quarta-feira, 20 de abril de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Ouvir os sinais de perigo

Intencionalmente a política brasileira está travada, e se faz de cega diante dos insistentes sinais de alarme que lhe chegam de todas as direções, que não só desconsidera como os desqualifica. A essa altura já se manifestam evidências de que boa parte das elites se sente confortável, e com sólidas razões, às políticas do governo Bolsonaro, que temem perder na próxima sucessão presidencial. A renitente invocação de uma assim chamada terceira via, miragem que cultivam para inglês ver, não passa de um estratagema com que ocultam suas preferências in pettore para a continuidade das políticas atuais, se possível revisadas pontualmente em suas piores expressões.

Na cena atual o diabo é mais feio do lhe pintam, ele não está aí há apenas três anos, mas nos acompanha de muito perto desde os anos 1930 quando emasculou nossas instituições políticas com a introdução da fórmula corporativa, e poucos anos depois nos trouxe a Carta 1937 de clara inspiração fascista. A legislação do Estado Novo sobreviveu parcialmente no regime na Carta de 1946, especialmente em matérias afetas ao mundo do trabalho. A lei de segurança nacional de 1953, instrumento de arbítrio do Estado, deu mais uma prova da sobrevida do regime de 1937. Entre nós, a cultura política do iliberalismo não é moda recente, ela vem de longe como uma das marcas da modernização autoritária brasileira.     

Basta lembrar que o movimento massivo que derrotou o regime militar nos idos dos anos oitenta e nos trouxe a Constituição de 1988 foi impotente para alterar as relações anacrônicas de propriedade no mundo agrário, quando uma fronda reacionária ameaçou se levantar em armas para defende-las e preservar os meios de controle do sindicalismo. Passados três anos de governo Bolsonaro, os obstáculos às mudanças democráticas ainda mais se fortaleceram não só pela remoção de sistemas proteção do trabalho e do meio ambiente como também pela expansão de interesses turvos até então represados como na mineração e no agronegócio.

Vera Magalhães: Frente ampla pode enterrar outras vias

O Globo

Enquanto os partidos do autodenominado centro democrático entabulam uma gincana bizarra na tentativa de (não) apresentar um candidato a presidente, Lula vai comendo pelas beiradas e se prepara para anunciar nos próximos dias o que batizará de frente ampla para enfrentar Jair Bolsonaro.

Nenhum dos termos, frente ampla ou terceira via, é novo. Também não são inéditos os esforços para chegar a essas fórmulas que vão muito bem em pranchetas como aquelas em que técnicos de futebol desenham o esquema tático, mas dizem quase nada ao eleitor.

Desde a redemocratização, existiu na História recente do Brasil uma frente de fato ampla, que encontrou ressonância na sociedade. Foi aquela que uniu democratas de A a Z ao som de Fafá de Belém pelas Diretas Já!, em 1984.

O Lula de 2022 não tem cacife para unir em torno de si aquela amplitude de vozes, mas vai construindo aquilo que os partidos que querem se contrapor à polarização entre ele e Bolsonaro nem de perto arranham: falar para os políticos e para grandes parcelas da sociedade que é preciso unir diferentes para combater Bolsonaro.

MDB, PSDB e União Brasil sabotam qualquer uma das suas possibilidades de candidatos. Sem rumo nem projeto, vemos Sergio Moro derreter a cada dia, como um personagem que perdeu o eixo, e João Doria ter de lembrar diariamente que venceu a prévia que seu partido e o derrotado, Eduardo Leite, trabalham para invalidar. Menos atrapalhada, a senadora Simone Tebet até tenta estruturar uma pré-campanha, mas já está em fase de cristianização pelo próprio partido.

Luiz Carlos Azedo: Candidato de centro ainda tem um papel a cumprir

Correio Braziliense

As pesquisas estão mostrando que o espaço para uma candidatura nem Lula nem Bolsonaro está se reduzindo. Essa candidatura, mesmo não rompendo a polarização, decidiria o pleito no segundo turno

O presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), pretende cobrar uma definição dos demais partidos da chamada terceira via — PSDB-Cidadania e União Brasil — na próxima reunião de cúpula do grupo, marcada para 18 de maio, com objetivo de escolher um candidato único. “Não dá para adiar, ninguém aguenta mais essa indefinição”, desabafou, ontem, em conversa no cafezinho da Câmara. Segundo ele, há três candidaturas na mesa de negociação: Simone Tebet (MDB), João Doria (PSDB) e Luciano Bivar (União Brasil). “Uma delas deve ser escolhida”, afirmou.

Rossi descartou o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que trabalha para ser candidato de união: “O candidato indicado pelo PSDB é o Doria”. Faz sentido, para além da formalidade, porque o propósito do MDB é consolidar o nome de Tebet. A senadora por Mato Grosso do Sul se destacou na CPI da Covid e é respeitada pelos pares por sua atuação à frente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Ela é formada em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Simone Tebet, natural de Três Lagoas (MS), não é uma cristã nova na política. Aprendeu o jogo do poder com o pai, Ramez Tebet, que foi governador do Mato Grosso do Sul, prefeito de Três Lagoas e senador da República. Atuou por 12 anos como professora universitária e foi consultora e diretora legislativa da Assembleia Legislativa do estado. Foi deputada estadual, prefeita de Três Lagoas por dois mandatos e vice-governadora no governo Puccinelli, cargo no qual permaneceu até 2015, quando assumir o mandato de senadora. Aos 52 anos, tem cancha de político profissional.

