segunda-feira, 18 de abril de 2022

Carlos Pereira*: O enfarte das alternativas à polarização

O Estado de S. Paulo

Risco de eleger uma bancada menor de deputados reduz incentivos de lançar candidato a presidente

fundo eleitoral restringiu o apetite dos partidos para lançar candidatos à Presidência. A despeito dos valores vultosos (R$ 4,9 bilhões) reservados aos partidos, os recursos de campanha para presidente, paradoxalmente, ficaram escassos. 

O fundão tornou a campanha presidencial ainda mais cara. Antes, o partido que tinha um candidato à Presidência podia captar recursos de empresas. Agora não mais. Os partidos têm que disputar recursos com as outras candidaturas, inflacionando o jogo. Quem não tem candidato à Presidência tem uma clara vantagem.

Quanto mais recursos forem alocados para candidatos à Presidência, menos estarão disponíveis para outros cargos eletivos, especialmente para o Legislativo federal que, em última instância, é o que vai definir o quinhão de recursos a que cada partido terá direito no próximo ciclo. Esse talvez tenha sido o efeito perverso não antecipado do fundo público de campanha. 

É como se as artérias partidárias estivessem prestes a enfartar. Nessa situação, o corpo desenvolve circulação colateral, especialmente quando o miocárdio sofre uma redução paulatina do aporte sanguíneo, sinalizando que as artérias coronárias estão em vias de entupir. Mas quando o processo de entupimento é rápido, não oferecendo tempo hábil para o desenvolvimento de circulação colateral, o miocárdio enfarta.

As coronárias do sistema político já dão sinais de obstrução com Lula Bolsonaro, que se nutrem da polarização que, perversamente, cria barreiras ao surgimento de alternativas. O risco é de que o fundão obstrua as coronárias do sistema partidário antes de os partidos gerarem candidaturas colaterais competitivas.

Não interessa à maioria dos partidos arriscar eleger uma bancada menor de deputados que possa comprometer a sua competitividade futura, entrando em uma disputa presidencial já altamente polarizada.

terceira via só teria condições de ser uma alternativa real de irrigação colateral na disputa presidencial por meio de um processo vigoroso de concertação, o que exigiria grande capacidade de coordenação dos mais variados partidos. Teria que haver garantias de que tais partidos, se vitoriosos, alcançariam maiores retornos com a Presidência. Mas o caminho é tão incerto que desestimula tal coordenação. 

Em vez de proporcionar um equilíbrio agregador, com vários partidos oferecendo candidato, independentemente das suas chances de sucesso, o fundão gerou um equilíbrio separador, com presidenciáveis sendo oferecidos por poucos partidos, somente por aqueles com maiores probabilidades de vitória.

*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)

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