O Estado de S. Paulo
O medo é da tragédia que ele parece
empenhado em provocar
De tanto se atormentar com fantasmas, Jair
Bolsonaro está conseguindo que eles se tornem realidade. Cristaliza-se em
círculos do Judiciário, Congresso e também entre oficiais-generais a ideia de
que o arruaceiro institucional precisaria no mínimo ser declarado inelegível. E
o caminho seria através dos tribunais superiores.
Esse perigo (não poder disputar as
eleições) para Bolsonaro é real, mas não imediato. A “conspiração” não passa,
por enquanto, de um desejo amplamente compartilhado nas instâncias mencionadas
acima. Generalizou-se nesses círculos de elite política, judicial e militar a
convicção de que Bolsonaro provocou um impasse institucional para o qual não há
saída aparente, e ele nem parece interessado em buscá-la.
A “conspiração” carece, contudo, de coordenação central e efetiva articulação. Setores do Congresso, do STF e das Forças Armadas estão conversando informalmente, e já se falou no Alto Comando do Exército em atribuir ao comandante dessa arma a missão de “pôr uma coleira” em Bolsonaro. Dois personagens políticos de peso nessa paisagem – os caciques do Centrão Arthur Lira e Ciro Nogueira – têm dito a jornalistas que desistiram disso.
Quem conversa quase que diariamente com o
presidente o descreve como possuído de um quadro mental para lá de preocupante.
Bolsonaro está totalmente convencido de que a “conspiração” contra seu mandato
começou já no primeiro dia do governo, e é conduzida por uma difusa e ao mesmo
tempo bem entrincheirada coligação de corruptos no Congresso, corporativistas
na administração pública, empresários que perderam dinheiro, esquerdistas
treinados em Cuba, governadores gananciosos e todos unidos em torno de alguns
ministros do STF.
Dois aspectos tornam o absurdistão que é a
cabeça de Bolsonaro num problema real, pois ele age a partir dessa percepção de
mundo. O primeiro é a “legitimação jurídica” que ele julga ter encontrado para
ir ao que chama de contragolpe contra os usurpadores do poder do presidente. A
interpretação que adotou do artigo 142 da Constituição é espúria, mas lhe confere
um ar de certeza no campo do Direito para, eventualmente, chamar forças
militares a intervir – no mínimo para garantir lei e ordem num cenário
conturbado que Bolsonaro se empenha em piorar.
O segundo aspecto que faz do desequilíbrio
presidencial um perigo real é a crença de que disporia de instrumentos de poder
tais como irresistível quantidade de “povo nas ruas”, “adesão de setores das
Forças Armadas” além de PMS amotinados, insubordinados e levados às ruas por
lideranças corporativistas. Em outras palavras, ele acha que estaria em posição
de superioridade em se tratando da relação das forças treinadas para exercer
violência – um cenário implícito nas posturas do presidente.
O problema para Bolsonaro é que tanto no
plano político-jurídico como no plano das “forças das ruas” ele está isolado. É
completamente refém de um conjunto fisiológico de caciques políticos cínicos
que o espremem deixando aberta a possibilidade de decidir quando jogam fora o
bagaço. O cerco judicial ao presidente, no STF e no TSE, é um fator que tornou
inclusive irrelevante se o PGR estaria (não está) disposto a denunciá-lo.
Sem ter criado uma organização política
capilarizada e sem ter a adesão das cadeias de comando das Forças Armadas,
Bolsonaro acha que manda, mas não comanda nada a não ser fanáticos
imbecilizados em redes sociais que não sabem até agora muito bem onde está o
“Palácio de Inverno” a ser tomado e ocupado. Eles são contra um monte de
coisas, mas ainda aguardam uma ordem específica do “mito” sobre em qual direção
marchar e qual inimigo precisam aniquilar.
Em outras palavras, Bolsonaro não dispõe de
sólidos argumentos jurídicos, de amplas forças políticas, de nutridos
contingentes militares, do domínio das ruas, da adesão das principais elites
econômicas e é rejeitado pela maioria dos eleitores, pela quase unanimidade do
mundo intelectual e cultural e visto como um estorvo passageiro pelas grandes
potências. Ninguém tem medo dele como dirigente político.
O que se teme é a tragédia que ele parece
empenhado em provocar.
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