quinta-feira, 30 de outubro de 2025

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Operação policial no Rio foi resultado de planejamento

Por O Globo

Letalidade alta deve ser investigada, mas houve preocupação das autoridades em preservar moradores

As polícias Militar e Civil do Rio correram enorme risco ao entrar no quartel-general do Comando Vermelho durante a megaoperação de terça-feira nos complexos do Alemão e da Penha. Os traficantes demonstraram resistência incomum — a ponto de, pela primeira vez, usarem drones para lançar bombas nos agentes —, matando quatro policiais e ferindo outros 15. Os policiais prenderam 113 suspeitos — entre eles lideranças do CV, não apenas do Rio — e apreenderam mais de cem armas. É revelador que a operação, a mais letal na história do Rio, tenha deixado mais de uma centena de mortos. Mas ela foi resultado de planejamento para tentar preservar os moradores e encurralar os traficantes nas matas, onde ocorreu a maior parte dos confrontos.

Lula vive boa fase da Lua, por Carlos Melo

O Globo

Não existe postulante ao Planalto posicionado para além dos clichês da polarização mutuamente estimulada

Dizem que o presidente Lula nasceu virado para a lua: há cem dias, estava nas cordas. Os erros da oposição o empurraram de volta ao centro do ringue. Deram-lhe a agenda de que carecia: “pobres x ricos”, “soberania nacional”, a “blindagem” do Centrão. Apesar de percalços naturais, Lula comete menos erros, aproveita a maré. As curvas dos gráficos de popularidade têm reagido.

Precificaram sua derrota, mas o jogo empatou. Hoje, o governo tem a vantagem anímica da partida. Abatida, a oposição, sem unidade ou método, tenta emplacar sua agenda: a segurança pública. Busca deter um Lula fortalecido pelo veneno que ela mesma destilou. É a política.

É óbvio, tudo pode mudar: fatos dramáticos como os do Rio de Janeiro, nesta semana, podem influenciar o quadro. Há também a complicada conciliação de interesses nos palanques regionais. E, na esquerda, o bom momento tem sido mau conselheiro. Contudo já existem elementos favoráveis ao projeto de reeleição.

Uma crise em duas imagens? Por Malu Gaspar

O Globo

A imagem que traduzirá para a História a operação policial mais letal que já se fez são as dezenas de corpos estirados no chão de uma praça vizinha aos complexos do Alemão e da Penha, recolhidos na mata pelos próprios moradores. São cadáveres de homens muito jovens, quase todos negros, um com a cabeça cortada, outros com marca de algemas nos pulsos. Para o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), são criminosos, não vítimas. Não mereciam nem sequer prisão ou julgamento, mas eliminação.

Por esse viés, 121 mortos são prova de sucesso, embora no Brasil não haja pena de morte e, pelo menos oficialmente, não se autorizem execuções sumárias em ações policiais. A justificativa para a matança é que estamos em guerra, e não se faz guerra sem mortes. Boa parte da população endossa esse discurso, daí por que Castro tem capitalizado politicamente a operação.

Pouco importa que não se tenha capturado o principal alvo, Edgar Alves de Andrade, o Doca, responsável pela expansão do Comando Vermelho, prestes a concluir a tomada das Zonas Oeste e Sudoeste do Rio de Janeiro.

Da boca para fora, por Julia Duailibi

O Globo

A situação atual é tão extrema que não adianta mais as polícias estaduais agirem sozinhas

Entre os cem mandados de prisão da operação na Penha e no Complexo do Alemão, 32 eram de foragidos do Pará. Policiais paraenses acompanharam o planejamento da ação e fizeram constar dela ordens de prisão contra líderes do Comando Vermelho (CV) do estado que, foragidos no Rio, determinavam a execução de crimes a mais de 3 mil quilômetros. Nos últimos quatro anos, 57 mandados foram cumpridos no Rio por crimes cometidos no Pará, entre os quais a prisão de Bianca Franco, a Fielzinha do 41, que chamou a atenção da polícia de seu estado natal ao posar com um fuzil num baile funk no Complexo da Penha.