Fernando Exman: Semanas críticas para o destino do PSDB

Valor Econômico

Disputa interna atrasa formação de palanque de Doria em Minas

Paulista, Franco Montoro costumava agradecer à representação de Minas Gerais pela sugestão, apresentada nas reuniões preparatórias para a formação do PSDB, de adoção do tucano como símbolo do partido que seria criado em 1988.

O primeiro presidente da legenda elencava três motivos para justificar a escolha: a cor amarela lembrava a campanha pelas Diretas, a ave era símbolo do movimento ecológico e, por fim, o pássaro tinha grande conexão com a própria imagem da nação. No decorrer dos anos, contudo, nem sempre o PSDB foi um habitat onde tucanos paulistas e mineiros conseguiram coexistir em completa harmonia.

Hoje não é diferente. O partido enfrenta grave crise e, dependendo do desfecho do atual processo público de autoflagelo, talvez seja necessário recalcular seu peso no jogo político. O PSDB tem poucas semanas para decidir se mantém um projeto próprio na disputa pelo Palácio do Planalto ou se aceita compor com partidos aliados, inclusive cedendo a cabeça de chapa.

Armando Castelar Pinheiro*: Riscos inflacionários

Valor Econômico

Está na hora de os BCs encararem a inflação mais de frente

A alta do IPCA em março, de 1,62%, maior do que todas as outras registradas no mesmo mês desde o lançamento do Plano Real, 28 anos atrás, assustou. Não apenas pelo resultado em si, mas também pelo contexto em que veio, com a inflação rodando em patamares muito acima das metas fixadas para a autoridade monetária, registrando taxas que surpreendem sempre para cima, às vezes parecendo que a inflação pode sair de controle.

Nos 12 meses até março, o IPCA subiu 11,3%. A meta para 2021 era de 3,75%, para este ano é de 3,5%. A realidade e a meta não conversam uma com a outra. De fato, este ano o IPCA já subiu 3,2%, praticamente “atingindo” a meta para 2022 apenas no primeiro trimestre do ano. E meta que não conversa com a realidade perde sua funcionalidade de ancorar as expectativas, claro.

Vinicius Torres Freire: O Brasil na rabeira do mundo

Folha de S. Paulo

País continua andando devagar mesmo para os padrões menos que medíocres da vizinhança

As maiores economias do mundo vão crescer menos em 2022 do que o FMI previa antes da guerra. O Brasil é uma das pouquíssimas que se salvaram da revisão para baixo das estimativas do Fundo Monetário Internacional. Em vez de crescer 0,3% neste ano, cresceria 0,8%.

Quanto América Latina e Caribe vão crescer, na estimava do Fundo? O triplo do crescimento brasileiro: 2,5%. No caso de 2023, chute ainda mais arriscado, o Brasil cresceria 1,4% e América Latina & Caribe de novo 2,5% (o que inclui o crescimento brasileiro, claro, empurrando a média regional para baixo).

Previsões de crescimento costumam estar bem erradas. As do FMI (e as do Banco Mundial e as da OCDE) foram horrivelmente erradas assim que começou a epidemia, em particular para o Brasil. Mas, além dos números, a historinha contada pelo Fundo tem algum interesse, embora não seja também lá novidade.

Hélio Schwartsman: Militares na berlinda

Folha de S. Paulo

Incompetência, roubalheira e pusilanimidade resumem o noticiário

O noticiário relativo às Forças Armadas nos últimos meses é tão calculadamente negativo que parece parte de uma campanha publicitária concebida para desmoralizar os militares.

Primeiro botaram um general de intendência para comandar o Ministério da Saúde na pior fase da pandemia. Sua gestão foi um pesadelo médico —o que não surpreende muito, já que o general não é do ramo— e logístico. Faltou oxigênio em Manaus e houve atraso nas compras de vacinas, sobre as quais há suspeitas de corrupção.

Depois vieram a público itens nos quais o Ministério da Defesa gastou verba da Covid-19. Eles incluem milhares de litros de cerveja, uísque e conhaque finos, toneladas de filé mignon e picanha, além de bacalhau e camarão —e tudo com indícios de superfaturamento. Se as pessoas já achavam que quartéis eram templos de hedonismo, essa impressão fica consolidada agora, com a informação de que os militares andaram comprando dezenas de milhares de comprimidos de sildenafil, o genérico do Viagra, também com suspeita de superfaturamento. A explicação de que a droga se destina a tratamento de hipertensão pulmonar é difícil de conciliar com a epidemiologia da moléstia, que é rara e afeta principalmente mulheres.

