sábado, 24 de maio de 2025

O pacotinho de maio e seus truques – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Há programas sociais cujos gastos ainda não foram incluídos no Orçamento. Podem ser necessários outros cortes e mais impostos

O conjunto de medidas anunciado pelo governo ficou assim: um congelamento de gastos de R$ 31,3 bilhões e um ganho de arrecadação (esperado) de R$ 20,5 bilhões, neste ano. No total, portanto, um ajuste de quase R$ 52 bilhões — e tudo isso para terminar este ano, pelos cálculos dos economistas, com déficit de R$ 76,6 bilhões, o que representaria 0,6% do PIB.

O ministro Fernando Haddad disse, entretanto, que espera terminar o ano com um déficit “perto” do centro da meta do arcabouço fiscal. Ora, a meta é déficit zero, um valor que fica bastante longe do rombo verificado nas medidas anunciadas na última quinta-feira. Como é possível ficar tão longe e tão perto ao mesmo tempo?

Com os truques. O primeiro é excluir alguns gastos da contabilidade oficial. No caso, o pagamento dos precatórios, previsto no valor de R$ 45,3 bilhões. O governo pagará, mas não precisa contabilizar. Mesmo tirando esse valor, o déficit previsto para o ano fica na casa dos R$ 31,3 bilhões, ainda muito longe do zero.

Entra aqui o segundo truque: pela regra do arcabouço, o déficit é zero, mas pode variar 0,25% do PIB para mais ou para menos. E aí, bingo, aquele buraco de R$ 31,3 bilhões equivale a 0,25% do PIB. Tudo considerado, se for efetivamente alcançado esse resultado, o governo poderá dizer que cumpriu a meta.

Depois o ministro reclama quando mercado e analistas consideram o arcabouço pouco crível. Como apontavam muitos observadores das contas públicas, o Orçamento aprovado para 2025 continha dois enganos básicos. A receita estava superestimada e a despesa subestimada.

Só no item “receitas extraordinárias”, as novas projeções apontam queda de 81,5 bilhões. Reparem: essas projeções foram feitas com base nos resultados efetivos verificados até abril. Em apenas quatro meses de execução orçamentária, aparece um desvio desse tamanho. No lado das despesas, também como apontavam os observadores, aumentou a previsão de gasto com Previdência e Benefício de Prestação Continuada.

Não deveria ser surpresa para ninguém. O INSS está na bagunça que se tem visto. A fraude nos descontos de aposentadorias e pensões revelou uma gestão inepta, para dizer o mínimo. Assim, o pente-fino que o governo anunciara nas contas previdenciárias não economizou nada. E a fila de pessoas que esperam algum benefício simplesmente dobrou nos últimos 12 meses, chegando a 2,7 milhões em abril. Se o INSS fosse mais eficiente, a despesa previdenciária teria sido ainda maior. Um observador de má vontade diria que deixam as pessoas na fila para não aumentar o déficit. Hipótese falsa: não seriam capazes disso.

Nada disso é estranho para quem faz as contas corretamente. As despesas obrigatórias (Previdência, benefícios, salários, educação e saúde) sobem, por lei, mais que o permitido pela regra do arcabouço fiscal. Logo, é preciso reduzir as demais despesas, chamadas discricionárias, incluindo investimentos e custeio. Esse é o objetivo das medidas anunciadas nesta semana. Para sobrar algum dinheirinho para o governo gastar nos seus projetos, é preciso subir impostos e aplicar os truques que transformam um déficit real de R$ 76,6 bilhões em meta zero cumprida.

A surpresa mesmo veio no forte aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), encarecendo operações de crédito, câmbio e previdência privada. As empresas grandes, médias e pequenas foram penalizadas. Resultado: ou a produção de bens e serviços fica mais cara ou se reduz, quando as empresas não puderem tomar crédito mais caro. Por isso é até possível que o governo não atinja a arrecadação prevista com o IOF. Um tiro no pé.

Tem mais: há programas sociais, como vale-gás e Pé-de-Meia, cujos gastos ainda não foram incluídos no Orçamento. Podem ser necessários outros cortes de gastos e mais impostos. Ou mudar a meta. É mais fácil, mas também mais danoso para a credibilidade do arcabouço. Finalmente, não deixa de ser irônico. Um governo empenhado em estimular o crescimento distribui benefícios a cidadãos ao mesmo tempo que encarece a atividade das empresas.

 

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