Rio de sangue, dor e conflito, por Míriam Leitão

O Globo

Combater as facções criminosas exige inteligência, planejamento e ação organizada. O que vimos, até aqui, foi a repetição de erros do passado

O Rio amanheceu ontem contando os mortos e o governador Cláudio Castro se dizendo orgulhoso e definindo como um sucesso a operação policial mais letal do Brasil. Pior do que a sua distorção de análise, é o fato de que o Supremo Tribunal Federal, em voto único, em abril, mandou o Rio fazer exatamente o contrário, ter um plano de redução da letalidade das operações. Há ordens do STF não cumpridas na ação no Complexo da Penha. Desde o começo da crise, o governador tem entrado em seguidas contradições, e se corrige dizendo que fizeram má leitura das suas declarações. No fim do dia, ontem, deu uma entrevista ao lado do ministro da Justiça, reduzindo a tensão da crise federativa.

Durante os últimos dois dias, Cláudio Castro disse diversas vezes que não queria a politização dos eventos. Mas politizou todo o tempo. Ontem chegou a dizer que "quem quiser somar com Rio de Janeiro neste momento é bem-vindo. Os outros que querem fazer confusão e politicagem, sumam. Ou soma ou suma”. Isso foi logo depois de uma reunião online com os “governadores de direita”. Disse que nesta reunião não se falou da PEC da Segurança. Deveria ter falado. Afinal, a PEC cria os canais de cooperação entre os entes federados e a União através do SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. O governador do Rio sempre criticou a proposta, alegando que iria perder autonomia. Quando o número de mortos começou a subir, no entanto, Castro reclamou a falta de ajuda federal.

Segurança terá colaboração no varejo e embate no atacado, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo federal continuará a investir contra as atividades econômicas do crime organizado no Rio ignoradas pelo governo estadual

O primeiro pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a operação policial com o maior número de mortos da história se deu 24 horas depois de sua volta ao Brasil. Como convinha evitar uma exposição como aquela que, na Indonésia, o levou a ver traficantes como “vítimas” de usuários, Lula falou por escrito nas redes.

Ressaltou o impacto sobre as famílias, as drogas e a violência e registrou as duas iniciativas federais no tema, as operações contra as atividades do crime organizado na venda de drogas, na adulteração de combustíveis e na lavagem de dinheiro, além da PEC da segurança.

Até então, o recado, na única cerimônia pública à qual compareceu desde então, a posse do novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, tinha sido a camisa preta, a simbolizar um estado que o titular da Justiça, Ricardo Lewandowski, resumiu como de “estarrecimento”.

Depois de assistir sua foto com Donald Trump se transformar na mensagem com maior engajamento em suas redes, segundo a Quaest, Lula viu o noticiário ser tomado pela violência, tema que lidera as preocupações dos brasileiros em todas as pesquisas. Entre as pesquisas que começaram a chegar ao Palácio do Planalto estava uma, da Activaweb, que mostrava uma reação mais comovida que sanguinária e uma cobrança pela cooperação dos governos estadual e federal.

Cláudio Castro assume sua necropolítica com o conceito de “narcoterrorismo”, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O termo “narcoterrorista” desloca o crime do âmbito penal para campo da segurança nacional. É importado da doutrina norte-americana da “narcoguerra”. usada na Colômbia e no México para o emprego das Forças Armadas

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, rompeu de forma explícita com os paradigmas de segurança pública estabelecidos pela Constituição de 1988. Ao comentar a Operação Contenção, deflagrada no Complexo do Alemão e da Penha — a mais letal da história do estado, com 121 mortos —, Castro sintetizou os resultados do conceito de narcoterrorismo: “Temos muita tranquilidade de defendermos tudo que fizemos ontem. Queria me solidarizar com as famílias dos quatro guerreiros que deram a vida para salvar a população. De vítima, ontem, lá, só tivemos esses policiais.”

A frase é mais que uma defesa corporativa. Ao tratar os mortos como “narcoterroristas”, Castro inaugura no Brasil uma retórica que substitui a segurança pública pela lógica da guerra interna. Em nome da “defesa da população”, o Estado reivindica o poder de decidir quais vidas são protegidas e quais podem ser eliminadas. A operação de “cerco e aniquilamento”, do ponto de vista militar, foi bem-sucedida. Mas não desarticula o tráfico de drogas nem recupera o território, porque a violência volta à “normalidade” e, geralmente, as milícias ocupam o espaço dos traficantes no controle da economia informal.

