sábado, 24 de maio de 2025

A Transição Energética, o Brasil e a COP 30 - George Gurgel de Oliveira

A problemática energética reflete interesses variados de caráter público e privado, respalda distintas estratégias políticas, econômicas, sociais e ambientais, tanto nos países capitalistas centrais, onde está concentrado o consumo energético mundial, quanto nos chamados países em desenvolvimento, nos quais vive a maioria absoluta da humanidade, com baixo consumo de energia.

A interdependência entre as questões econômicas, sociais e ambientais em sí e as demandas de energia, coloca a discussão da problemática energética nos planos nacional e internacional, mobilizando interesses de estado, de governo, de mercado e da cidadania preocupados com a maneira pela qual as potencialidades energéticas estão sendo apropriadas da natureza e de que maneira são utilizadas nas diversas atividades humanas. Essas relações acontecem de maneira desigual entre os países do G20, os Bricks, os países da América Latina, África e Ásia, com impactos diferenciados na vida econômica, social e ambiental de cada sociedade. Essas escolhas e relações determinaram e determinam sociedades (in)sustentáveis.

A Transição Energética

Desde a a primeira revolução industrial, ampliou-se o nível de intervenção humana no planeta. No século XX, essas intervenções aumentaram consideravelmente, colocando em risco a sobrevivência dos ecossistemas planetários e da própria humanidade. As chuvas ácidas, o efeito estufa e a emissão de dióxido de carbono – CO 2 gerados com a combustão de petróleo, carvão mineral e derivados, junto com o gás metano, são os principais responsáveis pela emissão de carbono na atmosfera. Nesse período histórico, a questão energética levava em consideração apenas os aspectos técnicos de quantificação da produção e consumo de energia. Essa abordagem viu-se irremediavelmente comprometida com o aumento do preço do petróleo nos anos 70, quando então ficou evidente a impossibilidade de um crescimento econômico baseado em suprimento de energia de baixo custo. Então, foram abalados os mecanismos de funcionamento dos sistemas energéticos e da própria economia, em escala mundial. As crises do petróleo a partir dos anos 70 do século passado e a realidade atual da indústria petrolífera mundial, acentuam incertezas em relação a oferta deste combustível, muitas vezes, desde os primórdios da indústria petroleira, resolvidas manu militare.

A construção de sistemas energéticos baseados em carvão mineral, hidrelétricas, petróleo, gás natural, nuclear e carvão vegetal consolidou o modelo energético mundial para atender as demandas industriais e urbanas. Esse modelo energético pela maneira que desenvolveu a produção, transporte, distribuição e consumo de energia é responsável por graves problemas sociais e ambientais, a exemplo dos acidentes envolvendo navios petroleiros, vazamentos em usinas nucleares, minas de carvão mineral, construção de hidroelétricas e produção de biomassa, ampliando-se consideravelmente a degradação ambiental, impactando as populações atingidas por essas atividades, que migram e sofrem as consequências econômicas, sociais e ambientais advindas desse modelo.

Portanto, a infraestrutura energética atual continua concentrada e baseada em processos produtivos intensivos em energia (mineração, siderurgia, metalurgia, papel e celulose, cimento, petroquímicos, transportes,...), sendo os mesmos responsáveis por uma parte considerável do consumo energético mundial. A mercadoria energética possibilita lucros e benefícios fabulosos a determinados países e corporações transnacionais, excluindo regiões, países e mais de 1/3 da população mundial. Colocando-se como imperativo a necessidade de uma revisão nas formas de abordagem da questão energética, devendo considerar outras questões relevantes a ela associadas, além da oferta, entre as quais, destacam-se a questão social, a ambiental e o próprio uso da energia.

Assim, evidencia-se que a energia é uma variável importante da sociedade contemporânea. A maneira como ela é apropriada na natureza, produzida, distribuída e consumida indica níveis de bem-estar de uma sociedade e suas interrelações como o meio ambiente. Ficando evidente que a escolha de uma determinada política energética reflete diretamente na qualidade de vida das populações.

O Brasil e a COP 30: Oportunidades e desafios

Desde a Convenção de Mudanças Climáticas, realizada na ECO-92, propondo a diminuição do uso de combustíveis fósseis, passando pela Conferência em Paris (2016), até a COP 30 a ser realizada este ano no Brasil, persistem os entraves para a implementação de medidas efetivas no caminho da diminuição do uso de combustíveis fósseis. Fundamentalmente, os compromissos não são implementados por razões políticas e econômicas. A transição energética para a economia de baixo carbono é um processo de alto custo econômico, cientifico e tecnológico, onde os EUA, a China, a Rússia e a Comunidade Europeia deveriam ter um maior protagonismo, por ter sido esses países os principais responsáveis pela atual situação climática do planeta.