Mariliz Pereira Jorge: As Forças Armadas e seus covardes

Folha de S. Paulo

Só a covardia explica o desdém demonstrado pelo general Gomes Mattos

Não sei quantas estrelas tem o general Luís Carlos Gomes Mattos, mas me lembrei do que diz Renato Russo, em "Faroeste Caboclo", sobre generais de dez estrelas sentados atrás de uma mesa. Só a covardia explica o desdém demonstrado por ele, que é presidente do STM, ao se manifestar sobre os áudios que comprovam o conhecimento de ministros do Tribunal sobre a prática de tortura nos anos 1970.

A outra possibilidade era a de que se tratava de uma esquete de humor. Aquele tipo que carrega na tinta para retratar absurdos. Cheguei a considerar. Só não tinha entendido a caracterização do ator como alguém que mal consegue se expressar num português básico. Se não viu, veja. O Exército deveria gastar dinheiro com reforço escolar, incluindo aulas de alfabetização e história, e não com Viagra e prótese peniana.

Vera Rosa: A consulta de Lula ao Exército

O Estado de S. Paulo

No auge da crise, Bolsonaro chegou a cogitar até mesmo mandar tropas para o Supremo

Emissários do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm sondado generais da cúpula do Exército. Sem rodeios, querem saber se Lula conseguirá tomar posse, caso seja eleito. A resposta não foge ao script: nada impedirá o vencedor, qualquer que seja ele, de assumir a cadeira no Palácio do Planalto.

Um dos interlocutores de Lula e dos militares de alta patente é o ex-ministro da Defesa e da Justiça Nelson Jobim, que também comandou o Supremo Tribunal Federal. “A impressão que fico, nessas conversas, é a de que as Forças Armadas são totalmente legalistas”, disse Jobim ao Estadão.

Na cerimônia desta terça-feira, 19, em homenagem ao Dia do Exército, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas “não dão recados” e “sabem” o que é melhor para o povo. “Não podemos jamais ter eleições no Brasil sobre as quais paire o manto da suspeição”, discursou. Apesar da frase de efeito, ele condecorou magistrados e até “elogiou” Luís Roberto Barroso, o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral a quem já se referiu como “filho da p...”.

Elio Gaspari: A tortura produziu uma milícia

O Globo / Folha de S. Paulo

A revelação, pela repórter Míriam Leitão, das gravações pesquisadas pelo professor Carlos Fico nos arquivos do Superior Tribunal Militar tirou do armário o esqueleto da tortura praticada nos porões dos quartéis durante a ditadura. Engana-se o vice-presidente, Hamilton Mourão, quando pergunta: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”.

Mark Twain ensinou, há mais de um século: “A História não se repete, mas rima”.

É pela rima que convém recuperar as falas de dois ministros do STM. O general Rodrigo Octávio Jordão Ramos morreu em 1980, e o almirante Júlio de Sá Bierrenbach em 2015. Ambos foram oficiais ativos dos períodos de anarquia militar do século passado. Rodrigo Octávio, ou R.O., era um obsessivo defensor da presença do Exército na Amazônia. Defenderia em sessões secretas e públicas a apuração das denúncias de tortura. Ambos sabiam o que acontecia nos porões.

A partir de 1976, Bierrenbach e R.O. tornaram-se paladinos do combate à “tigrada” que se apoderara do aparelho repressivo da ditadura. O general deixou o STM em 1979, quando lhe foi negada a vez para assumir sua presidência. O almirante fez o que pôde para apurar o atentado do Riocentro, de 1981, em que morreu o sargento do DOI quando explodiu a bomba que tinha no colo.

Para buscar a rima, é preciso voltar a 1976. Em janeiro, o presidente Ernesto Geisel havia demitido o general comandante da guarnição de São Paulo depois da morte do operário Manoel Fiel Filho numa cela do DOI. Fiel era o terceiro preso “suicidado” naquele DOI desde agosto de 1975. Punham-se bombas em bancas de jornais que vendiam semanários oposicionistas. Para desgosto da “tigrada”, desde fevereiro, R.O. defendia um caminho para o retorno à normalidade democrática. (O telefone de seu filho, tenente-coronel, estava grampeado.)

Bernardo Mello Franco: Vexames em verde-oliva

O Globo

Após o fim da ditadura, as Forças Armadas dedicaram três décadas à tentativa de recauchutar sua imagem pública. Bastaram três anos de governo Bolsonaro para jogar esse esforço por água abaixo.

O primeiro mito a cair foi o da eficiência fardada. Os oficiais venderam a ideia de que sua formação rígida, baseada em hierarquia e disciplina, produziria superquadros para funções civis. Então Bolsonaro nomeou Eduardo Pazuello para comandar o Ministério da Saúde em plena pandemia.

O general confessou que “nem sabia o que era o SUS” quando assumiu a pasta. Sua gestão ficou marcada pela letargia, pela incompetência e pela submissão ao negacionismo presidencial. Sob intervenção fardada, o ministério atrasou a compra de vacinas e deixou faltar oxigênio em hospitais. Pazuello foi apresentado como especialista em logística. Num episódio inesquecível, imunizantes reservados para o Amazonas foram parar no Amapá.

