Folha de S. Paulo
Medida que permitiu reorganização de partidos
e voto dos analfabetos foi tão ou mais importante que eleição de Tancredo
O ano de 1985 foi um marco para a
redemocratização brasileira. Em janeiro daquele ano, o primeiro presidente
civil depois de mais de 20 anos de ditadura militar, Tancredo
Neves, foi eleito. Ainda uma eleição indireta, restrita aos membros do
Colégio Eleitoral —composto pelos membros do Congresso Nacional e delegados das
assembleias legislativas estaduais.
Tão ou mais importante que a eleição de
Tancredo Neves foi a aprovação da emenda
constitucional 25 (EC 25), promulgada em 15 de maio de 1985.
Aprovada por ampla maioria na Câmara e no Senado, a emenda alterou a Constituição de 1967 e incluiu previsão de eleições diretas para presidente ao final do mandato presidencial vigente, além de eleições diretas, em novembro de 1986, para prefeitos de capitais e outras cidades que até então se encontravam com sua autonomia limitada.
A EC 25 também garantiu a livre organização
de partidos políticos, incluindo expressamente o direito de organização para
legendas que haviam tido seus registros indeferidos, cassados ou cancelados.
Por fim, a emenda concedeu
o direito de voto aos analfabetos, derrubando assim a última grande
restrição ao sufrágio universal no Brasil. Segundo dados do Censo de 1980, a
população brasileira com cinco anos ou mais era de 102.421.730 pessoas, das
quais 25,5% eram analfabetas. Entre os adultos com 20 anos ou mais, os
analfabetos somavam 17,3 milhões.
Dados da Justiça
Eleitoral indicam que, no pleito de 1982, eram 58.616.588 os eleitores
registrados. A inclusão facultativa dos analfabetos no contingente de eleitores
representou um acréscimo potencial de cerca de 30% de novos eleitores.
Se revisitarmos a teoria democrática
consolidada no século 20 —destaco aqui Robert Dahl e seu clássico livro
"Poliarquia: Participação e Oposição" (1972)—, dois aspectos
fundamentais devem ser considerados na caracterização de um regime democrático:
a competição e a inclusão.
Dahl, ao aprofundar a definição mínima de
democracia como um método competitivo de escolha de líderes, proposta por
Joseph Schumpeter, destaca duas dimensões essenciais: a contestação, que diz
respeito à possibilidade real de alternância de poder e liberdade para a
oposição; e a inclusão, que se refere à amplitude do direito de participação
política, de votar e ser votado.
Sob essa ótica, a emenda constitucional nº
25, que completou 40 anos na última semana, deve ser celebrada como um dos
principais marcos da redemocratização brasileira. Ela representou um avanço
simultâneo nessas duas frentes: ao permitir a reorganização de partidos
previamente cassados, ampliou o campo da contestação; ao garantir o voto aos
analfabetos, derrubou uma barreira histórica à inclusão. Ao remover obstáculos
tanto à competição quanto à participação, a emenda deu substância à transição
democrática brasileira.
A ampliação do eleitorado e a liberação da
organização partidária permitiram uma composição mais diversa do Congresso,
incorporando vozes políticas até então marginalizadas. Essa abertura teve
reflexos diretos nos debates e no texto final da Constituição de 1988, que
consagrou um modelo ampliado de cidadania e assegurou maiores direitos
políticos, civis e sociais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário