O Globo
A crise no setor de energia se agravou nos
últimos dois meses, mas os especialistas já haviam alertado que isso iria
acontecer. Ontem o governo convocou a imprensa para anunciar que haverá três programas
para redução de consumo. Um para as grandes empresas, um para os consumidores
residenciais e outro para os órgãos federais. A coletiva foi marcada pelo
improviso e pela falta de informações sobre o funcionamento e os custos dessas
medidas. O ministro Bento Albuquerque continua errando na comunicação, ao
afirmar que não trabalha com a hipótese de racionamento. Na prática, isso já
começa a acontecer para os órgãos federais. O governo está atrasado porque é
negacionista também nesse assunto e tem medo da queda da popularidade do
presidente Bolsonaro.
Os programas de redução de consumo só foram apresentados agora, no oitavo mês do ano. As empresas dizem que levará tempo até que haja confiança para uma adesão expressiva. Os órgãos federais que descumprirem as metas não serão punidos. E o consumidor residencial não sabe quem pagará pelo seu bônus. O risco é que seja ele mesmo, com aumento de bandeira tarifária. Ganha-se um desconto de um lado, paga-se mais via encargos de outro. Os especialistas são unânimes em afirmar que não há uma campanha de comunicação que mostre a gravidade desta crise elétrica.
O nível de água dos reservatórios das
hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste está em 22,7%, o menor patamar para
agosto dos últimos 20 anos, superando inclusive 2001. Essas duas regiões
representam 70% da capacidade de armazenagem do sistema. A situação é crítica.
Circula a informação no setor de que o presidente Bolsonaro vetou um
pronunciamento que seria feito pelo ministro Albuquerque em rede nacional na
última segunda-feira. Bolsonaro não quer notícia ruim às vésperas das
manifestações do 7 de Setembro. Trocou-se isso por uma coletiva transmitida
pelo canal oficial do ministério nas redes sociais.
As grandes indústrias dizem que é cedo para
avaliar a eficácia do programa de racionamento voluntário. O consumidor cativo
pagará os custos da medida sob a forma de Encargo de Serviços do Sistema. Esse
é o mesmo encargo que contabiliza os gastos com as termelétricas, que
continuarão operando em carga máxima. Ou seja, um custo irá se somar ao outro.
As indústrias temem que o voluntário vire compulsório.
— Como o governo é pouco confiável, se você
entrar nisso ele pode te obrigar depois. É o risco de o governo forçar a mão
caso a situação se agrave. Ainda não houve uma postura de real conversa com a
sociedade, com abertura dos dados para todos os agentes sobre esta crise. Como
confiar? — diz o representante de um setor industrial.
O ex-diretor-geral da ANP David
Zylbersztajn, especialista em setor elétrico, afirma que o risco de faltar
energia em horários de pico no final do ano tem aumentado. No passado, houve
governantes que contaram com a sorte e a chuva os salvou, mas não se deve
apostar nisso.
— Bolsonaro precisa entender que há um
risco de 30% de faltar energia. É um percentual muito alto. Ele está apostando
nos 70%. O Lula fez isso em 2008 e deu certo. A Dilma fez isso em 2014 e
empurrou a crise para 2015. Mas é papel do governo pensar no pior cenário. Se
ele acontecer, será dramático para a economia — afirmou.
O consultor Luiz Augusto Barroso, da PSR,
diz que o cenário piorou muito em relação às suas análises anteriores e as
previsões de chuvas para o mês de setembro não estão boas. Com o baixo nível de
água, o sistema elétrico já está operando no limite, o que aumenta o risco de
falhas nos sistemas de geração e transmissão. Ele acha que algumas medidas do
governo têm dado certo, como a flexibilização dos limites de armazenamento e
vazão de água das hidrelétricas e o aumento de importação de energia de países
vizinhos. Sobre o programa de redução de consumo das residências, diz que é
fundamental, mas ainda faltam detalhes.
— Disseram que o dinheiro não virá do
Tesouro, mas da tarifa. Ainda está pouco claro sobre como isso vai funcionar —
afirmou.
Itaipu está hoje gerando 39% da sua
capacidade. Se não fosse a energia dos ventos e do sol, que não havia na crise
de 2001, o Brasil já poderia estar em colapso. A eólica em agosto gerou 166%
mais energia do que Itaipu no Brasil, e o sol chegou a 10 GW de potência
instalada.
A crise hídrica impacta a economia
dramaticamente e já está afetando as famílias pela inflação da energia. O
governo ao atuar do lado da oferta — e só agora ter medidas para conter a
demanda — está contratando aumentos futuros e elevando os riscos do país.
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