Letalidades e atrocidades, por Eugênio Bucci

O Estado de S. Paulo

Onde o poder público descuida da integridade física dos mais pobres, o regime democrático não passa de uma fachada de papelão esburacada por tiros, chamuscada por pólvora queimada e borrifada de sangue

“A ditadura segue presente nas periferias.” A frase estava no pequeno cartaz que me fez companhia na Catedral da Sé, na noite de sábado, 25 de outubro, durante o culto inter-religioso em memória dos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog. Era um cartaz em papel bem firme, plastificado, quase do tamanho de uma página de jornal como este aqui. De um lado, trazia a foto de Manoel Fiel Filho, o metalúrgico alagoano que foi morto em 1976 pela repressão política da ditadura. Do outro lado, as palavras certeiras sobre a presença destrutiva da violência policial nos bairros mais pobres das metrópoles brasileiras.

Eu levantei o retrato muitas vezes durante o culto. Sempre que um discurso lembrava os desaparecidos ou um dos que tombaram sob tortura, como o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, eu o erguia. Dezenas de outras pessoas presentes, com pôsteres estampados com outros rostos, também elevavam os seus. O efeito cênico se traduzia em comunicação didática e expressão política: a História existe quando dela não nos esquecemos – e, se dela não nos esquecemos, sabemos tecer o presente. Fora disso, o que resta é a selva. A memória dos crimes perpetrados pelo arbítrio que varreu o País há 50 anos nos ajuda a vencer aqueles que querem reeditá-lo. Por isso dizemos: ditadura, nunca mais.

Sem saida, por William Waack

O Estado de S. Paulo

Sem debate sério e entendimento político, o crime organizado não será contido

O sistema político brasileiro parece viver para si mesmo sem se dar conta de que o crime organizado se transformou no fator de risco número 1 para a própria política e a governabilidade. Entende-se aqui por sistema político não só os grupos e partidos, mas também as estruturas formais do Estado, como o STF.

A erosão do monopólio do Estado na aplicação da violência já tem mais de 40 anos e a acomodação das autoridades a essa situação idem. Em muitas das áreas sob domínio territorial do crime organizado duas gerações de brasileiros cresceram sem conhecer outro estado de coisas.

No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu-se até o que se poderia chamar de “cultura própria” – que (goste-se disso ou não) são canais de integração e solidariedade dentro de comunidades, capazes de conviver com a ferocidade dos traficantes e a dos agentes do Estado, visto em boa parte simultaneamente como ausente e inimigo.

Messias, guinada conservadora no STF, por Carolina Brígido

O Estado de S. Paulo

Tribunal tomou decisões essenciais pelos direitos de parcelas vulneráveis; hoje, evita o tema

Aprovável chegada de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF) engrossa a crescente bancada conservadora da Corte. Se nas décadas passadas o plenário tomou decisões de vanguarda a favor de grupos minoritários da sociedade, hoje esse cenário é cada dia menos provável de se repetir.

Um termômetro da mudança dos ventos é o julgamento a conta-gotas da ação que descriminaliza o aborto até a 12ª semana de gestação. Rosa Weber votou em 2023 e Luís Roberto Barroso votou há duas semanas. Um pedido de vista jogou a discussão para um futuro distante.

No STF, há quem considere que o momento não seja propício para se debater o aborto. Há também quem acredite que essa não seja uma tarefa para o Judiciário. Uma minoria até gostaria de impulsionar a votação, mas não encontra apoio interno para por o plano em prática.

Não foi assim nas décadas passadas. Em 2011, o STF legitimou as uniões homoafetivas como núcleos familiares por unanimidade. No ano seguinte, legalizou o aborto para gravidez de feto anencéfalo por oito votos a dois.

Cláudio Castro deveria ser preso, por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Governador confessou ser o autor intelectual dos assassinatos

Matar alguém é potencialmente homicídio e deve ser assim tratado

Por baixo da pilha de mais de cem corpos que sangram nas ruas da Penha e do Alemão, não cabem meias palavras: Cláudio Castro confessou em rede nacional ser o autor intelectual do assassinato de ao menos uma centena de pessoas na ação mais letal da história do estado e, por isso, deveria ser preso imediatamente. Não seria uma novidade: outros cinco ex-governadores do RJ já foram presos por ilícitos bem menores.

