CartaCapital
Os modelos dos economistas não integram o particular ao geral nem tocam o abstrato e o concreto ao mesmo tempo
Keynes dizia que os requerimentos exigidos do bom economista eram muitos: ele deveria combinar os talentos do “matemático, historiador, estadista e filósofo (na medida certa). Deve entender os aspectos simbólicos e falar com palavras correntes. Deve ser capaz de integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado e tendo em vista o futuro. Nenhuma parte da natureza do homem deve ficar fora da sua análise. Deve ser simultaneamente desinteressado e pragmático: estar fora da realidade e ser incorruptível como um artista, estando, embora noutras ocasiões, tão perto da terra como um político”.
A economia é um sistema complexo. Autor do
livro Decoding Complexity: Uncovering Patterns of Economic Networks, James
Glattfelder escreve no preâmbulo:
“A característica dos sistemas complexos é
que o Todo exibe propriedades que não podem ser deduzidas das Partes
individuais. Em suma, a teoria da complexidade trata de investigar como o
comportamento macro decorre da interação entre os elementos do sistema”.
Isto significa que é crucial a identificação
dos elementos do sistema econômico, mas, sobretudo, são decisivos os supostos
que definem a natureza das relações entre esses elementos.
A metafísica e a epistemologia da corrente
dominante ocultam uma ontologia do econômico que postula certa concepção do
modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade mercantil
capitalista. Para esse paradigma, a sociedade onde se desenvolve a ação
econômica é constituída mediante a agregação dos indivíduos, articulados entre
si por nexos externos e não necessários.
Explicamos melhor este ponto, com a ajuda de
Roy Bhaskar: se a concepção é atomística, então todas as causas devem ser
extrínsecas. E se os sistemas não dispõem de uma estrutura intrínseca (isto é,
esgotam-se nas propriedades atribuídas aos indivíduos que os compõem), toda a
ação deve desenvolver-se pelo contato. Os indivíduos “atomizados” não são
afetados pela ação e, portanto, ela deve resumir-se à comunicação das
propriedades a eles atribuídas. Bhaskar está referindo-se ao paradigma da
física clássica, mas a sua definição é imediatamente aplicável aos fundamentos
da concepção neoclássica da sociedade econômica formada por indivíduos
racionais e maximizadores, partículas que definem a natureza da ação
utilitarista e que jamais alteram o seu comportamento na interação com as
outras partículas carregadas de “racionalidade”. Os fundamentos da teoria
econômica dominante definem coerentemente o mercado como um ambiente
comunicativo, cuja função é a de promover de modo mais eficiente possível a
circulação da informação relevante.
Essa ontologia tem uma expressão metafísica e
outra epistemológica. A metafísica reivindica o caráter passivo e inerte da
matéria e a causação é vista como um processo linear e unidirecional, externo
aos movimentos da totalidade.
Na versão epistemológica, reduto preferido do
positivismo, os fenômenos são apresentados como qualidades simples e
independentes, apreendidas através da experiência sensível. Nesse caso, a
causalidade é vista como a concomitância regular de eventos, que se expressa
sob a forma de leis naturais, depois de processada pelo sujeito do
conhecimento.
Os economistas poderiam buscar arrimo na
física do século XX. A termodinâmica, a física dos quanta e a Teoria da
Relatividade vêm descobrindo que os caminhos na Natureza não podem ser
previstos com exatidão. As pequenas diferenças, as flutuações insignificantes
podem ser produzidas em circunstâncias apropriadas, invadir todo o sistema e
engendrar um novo regime de funcionamento.
Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, nas
considerações finais do livro Entre o Tempo e a Eternidade concluem que as
ciências não refletem a identidade estática de uma razão à qual era necessário
submeter-se ou resistir, mas participam da criação de sentido ao mesmo nível
que o conjunto das práticas humanas. “Elas não nos podem dizer o que ‘é’ o
homem, a natureza ou a sociedade de tal maneira que, a partir desse saber,
possamos decidir a nossa história.”
A física dos quanta iria radicalizar a
revolução científica ao se desvencilhar completamente do determinismo da física
clássica – a física dos grandes corpos, como a define Louis de Broglie.
A modelística macroeconômica contemporânea
não foi capaz de realizar a delicada operação sugerida por Keynes, de “integrar
o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o
mesmo voo do pensamento”. •
*Este artigo foi escrito a partir dos livros
Manda Quem Pode, Obedece Quem Tem Prejuízo e A Escassez na Abundância
Capitalista.
Publicado na edição n° 1363 de CartaCapital,
em 28 de maio de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário