sábado, 24 de maio de 2025

Absurdos da “Ciência” Econômica - Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Os modelos dos economistas não integram o particular ao geral nem tocam o abstrato e o concreto ao mesmo tempo

Keynes dizia que os requerimentos exigidos do bom economista eram muitos: ele deveria combinar os talentos do “matemático, historiador, estadista e filósofo (na medida certa). Deve entender os aspectos simbólicos e falar com palavras correntes. Deve ser capaz de integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado e tendo em vista o futuro. Nenhuma parte da natureza do homem deve ficar fora da sua análise. Deve ser simultaneamente desinteressado e pragmático: estar fora da realidade e ser incorruptível como um artista, estando, embora noutras ocasiões, tão perto da terra como um político”.

A economia é um sistema complexo. Autor do livro Decoding Complexity: ­Uncovering Patterns of Economic Networks, James Glattfelder escreve no preâmbulo:

“A característica dos sistemas complexos é que o Todo exibe propriedades que não podem ser deduzidas das Partes individuais. Em suma, a teoria da complexidade trata de investigar como o comportamento macro decorre da interação entre os elementos do sistema”.

Isto significa que é crucial a identificação dos elementos do sistema econômico, mas, sobretudo, são decisivos os supostos que definem a natureza das relações entre esses elementos.

A metafísica e a epistemologia da corrente dominante ocultam uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade mercantil capitalista. Para esse paradigma, a sociedade onde se desenvolve a ação econômica é constituída mediante a agregação dos indivíduos, articulados entre si por nexos externos e não necessários.

Explicamos melhor este ponto, com a ajuda de Roy Bhaskar: se a concepção é atomística, então todas as causas devem ser extrínsecas. E se os sistemas não dispõem de uma estrutura intrínseca (isto é, esgotam-se nas propriedades atribuídas aos indivíduos que os compõem), toda a ação deve desenvolver-se pelo contato. Os indivíduos “atomizados” não são afetados pela ação e, portanto, ela deve resumir-se à comunicação das propriedades a eles atribuídas. Bhaskar está referindo-se ao paradigma da física clássica, mas a sua definição é imediatamente aplicável aos fundamentos da concepção neoclássica da sociedade econômica formada por indivíduos racionais e maximizadores, partículas que definem a natureza da ação utilitarista e que jamais alteram o seu comportamento na interação com as outras partículas carregadas de “racionalidade”. Os fundamentos da teoria econômica dominante definem coerentemente o mercado como um ambiente comunicativo, cuja função é a de promover de modo mais eficiente possível a circulação da informação relevante.

Essa ontologia tem uma expressão metafísica e outra epistemológica. A metafísica reivindica o caráter passivo e inerte da matéria e a causação é vista como um processo linear e unidirecional, externo aos movimentos da totalidade.

Na versão epistemológica, reduto preferido do positivismo, os fenômenos são apresentados como qualidades simples e independentes, apreendidas através da experiência sensível. Nesse caso, a causalidade é vista como a concomitância regular de eventos, que se expressa sob a forma de leis naturais, depois de processada pelo sujeito do conhecimento.

Os economistas poderiam buscar arrimo na física do século XX. A termodinâmica, a física dos quanta e a Teoria da Relatividade vêm descobrindo que os caminhos na Natureza não podem ser previstos com exatidão. As pequenas diferenças, as flutuações insignificantes podem ser produzidas em circunstâncias apropriadas, invadir todo o sistema e engendrar um novo regime de funcionamento.

Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, nas considerações finais do livro Entre o Tempo e a Eternidade concluem que as ciências não refletem a identidade estática de uma razão à qual era necessário submeter-se ou resistir, mas participam da criação de sentido ao mesmo nível que o conjunto das práticas humanas. “Elas não nos podem dizer o que ‘é’ o homem, a natureza ou a sociedade de tal maneira que, a partir desse saber, possamos decidir a nossa história.”

A física dos quanta iria radicalizar a revolução científica ao se desvencilhar completamente do determinismo da física clássica – a física dos grandes corpos, como a define Louis de Broglie.

A modelística macroeconômica contemporânea não foi capaz de realizar a delicada operação sugerida por Keynes, de “integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento”. •

*Este artigo foi escrito a partir dos livros Manda Quem Pode, Obedece Quem Tem Prejuízo e A Escassez na Abundância Capitalista.

Publicado na edição n° 1363 de CartaCapital, em 28 de maio de 2025.

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