Tiro na nuca, nas costas e facadas constituem sinais de execução, e se o Ministério Público não os investigar, conivente será. Faz-se urgente que o STF determine, via ADPF 635, que a Polícia Federal participe das perícias nos corpos, garantindo o respeito a parâmetros como o Protocolo de Minnesota sobre a Investigação de Mortes Potencialmente Ilícitas.

A USP diante da intolerância, por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

A universidade não pode ser campo de batalha de 'guerras culturais'

Grupos de extrema direita atacaram espaços ocupados por estudantes da FFLCH

Universidade de São Paulo se prepara para escolher quem ocupará a Reitoria nos próximos quatro anos.

USP é responsável por 20% da produção científica brasileira; rankings internacionais a situam nos primeiros lugares entre as universidades latino-americanas e entre as 100 ou 200 instituições mais importantes do mundo. A cada ano, nela se titulam, em média, quase 6.000 pós-graduados —mestres e doutores. Mais do que isso, ali se formam não só lideranças científicas e culturais, mas também quadros qualificados para governos e partidos, empresas e organizações da sociedade.

Junto com a Unicamp e a Unesp, a USP constitui o alicerce de um robusto sistema de produção de ciência e cultura, que distingue o Estado de São Paulo.

Desde 2017, uma renovação social, tão importante quanto silenciosa, vem ocorrendo em seus campi. A adoção de políticas afirmativas —sob a forma de cotas raciais e para estudantes egressos da escola pública— tornou seu corpo docente mais diverso e próximo das cores e da composição social da população brasileira.

No Congresso, mais gritos por segregação, por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Parlamentares resistem à inclusão escolar de crianças com deficiência

Mudança social guiada por uma ideia de justiça é o mais difícil empreendimento humano. Exige combate a poderes enraizados, hierarquias e interesses lucrativos. Em mudanças assim, os de cima descem e os debaixo sobem. Alguém sempre perde, se entendermos a promoção de justiça como derrota daquele que se beneficiava da injustiça.

Constituição de 1988 se comprometeu com projeto desse tipo. Além de prever metas, direito e deveres, dividiu atribuições aos que devem liderar o processo. Há fracassos e êxitos coletivos ao longo desses quase 40 anos de constitucionalismo democrático.

Entre os êxitos, a educação oferece alguns dos exemplos mais inspiradores, sobretudo na educação de crianças com deficiência. Uma vanguarda internacional. O Estado construiu gradualmente arcabouço normativo e política pública orientada pelo princípio da educação inclusiva.

Matança volta a dominar conversa sobre segurança, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Depois de três meses de derrotas, governadores e oposição acham mote de propaganda

Ideia de guerra contra narcoterroristas renova ciclo de estupidez na política de segurança

As direitas estavam acuadas, na defensiva, depois de quase três meses de derrotas. Planejam agora contraofensiva cadavérica. Governadores querem fazer propaganda da matança no Rio de Janeiro a fim de arrumar um mote de campanha e preparar um ataque ao governo federal.

A direita não conseguiu levar adiante a anistia para golpistas. Teve de engolir (por enquanto) o revertério da PEC da Blindagem da Bandidagem, a PEC da Parlamentagem. A conspiração dos Bolsonaro contra empregos e empresas do país parece dar errado, dado o início de negociações entre Brasil e EUA.

A tragédia brasileira, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Fala do governador Cláudio Castro de que a operação foi um 'sucesso' choca pela brutalidade da realidade do país

É desesperançoso constatar que há saídas, mas faltam consensos para implementá-las

Primeiro, o choque com o horror da operação nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro.

Depois, novo choque com a declaração do governador do estado, Cláudio Castro, de que "tirando a vida dos policiais, o resto da operação foi um sucesso".

É pavoroso ver que a maior autoridade do estado tenha feito essa avaliação equivocada no dia seguinte ao desastre da ação policial mais letal da história do país.

É aterrador constatar que Castro recebe aplausos de setores importantes da sociedade, mesmo diante de tanta barbárie.

Poesia | Em louvor da aprendizagem, de Bertolt Brecht

 

Música | No nos moverán - Joan Báez - Piero ~ León Gieco ~ Luis Eduardo