terça-feira, 19 de abril de 2022

Daniela Chiaretti: O eleitor e o clima: um enigma das urnas

Valor Econômico

Por quais razões o brasileiro é dos que mais acreditam na mudança do clima mas não votam nesta agenda?

O sexto relatório sobre a ciência do clima, os impactos da mudança climática e os esforços de adaptação necessários divulgado em três pedaços nos últimos seis meses pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC, veio recheado de dados contundentes, cenas do presente e previsões para um futuro muito próximo mais assustadores do que o de filmes-catástrofes. O brasileiro, por surpreendente que pareça, é dos povos no planeta que mais acredita que a mudança do clima existe, é provocada pelo homem, está acontecendo e pode piorar. A maioria esmagadora -94%- pensa assim, principalmente mulheres. Isso em uma população em que 7% acredita que a terra é plana, segundo pesquisa Datafolha de 2019 e onde um em cada quatro acha que não, imagine, o homem nunca foi à Lua.

Mas então, se os brasileiros falam sério quando dizem entender como poucos o potencial devastador da mudança do clima, por qual bizarrice elegem governantes que desmontam a agenda ambiental como poucos e deixam que a Amazônia queime como ninguém? Como pensam eleitores que sabem que há um iceberg à frente, percebem que o navio está indo velozmente contra ele e deixam o barco afundar sem fazer nada?

Tais enigmas sociológicos fazem parte das preocupações de uma equipe de pesquisadores da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, a FGV, que está conduzindo uma série de estudos para entender o quadro. “Se é verdade que não existe ceticismo climático no Brasil, por qual razão isso não se transforma em votos, em mobilização social e em um novo contrato social pró-clima?” pergunta-se Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV e um dos autores da pesquisa “A cabeça do brasileiro sobre mudança do clima” com os colegas Guilherme Fasolin e Juliana Camargo. Os dados acima são resultados do estudo.

Alguns dos primeiros dados do esforço foram divulgados há poucos dias no evento “Nova Agenda Ambiental, Econômica e Social do Brasil”, com curadoria do empresário Emerson Kapaz e apoio da TV Cultura. Os pesquisadores ouviram 5.400 pessoas no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru e México. Entre os brasileiros, 94% acreditam que a mudança do clima está ocorrendo e 91% dizem que a atividade humana sozinha ou associada a mudanças naturais é a causa do problema. São mais de 65% os que afirmam que os humores climáticos prejudicarão muito sua vida e de sua família no futuro. Quase 75% dizem que as pessoas já estão sofrendo no Brasil. E há um componente de gênero nas respostas: mulheres são muito mais afirmativas sobre tudo, assim como quem já teve experiências com eventos climáticos extremos.

“Há uma desconexão estranhíssima entre a convicção e a ação do brasileiro em temas ambientais”, resume Spektor. No Brasil há muito menos ceticismo sobre mudança do clima do que nos EUA ou em alguns países europeus, mas na urna não se vota neste caminho.

Se a estratégia de comunicação vinculasse mudança do clima à saúde pública seria possível ver outro resultado, arriscam os analistas. Foi a iniciativa adotada pelo governo Obama em 2014. “Se se disser que mudança do clima tem efeitos sobre índices de dengue, zika e chicungunha em muitas regiões do Brasil, minha percepção é que se pode ter um eleitorado disposto a votar em questões de clima porque votaria em questões de saúde. Mas se se apresenta ao eleitor a agenda ambiental pura, o que ele pensa é na árvore queimando na Amazônia”, aposta o professor.

Uma curiosidade da pesquisa: o tema ambiental, no Brasil, não é ideológico, de esquerda ou de direita, ao contrário do que acontece em boa parte do mundo. Depende, sim, do quanto o sujeito é conservador ou progressista em qualquer espectro político. Se o tema climático for explicado por um cientista, o brasileiro aceita. Isso pode ser uma vantagem comparativa do Brasil. Pode ser mais fácil se conseguir a adesão da sociedade a um plano climático aqui do que nos EUA.

Mas o brasileiro deixa de ser cordial quando há críticas estrangeiras ao desmatamento ou queimadas na Amazônia, o foco de outra pesquisa do grupo. Buscava-se resposta para a reação do brasileiro a críticas estrangeiras na área de clima, como fizeram os presidentes Emmanuel Macron, da França, e Joe Biden, dos EUA. O americano, durante a campanha presidencial, falou em sanções comerciais se o Brasil continuasse a desmatar. Os brasileiros reagem mal a isso e tendem a apoiar o governo de plantão em resposta, mesmo se suas ações ambientais são medonhas. “É uma sondagem importante porque cada vez mais haverá pressões sobre o Brasil em questões climáticas”, diz Spektor.

A pesquisa queria entender se, diante de críticas externas, a sociedade expressa remorso com a destruição da Amazônia ou silencia e espera a tormenta passar. Ou ainda questiona as motivações do crítico e o desafia, apoiando o governo de plantão e sua política. A resposta é: depende. “A paranoia sobre a Amazônia, ou seja, a ideia de que há um conluio internacional de empresas, governos e indivíduos que cobiçam a região é difusa e generalizada entre os brasileiros. Este é um campo fértil para os políticos que têm uma agenda de não ‘compliance’ com normas internacionais”, alerta o pesquisador.

Em princípio, a reação da população, contudo, não é de desafiar a crítica externa. Isso só acontece se o cidadão é informado de que o país que critica continua consumindo produtos que contribuem para o desmatamento na Amazônia. Diante da hipocrisia, a opinião pública brasileira desafia o estrangeiro e apoia governo e suas políticas. Outro desastre pode ser provocado pelo uso de expressões “a Amazônia é um bem comum” ou “a Amazônia é patrimônio de toda a humanidade”. Isso é um gatilho gigantesco de reação de defesa na população brasileira. “Mas quando se diz que o problema do desmatamento na Amazônia empobrece os brasileiros, a reação é outra”, diz Spektor. “A comunidade internacional tem que mudar suas expressões em relação à Amazônia, que são péssimas, contraproducentes e alimentam o que há de pior no sistema político brasileiro”, recomenda o pesquisador.

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