Cristovam Buarque*: Alianças, diálogos, ideias

Correio Braziliense

Na medida em que se aproxima mais uma eleição, vale a pena lembrar projetos que no passado orgulharam Brasília e se espalharam pelo Brasil, graças a alianças, conversas e ideias vindas da população.

O Bolsa-Escola surgiu ainda com o nome "Renda mínima vinculada à educação", no Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo, da Universidade de Brasília (UnB). A proposta foi apresentada, nos anos 1980, para todo o Brasil. Foi o jornalista Hélio Doyle quem levantou a possibilidade de aplicá-la apenas no Distrito Federal (DF). Havia a objeção de que isso atrairia milhares de famílias. Encontramos solução exigindo que a família beneficiada morasse no DF há pelo menos cinco anos.

No sábado passado, este jornal fez editorial informando que, no Nordeste, há mais pessoas dependendo do Auxílio Brasil do que vivendo de salário graças ao trabalho. A pandemia e os erros da economia contribuem para isso, mas é sobretudo a baixa escolaridade que desloca pessoas do mercado de trabalho para as políticas assistenciais. Por isso, ao criar o Bolsa-Escola, Brasília foi exemplo de como atender necessidade imediata de renda, graças à bolsa, e de transformação social e emancipação pessoal, graças à escola.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Bomba fiscal não tardará a explodir

O Globo

É preocupante, desesperadora até, a bomba fiscal que vem sendo gestada em Brasília. Na tentativa de aumentar suas chances nas eleições de outubro, o presidente Jair Bolsonaro passou a conceder benesses que deteriorarão ainda mais um Orçamento onde já não existe espaço para nada e aumentarão o risco de déficits crescentes nas contas públicas.

As principais — não as únicas — são o corte de impostos de olho em eleitorados estratégicos e o aumento salarial irresponsável ao funcionalismo. Mesmo medidas sensatas, como a correção da tabela do Imposto de Renda (IR), terão impacto negativo. Pensado sem nenhum juízo, o leilão de regalos aumentará o endividamento público e acabará estourando no colo de toda a sociedade nos próximos anos.

Medir o tamanho da bomba fiscal é um desafio. Basta ver o que aconteceu no Orçamento deste ano, cujas despesas já vieram infladas pelo estouro do teto de gastos. O economista Marcos Mendes, do Insper, analisou o aumento de despesas não incluídas e chegou a um valor aproximado de R$ 25 bilhões, quantia que ainda poderá crescer se prosperarem projetos com menor probabilidade de aprovação. Se acrescentado o reajuste linear de 5% ao funcionalismo no final do semestre, o rombo subiria a R$ 31 bilhões.

Poesia | Graziela Melo: A dor

A dor que se esconde
na prateleira
de minha
alma
é rosa
não é cinza
me acalenta
e acalma.
Alerta,
enquanto durmo,
espanta-me
os pesadelos.

Embala-me
com sonhos belos.
Enrosca-se
em meus cabelos.

Pernoita
nos meus lençóis.
Cativa-me
com doces gestos.
Mistura-se
aos meus temores.
Desperta
quando amanheço.

Música | Margareth Menezes: Saudação ao Caboclo

 

terça-feira, 19 de abril de 2022

Opinião do dia - Renan Calheiros*: Escória

O deboche inumano do vice-presidente Mourão com os que foram torturados na ditadura dá a exata dimensão da escória que chegou ao poder com Bolsonaro.”

*Renan Calheiros, Senador (MDB-AL), O Globo, 19.4.22

Daniela Chiaretti: O eleitor e o clima: um enigma das urnas

Valor Econômico

Por quais razões o brasileiro é dos que mais acreditam na mudança do clima mas não votam nesta agenda?

O sexto relatório sobre a ciência do clima, os impactos da mudança climática e os esforços de adaptação necessários divulgado em três pedaços nos últimos seis meses pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC, veio recheado de dados contundentes, cenas do presente e previsões para um futuro muito próximo mais assustadores do que o de filmes-catástrofes. O brasileiro, por surpreendente que pareça, é dos povos no planeta que mais acredita que a mudança do clima existe, é provocada pelo homem, está acontecendo e pode piorar. A maioria esmagadora -94%- pensa assim, principalmente mulheres. Isso em uma população em que 7% acredita que a terra é plana, segundo pesquisa Datafolha de 2019 e onde um em cada quatro acha que não, imagine, o homem nunca foi à Lua.

Mas então, se os brasileiros falam sério quando dizem entender como poucos o potencial devastador da mudança do clima, por qual bizarrice elegem governantes que desmontam a agenda ambiental como poucos e deixam que a Amazônia queime como ninguém? Como pensam eleitores que sabem que há um iceberg à frente, percebem que o navio está indo velozmente contra ele e deixam o barco afundar sem fazer nada?

Andrea Jubé: PSB cobra mais ‘centro’ na frente Lula-Alckmin

Valor Econômico

Após a reunião com as centrais sindicais, na quinta-feira, em que o ex-governador Geraldo Alckmin gritou um entusiasmado “viva Lula, viva os trabalhadoooores do Brasil”, o ex-tucano e seu futuro companheiro de chapa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vão reaparecer juntos no Congresso Nacional do PSB, em Brasília. Ambos são aguardados para a abertura do evento, no dia 28.

