quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Cristiano Romero - 2022 repetirá 2002?

Valor Econômico

Brasil não é para principiantes, dizia Tom Jobim

Frasista incorrigível, Antônio Carlos Jobim disse certa vez que “o Brasil não é para principiantes”. Um dos maiores compositores da música popular brasileira, Jobim foi perseguido durante sua majestosa carreira por críticos de música, que, equivocadamente, classificaram a bossa nova como uma mímese do jazz americano. O que esses cidadãos, principalmente os nacionalistas, não perceberam é que, na verdade, quem tem a mente “colonizada” são eles _ não há nada mais cafona neste país do que atribuir valor às coisas somente depois de elas serem reconhecidas como importantes no exterior, pela “metrópole” (no caso, os Estados Unidos ou a Europa).

Quem inventou a bossa nova não foi Jobim, mas João Gilberto, baiano de Juazeiro, cidade do semi-árido nordestino. O raciocínio cretino, eivado de desinformação, ainda é o seguinte: “Como um sujeito nascido e criado no Nordeste pode ter criado um gênero musical tão belo, tão ‘cool’, sem ter bebido na fonte do jazz?”. O jazz, possivelmente, foi e é a maior contribuição cultural dos Estados Unidos para a humanidade, mas, o fato é que João Gilberto já tocava seu violão com a originalíssima batida do que depois foi chamado de bossa nova muito antes de tomar conhecimento do impressionante universo jazzístico _ este é um tema para outra conversa, que virá.

Quem pagou as faturas do preconceito e do mau humor cultivado em caldeirões de rancor contra a bossa nova foi Jobim. O pior é que o compositor carioca se dedicou ao gênero joão-gilbertiano apenas nos primeiros anos de sua longa trajetória artística. Erudito, compôs valsas, peças sinfônicas, sambas, choros, emoldurou algumas de suas obras no jazz etc. Até com seu nome “americano” _ “Tom” Jobim _ implicaram. Isto, sem falar no enxovalhamento que ele sofreu quando autorizou a Coca-Cola a usar a melodia de “Águas de Março” numa campanha publicitária.

Quando Jobim partiu, em dezembro de 1994, Frank Sinatra, a “Voz”, o "dono" da cena musical americana durante décadas, indagou: “Quem vai compor para nós [cantores] a partir de agora?”. Em 1967, Sinatra alcançou, por telefone, Tom Jobim no lendário Veloso, bar de Ipanema, e o convidou para gravar um disco. Depois de se convencer de que o telefonema não era um trote, o compositor foi para Los Angeles fazer história. Dando a Jobim o tratamento que ele merecia, Sinatra fez algo inédito ao gravar um disco inteiro com músicas de apenas um compositor, primazia que ele jamais deu a compatriotas consagrados como Cole Porter e os irmãos Ira e George Gershwin _ na verdade, foram dois discos apenas com composições do brasileiro; o segundo foi lançado alguns anos depois.

A célebre frase de Jobim já virou clichê, mas, de fato, serve à perfeição para definir as idas-e-vindas deste país que não é nação. Quando a maioria de nós acredita que, mesmo lentamente, as coisas estão avançando rumo a uma sociedade mais justa, democrática e próspera, base para a construção de uma nação, ainda que num futuro bem longínquo, a “realidade” se impõe e desmente categoricamente os otimistas.

Aos que professam fé no caos, lembremo-nos sinteticamente dos avanços tangíveis ocorridos nos últimos 36 anos, quando se iniciou a Nova República, pondo fim ao regime militar que nos suprimiu a democracia por 21 anos:

1. Em 1988, o Congresso eleito dois anos antes promulgou a Constituição que inscreveu em cláusulas pétreas direitos e garantias fundamentais compatíveis com um projeto de nação;

2. Desde 1989, os brasileiros escolhem pelo voto popular o presidente da República;

3. Dos cinco presidentes eleitos nesse período, dois foram afastados do cargo por meio de processos de impeachment. Ainda que esse fato exponha defeitos do nosso sistema político, se tornou estável do ponto de vista político e dotada de um certo grau de previsibilidade. A alternância de poder, aspecto importante em regimes democráticos, tornou-se uma realidade;

4. Depois de conviver durante três décadas com inflação crônica, mazela responsável por um forte de processo de concentração de renda, que torna a economia da Ilha de Vera Cruz uma das mais injustas do planeta, o país conquistou a estabilidade de preços. Portanto, com o lançamento do Plano Real em 1994, o Brasil passou a ter estabilidade econômica e política, as bases para tratar dos outros problemas e, assim, realizar conquistas que nos coloquem no caminho da construção de uma nação, onde cada brasileiro, independentemente de sua etnia, origem, gênero, orientação sexual e religião, se reconheça no outro.

Quando se acha que tudo vai bem, dois governos eleitos democraticamente ameaçam as duas principais conquistas do país em mais de três décadas - Dilma Rousseff (2011-2016), a estabilidade econômica; e Jair Bolsonaro, a política. O que nos leva a 2002, quando a transição eleitoral foi marcada por um quase-pânico. O gráfico baixo, elaborado pelo economista Robinson Moraes, do Valor Data, mostra que o mercado desconfia hoje dos dois candidatos à frente nas pesquisas: Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.

“Volto [a morar no Brasil] para me aporrinhar. Para responder a esse tipo de pergunta. Para ser um dos 5% de brasileiros que pagam imposto de renda. Para perder o apetite ou morrer de indigestão. Volto porque nunca saí daqui”, desabafou Tom Jobim numa oportunidade.

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