O Globo
As cidades são nosso maior patrimônio
material e também nosso principal desafio socioambiental e civilizatório
O título acima é uma afirmação do antropólogo
colombiano Santiago Uribe, a propósito da experiência de sua cidade, Medellín,
em programas de urbanismo inclusivo, dita em
recente entrevista a Bolívar Torres, no GLOBO. Em tempos com tantas
complexidades, parece duvidoso que algo simples possa mudar vidas. Sabe-se,
porém, que, na Colômbia, programas de urbanização de favelas e qualificação
urbana alcançaram redução expressiva da pobreza e da violência. Mas será
trabalho simples?
Abrigando 85% dos brasileiros, as cidades são
nosso maior patrimônio material e também nosso principal desafio socioambiental
e civilizatório. A violência, que ocorre em todo o país, vista injustamente
como expressão carioca, tem nas cidades seu cerne.
Foi necessário que o crime organizado se evidenciasse nas finanças e na política nacionais para que o Estado parecesse despertar da letargia. Quanto tempo perdido! Quantas vidas! São sendo ensaiadas medidas para atacar os sintomas da crise, o que é necessário. Mas e para as causas do quadro?
Medidas setoriais, na Justiça e na polícia,
se desarticuladas de políticas urbanísticas e sociais, não alcançarão bom
resultado. São insuficientes. Vale o exemplo da economia. São essenciais as
diversas escalas empresariais, da micro à macro, que dependem da boa cidade
para prosperar e para que o desenvolvimento seja mais que o crescimento do PIB.
Não há bala de prata, como alguns creem. Aliás, expressão pouco adequada,
porque sugere a ideia de que as coisas se ajustam pelas armas.
As desigualdades intraurbanas que se
manifestam na moradia precária, na escassez dos serviços e na dominação
territorial bandida são fatores de exclusão social e barreiras ao
desenvolvimento. Veja-se o caso da mobilidade. O tempo médio nos deslocamentos
diários nas grandes cidades chega a duas horas, mas, nas regiões metropolitanas
do Rio e de São Paulo, para um quarto dos viajantes, a média beira quatro
horas. É escandaloso!
O filósofo francês Edgar Morin, aos 104 anos,
publica desabafo sobre a questão urbana planetária. Chama a atenção para
causas, entre as quais inclui os dogmas do Estado mínimo, a competição
exacerbada e o abandono da solidariedade. Propõe uma “política de civilização
urbana” que contemple a governança da complexidade urbana.
Santiago Uribe, na entrevista ao GLOBO,
defendeu o urbanismo inclusivo inspirado no carioca Favela-Bairro, afirmando:
— Vocês foram os primeiros que, nos anos
1990, olharam para a periferia com a intenção de fazer uma revolução urbana. O
problema é que essas políticas não tiveram continuidade.
E acrescentou:
— Em Medellín, o melhor capital político é
terminar o projeto deixado por outro prefeito, mesmo de oposição.
Lembre que, naquela década, com os programas
urbanísticos dos governos Cesar Maia e Luiz Paulo Conde, o Rio obteve
expressiva queda nos índices de violência e melhores índices econômicos.
A proposta de Morin nos sugere tratar a
complexidade sem simplificação. O alerta de Uribe nos incita a debater por que
as políticas públicas não são articuladas territorialmente e sofrem reiteradas
descontinuidades, ainda que bem-sucedidas.
Reconheçamos que a tarefa de democratizar não
é fácil. São muitas as barreiras quando estamos envoltos no individualismo e no
isolamento. Mas é necessário insistir. Diria que não é tão simples assim. Mas
muda vidas.
*Sérgio Magalhães é arquiteto e urbanista
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