuela. Nessa mesma linha, é possível dizer que, se há alguma comparação possível entre Brasil e Afeganistão, ela passa pelo bolsonarismo.

A essa altura, está claro que Bolsonaro lidera um movimento reacionário, marcado por desrespeito às instituições democráticas, sectarismo religioso e violência política. Em muitos sentidos, um Talibã tropical. Obviamente, não são fenômenos comparáveis em termos de beligerância, organização e modus operandi, até porque se orientam por parâmetros civilizatórios e históricos muito distintos.

Mas há algo que os conecta em sua essência: um projeto de nação indissociável da fé em Deus.

Guardadas as proporções, bolsonarismo e Talibã são expressões do fenômeno do nacionalismo religioso. Estamos falando de uma visão de sociedade que condiciona o pertencimento nacional não a critérios legais de cidadania, mas à filiação religiosa.

Mariliz Pereira Jorge - Lula em plena forma

Folha de S. Paulo

Ele entendeu que não adianta xingar de fascista por quatro anos e convidar para um café no dia da eleição

Lula não é a Kim Kardashian, mas quebrou a internet ao surgir de shorts numa foto. E parece que não é só boa saúde física que o ex-presidente revela; sua sagacidade política também está em forma. Presença constante nas redes, Lula desfila bom humor, adotou discurso moderado, viaja pelo país, demonstra empatia ao falar sobre temas como pandemia e crise ambiental e, importante, estabeleceu uma agenda de diálogo com adversários históricos. Tudo o que Bolsonaro é incapaz de fazer.

Nesta segunda (23), encontrou Tasso Jereissati (PSDB) e Cid Gomes (PDT). “Os democratas desse país têm responsabilidade e o desafio de resgatar a civilidade na política brasileira pelo bem do Brasil”, escreveu no Twitter, depois da conversa com o senador tucano.