O Estado de S. Paulo
É necessário que reconheçamos as nossas
virtudes e as nossas mazelas, mas sem nos considerarmos inferiores.
Chegou a hora e não podemos permitir que se
torne uma hora tardia. O ano eleitoral nos possibilita uma análise de quem
somos, de quem fomos e do que queremos ser. O escopo deste escrito não é fazer
apologia de algum candidato. Seu objetivo é tecer algumas considerações sobre a
imperiosa necessidade de adquirirmos ou readquirirmos autoestima como povo e
como nação. Sem amor ao País e crença nas potencialidades do homem brasileiro,
dificilmente construiremos a pátria que desejamos.
Este é momento propício para fazermos uma revisão do que pensamos de nós e para indagar do que somos capazes. O momento é crucial, pois nunca o Brasil precisou tanto da sua sociedade como agora. A partir da aquisição de estima, conhecimento e confiança em nós mesmos, temos de nos mostrar aptos a enfrentar nossos problemas e deixar de atribuir ao Estado e às elites responsabilidades exclusivas. O povo já está mostrando ser mais generoso e solidário do que as elites, fato que o credencia para assumir questões que o afligem e são ignoradas por quem não as sente.
Não somos piores nem melhores do que outros
povos. Somos diferentes, pois obviamente temos características próprias. Talvez
nesse ponto resida a questão. As classes dirigentes incutiram em nosso espírito
que o nosso modo de ser, nossa cultura, nosso comportamento e nossos hábitos
eram piores, se comparados com outras sociedades.
Prevalece em parte de nossas elites a ideia
da inferioridade em relação a outros países civilizados. Os seus integrantes
padecem de um grave complexo que os faz desejar ter nascido em outras plagas.
São os brasileiros envergonhados, exatamente aqueles que não poderiam renegar o
País, pois encontraram nele possibilidades de êxito em todos os setores e a ele
pouco retribuíram. Dentre outras possibilidades, lhes foi permitido dar uma
educação esmerada aos filhos, no entanto, agora, almejam mandá-los para o
exterior. Não faz muito tempo, ouvi uma senhora dizer numa roda que o filho
tinha vergonha do País e estava vivendo no exterior. A vergonha é em outro sentido:
ela é nossa, provocada pela dama e
pelo filho.
Segundo o jornalista Nelson Rodrigues, os
complexos do Narciso às avessas e do cão vira-lata nos acompanham
historicamente. Não nos deve afligir sermos Narcisos ao contrário nem nos deve
incomodar sermos comparados com o cão vira-lata. Não sermos Narcisos significa
estarmos afastados da arrogância, da prepotência e da empáfia próprias da
figura mitológica e que estigmatizam muitos outros povos. O cão vira-lata, por
sua vez, como bem acentuou Eduardo Giannetti, é um exemplo de inteligência
criativa, vivaz, improvisadora, sendo um sobrevivente num mundo que lhe é
hostil e adverso.
O sentimento de inferioridade que nos
paralisa e nos atrasa pode-se dizer ter surgido com o descobrimento. Segundo
nos mostra o citado Eduardo Giannetti, em seu livro O elogio do vira-lata e outros ensaios,
os que aqui nasceram, filhos de portugueses com índias e, depois, com escravas,
eram os chamados mazombos, sinônimos de grosseiros, brutos, iletrados. Ao
crescerem, mostraram desejo de ir para Portugal ou qualquer país da Europa.
No século 19, a elite intelectual que se
formava manifestava o seu desconforto com o País e o comparava com outras
nações, sempre colocando-o em desvantagem. Conforme consta do mencionado livro
de Giannetti, Joaquim Nabuco dizia: “O sentimento em nós é brasileiro, a
imaginação é europeia”. Dizia mais, que as paisagens brasileiras não valiam um
trecho da Via Appia, do Sena ou do Louvre.
Os governantes, por sua vez, para eximir-se
de responsabilidades, atribuíam as nossas mazelas ao povo e, especialmente, à
mistura das raças que nos compõem. Afirmavam que a miscigenação provocara uma
degeneração genética e moral e era responsável pelo nosso “atraso
civilizatório”. Um ministro do presidente Campos Sales comparou a nossa
economia com a dos Estados Unidos e afirmou que o nosso atraso econômico era
culpa do povo.
Intelectuais como Oliveira Viana e Sílvio
Romero tinham esperança de que o Brasil melhorasse com o “branqueamento
progressivo e natural”. Nas relações exteriores, o barão do Rio Branco não
permitia que o País fosse representado por negros ou mestiços. Eram barrados no
Itamaraty. Estes e outros fatos bem ilustram o grau de intolerância das elites
dirigentes em relação às nossas origens raciais.
É necessário que nos assumamos de forma
integral, reconhecendo as nossas virtudes e as nossas mazelas, mas sem nos
considerarmos inferiores, porque não o somos. Devemos explorar as nossas
qualidades e possibilidades para mudarmos o que na nossa realidade nos é
adverso.
O esforço e a superação de cada um irão
contagiar o todo. Aliás, este movimento já se faz sentir, especialmente com a
reação dos segmentos até então excluídos, que passaram, com grande esforço e
sacrifício, a sair do seu tradicional isolamento e recolhimento para mostrar
que integram um mesmo povo, uma mesma sociedade, uma mesma raça
brasileira.
*Advogado
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