Folha de S. Paulo
O poder dos presidentes tem crescido em todo
mundo, até sob a forma de ‘presidencialização do parlamentarismo’
O Poder do Executivo se enfraqueceu sob Lula 3. Esse declínio teve início há cerca de uma década. Há aqui um paradoxo: em todo o mundo, tem ocorrido o contrário: o poder dos presidentes vem experimentando uma expansão secular de suas competências constitucionais. Mesmo em países parlamentaristas, tem-se observado o fenômeno que a ciência política classifica como "presidencialização do parlamentarismo", cujo traço mais notável é a perda da colegialidade dos governos de gabinete e o surgimento de líderes acima dos partidos.
A tendência atual, marcada pelo populismo, é
distinta. A expansão de poderes está associada ao abuso de autoridade. O
agigantamento do Poder Executivo —no jargão, "executive
aggrandizement"— tem sua expressão mais extrema na figura de Trump. Essas
tendências geram confusão conceitual.
Há uma distinção essencial formulada de forma
pioneira por Jacques Lambert em 1963. O autor de "Os Dois
Brasis" (1953) e de uma história constitucional dos EUA argumentava que a
designação "presidencialismo" para os países latino-americanos era
"deplorável", pois "constitui fonte de erros, ao levar a crer
que o regime funciona tanto mais regularmente quanto mais se aproxima do modelo
norte-americano". Lambert propôs o conceito de "regime de
preponderância presidencial". Tais regimes "aproximam-se tanto do
presidencialismo norte-americano quanto do governo de gabinete... Evoluíram para
uma confusão de poderes, uma colaboração dirigida pelo Poder Executivo".
Lambert se referia a vários países onde
presidentes, historicamente, dispunham de amplos poderes constitucionais —ex.
poder de expedir decretos— muito superiores aos do presidente dos EUA. Afonso
Arinos já havia se debruçado sobre essa questão com presciência, acrescentando
que o hiperpresidencialismo da Primeira República foi neutralizado pela adoção
da representação proporcional (RP), a qual criava o imperativo de se formar
coalizões.
Essa "confusão de poderes"
funcionava como salvaguarda contra abusos, mas comprometia a eficiência
decisória. Era a "estabilização da instabilidade", como escreveu
Arinos em 1949. A resposta institucional deveria ser o fortalecimento constitucional
do presidente —por exemplo, por meio da criação das medidas provisórias, da
ampliação de suas iniciativas legislativas, da definição de competências
exclusivas e do controle sobre o orçamento.
Medidas nesse sentido, propostas já em 1956,
só foram incorporadas à Constituição em 1988. A crise de 1952 foi, em grande
medida, resultado de um presidente incapaz de governar dentro da nova
configuração institucional do "presidencialismo transacional"
(Arinos). Em 1988, o diagnóstico era semelhante: era preciso conferir mais
poderes aos Executivos, mas também fortalecer os freios e contrapesos. Essa
configuração constitucional mudou pouco desde então. Três inovações merecem
destaque: as limitações às MPs (EC 32/2001) e as emendas do orçamento
impositivo (EC 86/2015 e EC 100/2019).
O maquinismo constitucional é elemento fundamental do exercício do Poder. Mas o operador —o "maquinista"— importa tanto quanto. Um operador inepto, em determinados contextos, acaba levando a inovações institucionais que minam seu poder, como examinei aqui.
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