Será a terceira aparição da dupla em público, desde o início dos ritos para sacramentar o inesperado enlace. O registro oficial da chapa, entretanto, somente ocorrerá após as convenções partidárias entre julho e agosto. A primeira fotografia, criticada pela falta de diversidade (ausência das minorias), remonta a 8 de abril, quando as cúpulas de PT e PSB celebraram o noivado político.

O segundo ato público entre Lula e Alckmin foi no dia 13, no evento com sindicalistas, quando o neo-pessebista chamou o petista de “maior líder popular deste país”. Na véspera, o diretório nacional do PT havia aprovado a indicação do ex-tucano para compor a chapa como vice de Lula por 68 votos a favor e 16 contrários.

O Congresso Nacional do PSB ocorrerá entre os dias 28 e 30 de abril, quando a atual Executiva Nacional será reconduzida para um novo mandato e será votada a “autorreforma” programática da legenda.

O presidente do PSB, Carlos Siqueira, que será reeleito, adiantou à coluna que haverá vagas na nova direção para as lideranças que acabaram de chegar ao PSB.

Além de Alckmin, os deputados Marcelo Freixo (RJ) e Tabata Amaral (SP) e o ex-governador do Maranhão Flávio Dino ganharão assento no diretório nacional. “Precisamos incluir as novas lideranças que ingressaram no partido, que são muito representativas”, explicou Siqueira. “É um rearranjo da direção, para que ela possa expressar as novas do partido”.

Hélio Schwartsman: Epidemia mostrou que Bolsonaro é leviano demais para governar

Folha de S. Paulo

Presidente militou pessoal e insistentemente contra as vacinas

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou o fim da emergência sanitária da Covid-19 no Brasil.

Do ponto de vista comportamental, ele está atrasado. Faz semanas que a maior parte da população já age como se a doença não existisse mais. Do ponto de vista da gestão, a decisão é precipitada, já que há uma série de medidas, como a utilização da Coronavac, que dependem da declaração de emergência para ocorrer legalmente. E do ponto de vista do vírus, o Ministério da Saúde é irrelevante.

Independentemente do que faça ou diga Queiroga, o Sars-CoV-2 continuará evoluindo segundo os caprichos da seleção natural, podendo ou não produzir uma linhagem que volte a nos devastar.

O ministro, porém, é pau-mandado de Jair Bolsonaro, que está doido para deixar a epidemia para trás. Foi por isso, não por razões médicas, que ele decretou o fim da emergência. Não se deve ser ingênuo a ponto de acreditar que a política não influa nesse tipo de decisão. João Doria, dias antes de deixar o governo de São Paulo, também deu seu showzinho, anunciando o fim da exigência de máscaras em ambientes internos. A medida, embora não configure uma roleta russa, estava longe de ser consenso entre os especialistas....

Alvaro Costa e Silva: A bancada do golpe

Folha de S. Paulo

O fato de golpistas assumidos pedirem votos não é paradoxo, é retrato do Brasil

"Há males que vêm pra pior." Lembrei a frase de Millôr Fernandes (aliás, o que o guru do Méier diria sobre o abismo em que nos metemos?) ao descobrir que, além das bancadas da bala, do boi e da Bíblia, prepara-se uma nova para povoar o Congresso: a dos alvos do STF, ou, simplificando, a bancada do golpe. O fato de golpistas assumidos pedirem votos à população não é um paradoxo, é o retrato do Brasil.

Com a cara de pau que Bolsonaro lhes deu, vão se candidatar, entre outros, Zé Trovão, que incentivou caminhoneiros a fechar as estradas do país no golpe fracassado de 7 de setembro; Roberto Jefferson, veterano do mensalão; Otávio Fakhoury, empresário que financia mentiras na rede. O ferrabrás Daniel Silveira aguarda o julgamento na corte para saber se poderá concorrer ao Senado. Vale até revelar podres do ex-chefe, como faz Abraham Weintraub, que mira alto: o governo de São Paulo.

Cristina Serra: Odorico Paraguaçu e o Viagra de nossos desapetrechados militares

Folha de S. Paulo

Sucupira foi a profecia do que viria a ser o Brasil sob Bolsonaro

Exibida 50 anos atrás, a novela "O Bem-Amado", do dramaturgo Dias Gomes, guarda desconcertante correspondência com o Brasil atual. Na pele do excepcional Paulo Gracindo, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, encarnava a síntese do que hoje se chama necropolítica, quando essa palavra talvez nem existisse.

A única obra do prefeito é um cemitério, e ele trama o tempo todo a morte de algum cidadão para inaugurá-lo. Odorico manda até roubar vacinas que poderiam evitar uma epidemia. É quase uma profecia do que viria a ser o Brasil sob Bolsonaro.

Dias Gomes nos faz refletir sobre um país violento e autoritário por meio de muitos outros personagens. Tem o empresário que estupra por "diversão" e os playboys que, por "curtição", tocam fogo num homem que dormia na rua.

