quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Secretarias combinadas, por Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

bancada de deputados federais do DF precisa compreender sua responsabilidade com as cidades do Entorno. Não é decente nem inteligente cuidar de Brasília como se fosse uma ilha separada do resto do país, especialmente do seu ao redor integrado

Brasília foi planejada e construída para 500 mil habitantes. Hoje, tem quase 5 milhões, incluindo as 11 cidades vizinhas interligadas demográfica, econômica e culturalmente, formando um dos maiores complexos urbanos do Brasil, dividido entre duas unidades da Federação: Distrito Federal e Goiás. Com dois governadores e 11 prefeitos, a eficiência para resolver problemas comuns da região fica comprometida. Não faz sentido imaginar que o governador do DF possa assumir sozinho a responsabilidade de todo esse complexo urbano, sem a participação do governador de Goiás e dos prefeitos das cidades vizinhas, mas também não faz sentido que os líderes goianos ignorem a relação de suas cidades com o DF. Os problemas desse complexo urbano devem ser enfrentados pelo conjunto de sua administração não serão resolvidos plenamente.

Uma alternativa seria integrar a gestão dos setores que estão integrados na vida da população. Pelo menos quatro grandes áreas que afetam igualmente os habitantes de ambos os lados da fronteira deveriam ser geridas por Secretarias Combinadas entre DF e Goiás, administradas no dia a dia para analisar, definir políticas e agir em todo o complexo regional.

No caso da saúde, por exemplo, existe uma realidade de integração no aspecto da demanda, porque muitos moradores do entorno buscam atendimento no DF, ou no sentido contrário, do DF nas cidades vizinhas, em momentos como o atual, de crise do sistema de saúde em Brasília. Mas, apesar da integração pela demanda, falta integração no lado da oferta: não há coordenação entre os responsáveis por prestar os serviços de saúde. A região precisa de uma Secretaria Coordenadora de Saúde, com atuação conjunta no DF e nas cidades próximas a Goiás.

Quando a população está integrada em sua mobilidade cotidiana é lamentável que o transporte da região não seja plenamente integrado. Do ponto de vista da população, o sistema de transporte está basicamente unificado, mas as 13 secretarias, dos dois governos e 11 cidades do Entorno, no máximo dialogam, mas não agem unificadas. O complexo DF-GO precisa de uma Secretaria Combinada de Transporte, com competência sobre a malha intermunicipal, independentemente da divisa entre as duas unidades da Federação.

O crime não respeita a divisa, mas cada lado opera com uma secretaria de segurança que mal se comunica, sem comando conjunto e, muitas vezes, sem o necessário grau de informação. O combate eficaz ao crime exige uma Secretaria Combinada de Segurança, capaz de coordenar as polícias civil e militar de ambos os lados.

Mais grave ainda é a fragmentação da educação básica. O Brasil ainda não tem um Sistema Público Único Federal de Educação Básica, por isso, a qualidade da escola depende da renda da família e do endereço onde mora a criança que a frequenta. Na região entre DF e Goiás, essa desigualdade é ainda mais gritante e até obscena, quando se percebe que o acesso à educação de qualidade varia de acordo com o lado da rua em que a criança mora. A região precisa de uma Secretaria Ampliada de Educação, responsável por todas as crianças das cidades que compõem o complexo urbano de Brasília.

Essa gestão ampliada e compartilhada entre os governos do DF e de Goiás interessa às populações da região e interessa à República. Afinal, a capital do Brasil não é apenas Brasília, nem apenas o DF: é toda a região urbana integrada na prática pela população embora ainda desintegrada na gestão. A população se integrou politicamente ao viver em uma das cidades, mas ter o endereço eleitoral no outro lado da fronteira.

As bancadas de parlamentares precisam sentir e agir de forma ampliada, sentindo-se responsáveis por todo o complexo urbano. A bancada de deputados federais do DF precisa compreender sua responsabilidade com as cidades do Entorno. Não é decente nem inteligente cuidar de Brasília como se fosse uma ilha separada do resto do país, especialmente do seu ao redor integrado. Cada parlamentar do Distrito Federal representa, também, os habitantes das cidades de Goiás que dependem do DF e das quais depende o funcionamento do DF.

*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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