Valor Econômico
Brasil não é para
principiantes, dizia Tom Jobim
Frasista
incorrigível, Antônio Carlos Jobim disse certa vez que “o Brasil não é para
principiantes”. Um dos maiores compositores da música popular brasileira, Jobim
foi perseguido durante sua majestosa carreira por críticos de música, que,
equivocadamente, classificaram a bossa nova como uma mímese do jazz americano.
O que esses cidadãos, principalmente os nacionalistas, não perceberam é que, na
verdade, quem tem a mente “colonizada” são eles _ não há nada mais cafona neste
país do que atribuir valor às coisas somente depois de elas serem reconhecidas
como importantes no exterior, pela “metrópole” (no caso, os Estados Unidos ou a
Europa).
Quem inventou a bossa nova não foi Jobim, mas João Gilberto, baiano de Juazeiro, cidade do semi-árido nordestino. O raciocínio cretino, eivado de desinformação, ainda é o seguinte: “Como um sujeito nascido e criado no Nordeste pode ter criado um gênero musical tão belo, tão ‘cool’, sem ter bebido na fonte do jazz?”. O jazz, possivelmente, foi e é a maior contribuição cultural dos Estados Unidos para a humanidade, mas, o fato é que João Gilberto já tocava seu violão com a originalíssima batida do que depois foi chamado de bossa nova muito antes de tomar conhecimento do impressionante universo jazzístico _ este é um tema para outra conversa, que virá.
Quem pagou as
faturas do preconceito e do mau humor cultivado em caldeirões de rancor contra
a bossa nova foi Jobim. O pior é que o compositor carioca se dedicou ao gênero
joão-gilbertiano apenas nos primeiros anos de sua longa trajetória artística.
Erudito, compôs valsas, peças sinfônicas, sambas, choros, emoldurou algumas de
suas obras no jazz etc. Até com seu nome “americano” _ “Tom” Jobim _
implicaram. Isto, sem falar no enxovalhamento que ele sofreu quando autorizou a
Coca-Cola a usar a melodia de “Águas de Março” numa campanha publicitária.
Quando Jobim
partiu, em dezembro de 1994, Frank Sinatra, a “Voz”, o "dono" da cena
musical americana durante décadas, indagou: “Quem vai compor para nós
[cantores] a partir de agora?”. Em 1967, Sinatra alcançou, por telefone, Tom
Jobim no lendário Veloso, bar de Ipanema, e o convidou para gravar um disco.
Depois de se convencer de que o telefonema não era um trote, o compositor foi
para Los Angeles fazer história. Dando a Jobim o tratamento que ele merecia,
Sinatra fez algo inédito ao gravar um disco inteiro com músicas de apenas um
compositor, primazia que ele jamais deu a compatriotas consagrados como Cole
Porter e os irmãos Ira e George Gershwin _ na verdade, foram dois discos apenas
com composições do brasileiro; o segundo foi lançado alguns anos depois.
A célebre frase
de Jobim já virou clichê, mas, de fato, serve à perfeição para definir as
idas-e-vindas deste país que não é nação. Quando a maioria de nós acredita que,
mesmo lentamente, as coisas estão avançando rumo a uma sociedade mais justa,
democrática e próspera, base para a construção de uma nação, ainda que num
futuro bem longínquo, a “realidade” se impõe e desmente categoricamente os
otimistas.
Aos que professam
fé no caos, lembremo-nos sinteticamente dos avanços tangíveis ocorridos nos
últimos 36 anos, quando se iniciou a Nova República, pondo fim ao regime
militar que nos suprimiu a democracia por 21 anos:
1. Em
1988, o Congresso eleito dois anos antes promulgou a Constituição que inscreveu
em cláusulas pétreas direitos e garantias fundamentais compatíveis com um
projeto de nação;
2. Desde 1989, os brasileiros escolhem pelo voto
popular o presidente da República;
3. Dos
cinco presidentes eleitos nesse período, dois foram afastados do cargo por meio
de processos de impeachment. Ainda que esse fato exponha defeitos do nosso
sistema político, se tornou estável do ponto de vista político e dotada de um
certo grau de previsibilidade. A alternância de poder, aspecto importante em
regimes democráticos, tornou-se uma realidade;
4. Depois de conviver durante três décadas com
inflação crônica, mazela responsável por um forte de processo de concentração
de renda, que torna a economia da Ilha de Vera Cruz uma das mais injustas do
planeta, o país conquistou a estabilidade de preços. Portanto, com o lançamento
do Plano Real em 1994, o Brasil passou a ter estabilidade econômica e política,
as bases para tratar dos outros problemas e, assim, realizar conquistas que nos
coloquem no caminho da construção de uma nação, onde cada brasileiro,
independentemente de sua etnia, origem, gênero, orientação sexual e religião,
se reconheça no outro.
Quando se acha
que tudo vai bem, dois governos eleitos democraticamente ameaçam as duas
principais conquistas do país em mais de três décadas - Dilma Rousseff
(2011-2016), a estabilidade econômica; e Jair Bolsonaro, a política. O que nos
leva a 2002, quando a transição eleitoral foi marcada por um quase-pânico. O
gráfico baixo, elaborado pelo economista Robinson Moraes, do Valor Data, mostra que o
mercado desconfia hoje dos dois candidatos à frente nas pesquisas: Bolsonaro e
Luiz Inácio Lula da Silva.
“Volto [a morar no Brasil] para me aporrinhar. Para responder a esse tipo de pergunta. Para ser um dos 5% de brasileiros que pagam imposto de renda. Para perder o apetite ou morrer de indigestão. Volto porque nunca saí daqui”, desabafou Tom Jobim numa oportunidade.
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