Eliane Cantanhêde: A ‘incubadora’

O Estado de S. Paulo

‘Meninos’ de Ciro Nogueira, do PP, e de Valdemar Costa Neto, do PL, no governo

Pelo visto, o senador e atual chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, Ciro Nogueira, mantém nos seus gabinetes, desde o Senado, uma incubadora de meninos e meninas que vêm a ocupar cargos no Executivo onde rola muito dinheiro.

Eles passam um tempo lá, atravessam a Praça dos Três Poderes e vão progredindo na vida, executando no governo tudo o que aprenderam no Congresso. O problema é a imprensa.

José Roberto Batochio*: O sol e a República

O Estado de S. Paulo

A coisa pública tem sido opacificada por deliberada obscuridade. O lema hoje parece ser: governar é omitir, julgar é esconder, legislar é ocultar.

A boa e velha sabedoria da Roma Antiga, farol civilizatório do mundo a partir do século VII a.C., entronizou em seu panteão a deusa Justiça como réplica latina da helênica Dice, com uma diferença que se afirmaria como ícone para a posteridade: a simbolizar a imparcialidade, permanecia a divindade de olhos vendados, a tornar claro que não importava quem se estava a julgar. A mensagem era clara: todos são iguais perante a lei. No entanto, a Justiça deveria, ela mesma, estar sempre iluminada pela luz do sol, escrutinada pelos cidadãos e isenta de segredos e decisões cabulosas tomadas nas sombras do hermetismo.

A regra da transparência atravessou os séculos e enraizou-se nos atos e ritos dos assuntos de Estado, passíveis de documentação para conferência dos órgãos controladores e do povo. O Brasil é um dos países com maior incidência solar no planeta, mas a claridade exigida dos atos relativos à res publica, a coisa pública, tem sido opacificada por deliberada obscuridade. O lema dos dias que correm parece ser: governar é omitir, julgar é esconder, legislar é ocultar. Por isso que aos cidadãos têm sido sonegadas as mais ínfimas informações acerca de decisões relativas a temas que, por natureza, são públicos e só excepcionalmente, em atenção à defesa do Estado, devem ser resguardados em sigilo, e apenas por um período que seja razoável.

Nestes tempos estranhos em que são frequentes ações voltadas a nublar a luz do sol, até o Legislativo, o mais transparente dos Poderes, engendrou um “orçamento secreto” que oculta o nome de parlamentares beneficiados em 2020 e 2021 pelas chamadas emendas de relator – mecanismo esotérico pelo qual milhões de reais dos cofres públicos são destinados a obras e serviços sem que se saiba qual parlamentar se beneficia da transferência em troca de apoio ao Executivo.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira*: Sem amá-lo não teremos o Brasil dos nossos sonhos

O Estado de S. Paulo

É necessário que reconheçamos as nossas virtudes e as nossas mazelas, mas sem nos considerarmos inferiores.

Chegou a hora e não podemos permitir que se torne uma hora tardia. O ano eleitoral nos possibilita uma análise de quem somos, de quem fomos e do que queremos ser. O escopo deste escrito não é fazer apologia de algum candidato. Seu objetivo é tecer algumas considerações sobre a imperiosa necessidade de adquirirmos ou readquirirmos autoestima como povo e como nação. Sem amor ao País e crença nas potencialidades do homem brasileiro, dificilmente construiremos a pátria que desejamos.

Este é momento propício para fazermos uma revisão do que pensamos de nós e para indagar do que somos capazes. O momento é crucial, pois nunca o Brasil precisou tanto da sua sociedade como agora. A partir da aquisição de estima, conhecimento e confiança em nós mesmos, temos de nos mostrar aptos a enfrentar nossos problemas e deixar de atribuir ao Estado e às elites responsabilidades exclusivas. O povo já está mostrando ser mais generoso e solidário do que as elites, fato que o credencia para assumir questões que o afligem e são ignoradas por quem não as sente.

Luiz Carlos Azedo: Áudios rompem o silêncio militar sobre torturas

Correio Braziliense

A tortura e a eliminação física de oposicionistas foram uma política de Estado, denunciada por suas vítimas e advogados nos tribunais. Não eram divulgadas pela imprensa porque havia censura

Questionado sobre os áudios divulgados pela jornalista Míriam Leitão em sua coluna no jornal O Globo, que mostram sessões do Superior Tribunal Militar (STM) na época do governo ditatorial, nas quais os ministros generais que integravam o órgão falam sobre torturas, o vice-presidente Hamilton Mourão respondeu: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. (risos). Vai trazer os caras do túmulo de volta?”

General da reserva, Mourão traduziu uma espécie de senso comum entre os militares: o silêncio das Forças Armadas em relação à questão das torturas, dos assassinatos e dos desaparecimentos de oposicionistas durante o regime militar. Colocou-se uma pedra sobre esse assunto. As Forças Armadas se recusam a revisitá-lo publicamente, com um olhar autocrítico e democrático, como ocorreu em outros países.

