quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Bernardo Mello Franco - A miopia da oposição

O Globo

O ex-presidente Lula anunciou: se for eleito em 2022, vai indicar um procurador-geral da República escolhido na lista tríplice. “Eu não quero um amigo meu. Eu quero uma pessoa em que a sociedade possa ter confiança”, disse, em entrevista à CBN Santa Catarina. “Senão, você avacalha as instituições. Você avacalha a democracia”, acrescentou.

Se a promessa feita há duas semanas era verdadeira, o ex-presidente deveria ter atuado contra a recondução de Augusto Aras. Ontem seu partido fez o contrário no Senado. O petista Rogério Carvalho chegou a participar do trenzinho de boas-vindas que conduziu o procurador à Comissão de Constituição e Justiça.

O boicote à lista tríplice é o menor dos defeitos de Aras. O procurador usa o cargo como escudo para proteger Jair Bolsonaro do alcance da lei. Comporta-se como advogado do presidente, não como chefe do Ministério Público Federal. Sua omissão serve de licença à escalada autoritária do governo.

Aras é popular no Congresso porque brecou as delações premiadas e enterrou a Lava-Jato. Na sabatina, ele buscou se apresentar como um ombro amigo. “Meu pai foi vereador, deputado estadual, deputado federal e presidente de partido. Eu sei o quanto sofre um político”, contou. Sensibilizados, os senadores o presentearam com mais dois anos à frente da PGR.

O PT não tinha votos para barrar a recondução, mas poderia ter usado a sabatina para apertar o procurador bolsonarista. O senador Rogério Carvalho preferiu gastar seu tempo com mesuras e platitudes. “A gente só sabe a dor e a delícia de ser e de exercer um cargo público quando a gente vive esse cargo público”, filosofou. O petista fez três perguntas insossas e saiu da sala sem ouvir as respostas. “Vá tranquilo”, retribuiu Aras, agradecido.

Com uma oposição assim, o procurador só precisou se esquivar da pontaria de alguns radicais livres. “Aras satisfaz muita gente porque é um procurador que não incomoda os políticos. Mas o que estava em jogo era algo muito mais importante do que isso”, lamenta Fabiano Contarato, da Rede. “A oposição ficou subserviente, aquiescente. Embarcou numa visão míope e imediatista”, resume o senador, um dos dez que votaram contra o indicado de Bolsonaro.

 

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