Valor Econômico
Por quais razões o brasileiro é dos que
mais acreditam na mudança do clima mas não votam nesta agenda?
O sexto relatório sobre a ciência do clima,
os impactos da mudança climática e os esforços de adaptação necessários
divulgado em três pedaços nos últimos seis meses pelos cientistas do Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC, veio recheado de dados
contundentes, cenas do presente e previsões para um futuro muito próximo mais
assustadores do que o de filmes-catástrofes. O brasileiro, por surpreendente
que pareça, é dos povos no planeta que mais acredita que a mudança do clima
existe, é provocada pelo homem, está acontecendo e pode piorar. A maioria
esmagadora -94%- pensa assim, principalmente mulheres. Isso em uma população em
que 7% acredita que a terra é plana, segundo pesquisa Datafolha de 2019 e onde
um em cada quatro acha que não, imagine, o homem nunca foi à Lua.
Mas então, se os brasileiros falam sério quando dizem entender como poucos o potencial devastador da mudança do clima, por qual bizarrice elegem governantes que desmontam a agenda ambiental como poucos e deixam que a Amazônia queime como ninguém? Como pensam eleitores que sabem que há um iceberg à frente, percebem que o navio está indo velozmente contra ele e deixam o barco afundar sem fazer nada?
Tais enigmas sociológicos fazem parte das
preocupações de uma equipe de pesquisadores da Escola de Relações
Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, a FGV, que está conduzindo uma série
de estudos para entender o quadro. “Se é verdade que não existe ceticismo
climático no Brasil, por qual razão isso não se transforma em votos, em
mobilização social e em um novo contrato social pró-clima?” pergunta-se Matias
Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV e um dos
autores da pesquisa “A cabeça do brasileiro sobre mudança do clima” com os
colegas Guilherme Fasolin e Juliana Camargo. Os dados acima são resultados do
estudo.
Alguns dos primeiros dados do esforço foram
divulgados há poucos dias no evento “Nova Agenda Ambiental, Econômica e Social
do Brasil”, com curadoria do empresário Emerson Kapaz e apoio da TV Cultura. Os
pesquisadores ouviram 5.400 pessoas no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia,
Equador, Peru e México. Entre os brasileiros, 94% acreditam que a mudança do
clima está ocorrendo e 91% dizem que a atividade humana sozinha ou associada a
mudanças naturais é a causa do problema. São mais de 65% os que afirmam que os
humores climáticos prejudicarão muito sua vida e de sua família no futuro.
Quase 75% dizem que as pessoas já estão sofrendo no Brasil. E há um componente
de gênero nas respostas: mulheres são muito mais afirmativas sobre tudo, assim
como quem já teve experiências com eventos climáticos extremos.
“Há uma desconexão estranhíssima entre a
convicção e a ação do brasileiro em temas ambientais”, resume Spektor. No
Brasil há muito menos ceticismo sobre mudança do clima do que nos EUA ou em
alguns países europeus, mas na urna não se vota neste caminho.
Se a estratégia de comunicação vinculasse
mudança do clima à saúde pública seria possível ver outro resultado, arriscam
os analistas. Foi a iniciativa adotada pelo governo Obama em 2014. “Se se
disser que mudança do clima tem efeitos sobre índices de dengue, zika e
chicungunha em muitas regiões do Brasil, minha percepção é que se pode ter um
eleitorado disposto a votar em questões de clima porque votaria em questões de
saúde. Mas se se apresenta ao eleitor a agenda ambiental pura, o que ele pensa
é na árvore queimando na Amazônia”, aposta o professor.
Uma curiosidade da pesquisa: o tema
ambiental, no Brasil, não é ideológico, de esquerda ou de direita, ao contrário
do que acontece em boa parte do mundo. Depende, sim, do quanto o sujeito é
conservador ou progressista em qualquer espectro político. Se o tema climático
for explicado por um cientista, o brasileiro aceita. Isso pode ser uma vantagem
comparativa do Brasil. Pode ser mais fácil se conseguir a adesão da sociedade a
um plano climático aqui do que nos EUA.
Mas o brasileiro deixa de ser cordial
quando há críticas estrangeiras ao desmatamento ou queimadas na Amazônia, o
foco de outra pesquisa do grupo. Buscava-se resposta para a reação do
brasileiro a críticas estrangeiras na área de clima, como fizeram os
presidentes Emmanuel Macron, da França, e Joe Biden, dos EUA. O americano,
durante a campanha presidencial, falou em sanções comerciais se o Brasil
continuasse a desmatar. Os brasileiros reagem mal a isso e tendem a apoiar o
governo de plantão em resposta, mesmo se suas ações ambientais são medonhas. “É
uma sondagem importante porque cada vez mais haverá pressões sobre o Brasil em
questões climáticas”, diz Spektor.
A pesquisa queria entender se, diante de
críticas externas, a sociedade expressa remorso com a destruição da Amazônia ou
silencia e espera a tormenta passar. Ou ainda questiona as motivações do
crítico e o desafia, apoiando o governo de plantão e sua política. A resposta
é: depende. “A paranoia sobre a Amazônia, ou seja, a ideia de que há um conluio
internacional de empresas, governos e indivíduos que cobiçam a região é difusa
e generalizada entre os brasileiros. Este é um campo fértil para os políticos
que têm uma agenda de não ‘compliance’ com normas internacionais”, alerta o
pesquisador.
Em princípio, a reação da população, contudo, não é de desafiar a crítica externa. Isso só acontece se o cidadão é informado de que o país que critica continua consumindo produtos que contribuem para o desmatamento na Amazônia. Diante da hipocrisia, a opinião pública brasileira desafia o estrangeiro e apoia governo e suas políticas. Outro desastre pode ser provocado pelo uso de expressões “a Amazônia é um bem comum” ou “a Amazônia é patrimônio de toda a humanidade”. Isso é um gatilho gigantesco de reação de defesa na população brasileira. “Mas quando se diz que o problema do desmatamento na Amazônia empobrece os brasileiros, a reação é outra”, diz Spektor. “A comunidade internacional tem que mudar suas expressões em relação à Amazônia, que são péssimas, contraproducentes e alimentam o que há de pior no sistema político brasileiro”, recomenda o pesquisador.
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