Essa atitude é legitimada pelo pacto de aprovação da “anistia recíproca”, pelo Congresso, em 1979. O acordo entre o governo militar e a oposição, que beneficiou “subversivos” e torturadores, é um assunto sacramentado, também, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Àquela época, a anistia foi um efetivo avanço em direção à democracia, pois possibilitou a libertação de presos políticos e a volta dos políticos exilados. Entretanto, enfrentou reações dos “porões” do antigo regime militar, inclusive por meio de atentados à bomba, entre os quais o do Rio Centro, que fracassou.

Merval Pereira: Nunca mais

O Globo

A tentativa de negar, ou mesmo de naturalizar,  as torturas cometidas por militares durante a ditadura acaba de cair por terra com a revelação, pela colunista Miriam Leitão, de áudios de ministros do Superior Tribunal Militar (STM) discutindo, durante sessões secretas, denúncias de presos políticos.

A Comissão Nacional da Verdade, convocada no governo Dilma, já havia revelado que a tortura era um instrumento do Estado no combate aos guerrilheiros de esquerda, e o dossiê “Tortura Nunca Mais” elencado os nomes de centenas de torturadores, muitos deles militares, com base em depoimentos de presos políticos.

O Estado brasileiro, durante o governo Fernando Henrique, assumiu a reparação dos prejuízos físicos e sociais sofridos durante a ditadura militar, indenizando as vítimas de abusos nos governos militares.

Agora, há áudios de ministros militares revelando que o assunto foi tratado com leniência pelas Forças Armadas, numa visão deformada de que defender torturadores as preservaria. A ironia do vice-presidente General Hamilton Mourão sobre o caso é uma demonstração de que essa atitude continua até hoje.

Carlos Andreazza: Governo Braga Costa Net(t)o

O Globo

Não há corrupção. Há fotos apagadas e ataques à Lei de Acesso à Informação pela sociedade firmada entre o governo militar de Bolsonaro e o consórcio arthur-nogueira-neto.

Não há corrupção. Pode haver ruído circunstancial no arranjo societário. Nada que não se ajeite. Os pastores do MEC estiveram abençoados com franjas do FNDE; até se exibirem. Daí o alarido. Já silenciado. Não há corrupção. Há pano rápido.

O governo honesto é corporativista, como corporativista é a gestão eleitoreira do Orçamento. Ciro Nogueira, o verdadeiro Guedes, sabe distribuir. Sócios também os fardados, a materialização — ainda que com Viagra, em último caso com próteses penianas — do ímpeto patrimonialista do Planalto. O pulo do gato está na reserva.

Não há corrupção. Há filtros: gabinetes paralelos e sigilo. Não existirá mesmo corrupção num governo que se limpa entre a multiplicação de estruturas influentes informais e a decretação de segredos centenários, processo tocado por um gabinete formal, o de Segurança Institucional, a serviço do universo em que Bolsonaro e seus barros são probos.

Míriam Leitão: A verdade histórica que tentam sepultar

O Globo

Não será possível trazer ninguém do túmulo. Nem vítimas, nem torturadores, nem mesmo os confusos ministros do Superior Tribunal Militar (STM). Mas é possível reafirmar os fatos históricos que têm sido negados pelo presidente da República, pelo vice-presidente, pelo Ministério da Defesa em suas notas de comemoração da ditadura, pelos generais de pijama dos quais Jair Bolsonaro se cercou. A ironia desrespeitosa com que o general Hamilton Mourão reagiu ontem à pergunta sobre os áudios do STM confirma a relevância do trabalho dos historiadores, como Carlos Fico, de resgate destas vozes do passado.

As vozes mostravam que o Superior Tribunal Militar sabia das “torturas e sevícias mais requintadas”, como disse o general Rodrigo Octávio, ou do “cancro” que havia se formado dentro do aparelho de repressão, para usar a palavra do brigadeiro Julio de Sá Bierrenbach. O general Augusto Fragoso se disse “constrangido” quando ouvia falar de “Doi-Codi, Doi-Codi, Doi-Codi”.

Os generais, brigadeiros e almirantes, os juízes togados que se sentavam naquele tribunal durante a segunda metade dos anos 1970 estavam julgando os casos que haviam acontecido na primeira metade, exatamente os anos que se seguiram ao Ato Institucional número 5. Foi o pior momento. Quando a máquina de tortura, morte e ocultação de cadáveres estava no seu auge. Estava também no auge, naquele começo dos anos 1970, o crescimento econômico. O milagre foi excludente, concentrador, e precisou de repressão política brutal. Estranho milagre.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Tortura deve ser sempre condenada

O Globo

Países que teimam em não aprender com o passado correm riscos sérios no futuro. É esse o recado dos áudios inéditos de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) entre 1975 e 1985, revelados pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e publicados pela colunista do GLOBO Míriam Leitão. Está lá, de forma inequívoca, a prova de que ministros da Corte sabiam da prática de tortura. Os áudios trazem à luz, mais uma vez, evidências das atrocidades cometidas nos porões do regime militar.

É missão intransferível da sociedade brasileira lembrar e denunciar os crimes contra a humanidade cometidos pelos agentes do Estado. Igualmente importante, é dever de todo cidadão atentar para como reagem as figuras públicas a essas revelações. Quem apoia os torturadores do passado ou faz pouco-caso das vítimas é contrário à dignidade humana. Não há meio-termo.

