O Globo
Quando os governadores se reuniram na
segunda-feira, a partir de Brasília, um pedido de impeachment do ministro do
Supremo Alexandre de Moraes, enviado ao Senado por Jair Bolsonaro, esperava na
gaveta por uma resposta do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em São
Paulo, um coronel da ativa, comandante de sete batalhões com 5 mil homens da
Polícia Militar em 78 municípios do estado era afastado pelo governador João
Doria (PSDB).
Ele se manifestara politicamente, o que é
vedado aos militares, atacando o STF e o próprio Doria e insuflando, nas redes
sociais, a participação em atos bolsonaristas previstos para 7 de setembro. O risco de
ruptura ocupava as mentes de figuras de proa do Judiciário, do Legislativo e
até do Executivo. Daí por que o encontro de governadores que previa discutir
temas mais práticos, como a reforma tributária, acabou girando em torno das
ameaças à democracia feitas por Bolsonaro. Mal se começou a discutir a ideia de
uma carta conjunta contra os arroubos golpistas do presidente, a coisa
desandou.
O governador de Santa Catarina, Carlos
Moisés (PSL), apelou para a abertura de um diálogo com o presidente. O mineiro
Romeu Zema (Novo) completou:
— (Se) ficar mandando pedra mais uma vez,
nós vamos cair nessa vala da polarização de que estamos só seguindo caminhos
opostos e cada vez mais distantes.
Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, apoiou. Não adiantou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), apelar, dizendo que “o silêncio pode significar a omissão dos bons” ou mesmo conivência. Nem lembrar que, passado o golpe de 1964, “todos os governadores sofreram, sem exceção, inclusive os que haviam apoiado a ruptura antidemocrática”.
Ao final, a carta enfática em defesa da
democracia virou um pedido de reunião com Jair Bolsonaro. Ele, porém, deu de
ombros. Por meio de seus ministros palacianos, já mandou dizer que só se
encontrará com governadores aliados, porque não quer dar palco para os outros
fazerem proselitismo em cima dele. Ou seja, mandou a proposta de diálogo para a
“vala da polarização”.
No Senado, no dia seguinte, o
procurador-geral da República, Augusto Aras, protagonizou um espetáculo. Disse
que bate, sim, no presidente da República, mas listou uma série de apurações
internas que não deram em nada. Para justificar por que afinal não aplicou
sequer uma multa a Bolsonaro por não usar máscara e promover aglomerações na
pandemia, Aras lançou uma pérola:
— Não tenho dúvida da ilicitude, de que há
multa, mas também não tenho dúvida de que, num sistema em que vige o Direito
Penal despenalizador, falar em crime pode ser extremamente perigoso.
Ora, o que pode haver de perigoso em
aplicar a lei? Se o próprio procurador-geral da República opinou em processos
no STF a favor de multas e sanções para quem desrespeitasse a obrigatoriedade
do uso da máscara? Talvez a melhor resposta esteja no termo “perigoso”. Para
Aras, é perigoso afrontar o “sistema e criminalizar a política”, mesmo que os
políticos cometam crimes.
Os governadores voltaram a seus dilemas
locais, buscando formas de monitorar e evitar maiores problemas no 7 de
setembro. O procurador-geral da República saiu do Senado reconduzido, alisado e
bajulado indistintamente por governo e oposição. Pelo menos o senador Rodrigo
Pacheco rejeitou o pedido de impeachment do ministro Moraes, como
esperado. Com seu gesto, jogou água na fervura da crise, mas sabemos que o
alívio só dura até a próxima provocação.
A raiz do problema, porém, permanece.
Parece que se estabeleceu um consenso tácito — em estrato relevante da classe
política e do próprio sistema de Justiça — de que realmente é perigoso seguir a
lei no Brasil. Que é perigoso se posicionar a favor da democracia. Que é melhor
não irritar o presidente da República para não causar ainda mais tumulto.
Parecem confortáveis numa espécie de
acomodação bem abrasileirada, em que as mesmas pessoas que num dia garantem não
haver risco de golpe, no dia seguinte afirmam que afrontar Bolsonaro seria
“perigoso”. Vamos ignorá-lo, sugerem alguns. Vamos contê-lo, promete o Centrão,
que a cada semana recebe uma prova de que não está dando muito certo. Só não
vamos provocar o maluco. É perigoso.
Enquanto isso, Bolsonaro segue seu jogo,
que — admitamos — é transparente e aberto. E que dificilmente chegará ao
almejado golpe, mas fará muito estrago no caminho. Vai ver estamos esperando
muito de nossas lideranças políticas, e quem está certo é o presidente, que
obviamente confia estar comandando não uma República de bananas, mas sim a
República dos bananas.
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