Constata -se, por exemplo, que os investimentos para as guerras hoje em andamento, são muito maiores que os necessários para a transição energética. Portanto, precisamos de mudanças e medidas efetivas destes países e um maior protagonismo das organizações multilaterais mundiais, a exemplo da ONU, FMI, OIT e da própria Indústria Mundial de Petróleo, entre outros, que nos leve a uma outra perspectiva societária, no caminho da almejada transição energética.

O imperativo da transição energética já não pode mais ser ignorado na formulação das políticas públicas nacionais, inclusive no Brasil, principalmente a partir da RIO – 92. Desde então, há uma maior participação das Organizações Mundiais e da Sociedade Civil nesses processos, discutindo políticas que minimizem os efeitos das mudanças climáticas, efetivamente.

Ainda, é importante considerar que a era do petróleo deverá prolongar-se durante o Século XXI. Novas reservas estão sendo descobertas, inclusive no Brasil. O cenário tendencial da indústria petrolífera é de aumentar o custo do barril de petróleo, atualmente em torno de 60 dólares, podendo ser utilizado para fins mais nobres do que o automotivo. Os combustíveis fosseis representam 82% do consumo de energia primária mundial (2023), com a liderança do petróleo, em seguida o carvão mineral e, em terceiro lugar, o gás natural.

No Brasil e no mundo há um avanço do consumo de energias renováveis, onde se destacam a energia hidrelétrica, eólica, solar e biomassa. Aumenta no Brasil e mundialmente o uso de micro e mini hidrelétricas e destilarias, coletores solares térmicos e fotovoltaicos, biodigestores e geradores eólicos, buscando-se caminhar para a almejada economia de baixo carbono.

A realização da COP 30 no Brasil no próximo mês de outubro, nos desafia a discutir a nossa matriz energética no caminho de descarbonização da economia brasileira. Qual a matriz energética que temos e a que queremos ter no horizonte dos próximos 5-10-20 anos? Aqui é fundamental a participação da sociedade na busca de uma avaliação mais ampla sobre o papel do Estado e do mercado na área energética, na perspectiva de uma matriz energética de baixo carbono, com uma maior participação da biomassa, energia solar e eólica.

Institucionalmente, o Brasil deve buscar a integração dos sus diversos sistemas: elétrico, petróleo e gás natural, álcool e bagaço de cana, carvão mineral, lenha e carvão vegetal, solar, eólica e outras biomassas, buscando criar mecanismos, que proporcionem uma efetiva integração, publicização e participação social mais ampla na discussão, formulação e implementação da política energética brasileira, incentivando a regionalização e uma maior integração com a América Latina .

Assim, o desafio brasileiro continua a ser a afirmação e a implementação de uma política energética que seja integrada nacionalmente, considerando as potencialidades regionais. Esta nova política energética brasileira deve reavaliar a atual estrutura tarifária e de preços, perseguindo a conservação, a eficiência e o desenvolvimento de novas tecnologias energéticas, em especial para a cogeração, apoiando e participando de iniciativas para uma maior incorporação das energias solar, eólica e biomassa, melhorando a confiabilidade do sistema elétrico nacional e, ainda, a ampliação da produção de energia de forma descentralizada, tanto para atender populações nas áreas rurais, quanto para a mobilidade urbana, envolvendo instituições governamentais, comunidade cientifica, organizações empresariais e da sociedade civil, no caminho de uma matriz energética brasileira de baixo carbono.

A agenda brasileira para a CP30 deverá ter na sua centralidade um maior protagonismo do Brasil na transição energética mundial, particularmente no mercado de carbono. A delegação brasileira deverá apresentar uma agenda substantiva de Programas e Projetos para o aumento da produtividade e da eficiência energética. A transição energética brasileira deverá ter como foco a diminuição do consumo de combustíveis fosseis, através de taxação ou substituição por energias renováveis ou de melhoria da eficiência do uso, via novos processos tecnológicos nas áreas de conservação, cogeração e produção de energia, transporte, construção civil, reciclagem e novos materiais, diminuindo a intensidades energética da indústria nacional, considerando a escala de produção, o controle das fontes de energia, o acesso às tecnologias de transformação dessas fontes em energia útil e o papel de algumas regiões e países fornecedores de bens intensivos em energia, principalmente os chamados países em desenvolvimento, que como o Brasil, continuam sendo exportadores de energia, como a América Latina e a África, exportadores de minérios, alumínio, papel e celulose, todos energo-intensivos.

Estas são questões relevantes a serem avaliadas na COP30, colocando permanentemente a necessidade de discutir o papel dos diversos atores políticos, econômicos, sociais e ambientais envolvidos, tanto no plano nacional, quanto internacional.

Finalmente, destacar que a democratização das relações entre o Estado e a Sociedade é a base dessa almejada transição energética brasileira, latino-americana e mundial, questões que deveriam ser consideradas na COP30, a ser realizada no próximo mês de outubro no Brasil, na cidade de Belém do Pará.

*Dr.Sc.da Diretoria Instituto Politécnico da Bahia.

 

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