É comum ouvir no meio militar que a análise da ditadura costuma ser enviesada, por ignorar os crimes da luta armada ou as intenções autoritárias dos movimentos de esquerda. Foi essa a essência das críticas feitas por alguns militares ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, convocada em 2012 para historiar os abusos. Mas, por mais que a guerrilha tenha cometido crimes, isso em nada muda os que foram responsabilidade do Estado brasileiro. É inadmissível usar aqueles como argumento para justificar a tortura e a morte de militantes de esquerda por agentes da ditadura. Não se trata tampouco de contestar a Lei da Anistia, sancionada em 1979 e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010.

Poesia | Bertold Brecht: É preciso agir

 

Música | João Nogueira: Baile no Elite

 

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Opinião do dia - Hannah Arendt: revolução e política

“Em caso de revolução, o fim pode ser a destruição, ou mesmo restauração, da velha ordem política ou a construção de uma nova. Esses fins não são o mesmo que objetivos, que é o que a ação política sempre busca: os objetivos da política nunca são mais do que diretrizes e diretivas pelas quais nos orientamos e que, como tais, não são inflexíveis, dado que as condições de sua concretização mudam constantemente por lidarmos com outros indivíduos que têm seus próprios objetivos.”

*Hannah Arendt (1906-1975), “A promessa da política”, p. 256. Difel, Rio de Janeiro, 2008.

Marcus André Melo*: Polarização e falsas simetrias

Folha de S. Paulo

Divergências programáticas não importam quando a polarização tem base afetiva

A polarização volta a ocupar lugar de destaque no debate público, mas este tem sido marcado por um claro equívoco. A polarização não se define por divergências programáticas —por dissenso em torno de políticas públicas —e sim por intensa animosidade em relação aos rivais na arena política. Ela não é fundamentalmente programática, mas afetiva.

Há um outro problema no debate: a suposição de que as preferências políticas estejam distribuídas ao longo de uma única dimensão, na qual se pode identificar posições extremas ou de centro. Falar de "falsa simetria", por exemplo, é ignorar que polarização e preferências de políticas públicas são questões distintas. As evidências são robustas de que a polarização atual nos EUA e em outros países tem se acentuado sem que a divergência no eleitorado sobre políticas públicas tenha se intensificado. Há casos em que o contrário ocorreu.

Na realidade, as preferências são multidimensionais, e isso tem se exacerbado. Como caracterizar o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, que é radicalmente pró-mercado e ecofriendly; abertamente gay e a favor da imigração (o que é consistente com sua ascendência indiana). Ou seu partido, Fine Gael, que faz parte do EPP, grupo conservador do Parlamento Europeu do qual fazem parte o Partido Popular espanhol, Os Republicanos na França e a Forza Italia, o partido de Berlusconi? Não se trata de exemplo isolado, pelo contrário.

Carlos Pereira*: O enfarte das alternativas à polarização

O Estado de S. Paulo

Risco de eleger uma bancada menor de deputados reduz incentivos de lançar candidato a presidente

fundo eleitoral restringiu o apetite dos partidos para lançar candidatos à Presidência. A despeito dos valores vultosos (R$ 4,9 bilhões) reservados aos partidos, os recursos de campanha para presidente, paradoxalmente, ficaram escassos. 

O fundão tornou a campanha presidencial ainda mais cara. Antes, o partido que tinha um candidato à Presidência podia captar recursos de empresas. Agora não mais. Os partidos têm que disputar recursos com as outras candidaturas, inflacionando o jogo. Quem não tem candidato à Presidência tem uma clara vantagem.

Quanto mais recursos forem alocados para candidatos à Presidência, menos estarão disponíveis para outros cargos eletivos, especialmente para o Legislativo federal que, em última instância, é o que vai definir o quinhão de recursos a que cada partido terá direito no próximo ciclo. Esse talvez tenha sido o efeito perverso não antecipado do fundo público de campanha. 

Cristiano Romero: A fragilidade da “Terceira Via”

Valor Econômico, 14.4.22

Aliança com PSDB sempre interessou a Lula

Tudo indica que, ao conseguir a proeza de compor chapa com o ex-tucano Geraldo Alckmin, agora filiado ao PSB, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha em mente cumprir três objetivos, todos, evidentemente, destinados a tornar mais competitiva sua candidatura à Presidência da República:

1. Unir, finalmente, as duas maiores forças da social-democracia no Brasil, no momento em que a disputa de poder que caracterizou a relação entre PT e PSDB, desde a eleição de 1994, perdeu o sentido e, dos líderes que travaram essa batalha, apenas ele, Lula, tem neste momento chances reais de voltar a subir a rampa do Palácio do Planalto;

2. Convencer as elites empresariais e financeiras de que, com Alckmin vice-presidente, ex-representante da ala mais conservadora do PSDB, seu possível terceiro mandato será mais parecido com o que foi o primeiro termo no cargo, entre 2003 e 2006, do que foi o pesadelo da gestão petista de Dilma Rousseff;