sábado, 18 de outubro de 2025

Como preencher uma vaga no STF, por Eduardo Affonso

O Globo

Há dois flamenguistas, um corintiano, um palmeirense e um são-paulino, um placar justo. Mas santistas ocupam 18% das vagas

É só abrir vaga no STF que o assunto volta à tona: em nome da representatividade, passou da hora de ser indicada uma mulher preta.

Está implícito que deva ser uma mulher preta com reputação ilibada e notável saber jurídico — critérios assaz subjetivos, mas é o que diz a lei. Para ter o direito de ser a última a errar — e fazer jus a um assessor que lhe sirva cafezinho, carregue os processos e a ajude a vestir e desvestir a toga —, a aspirante ao cargo deve ter caráter íntegro e conduta ética e moral irrepreensível, além de reconhecido domínio do cipoal das nossas leis. E, claro, ser brasileira nata e ter entre 35 e 70 anos (alguma objetividade tinha de haver). Não há menção a outros atributos.

Segundo o Censo 2022, as mulheres representam 51,5% da população brasileira. No STF, não chegam a um quinto disso, considerando a composição da corte até ontem, quando Luís Roberto Barroso deixou o cargo. Pela lógica da proporcionalidade, faltam cinco mulheres (além da ministra Cármen Lúcia), não apenas uma. O próximo presidente poderá indicar outros três juízes e, a menos que haja renúncias, a meta da representatividade feminina não será atingida antes de 2030 (a probabilidade de algum dos atuais ministros se declarar trans é relativamente remota).

Existe também a questão étnica: pelo mesmo Censo, somos um país com 55,5% de pretos e pardos — proporção que chega, com muita boa vontade, a 18% no STF. Os próximos quatro indicados precisariam ser afrodescendentes — ou alguns dos atuais ocupantes se autodeclararem não brancos. Os indígenas ou de origem asiática carecem de lobby para pleitear a cota de1% das vagas.

Mas não são só esses os grupos sub-representados. Temos hoje sete sudestinos (estatisticamente, deveriam ser apenas quatro), dois nordestinos (deveriam ser três), um sulista (era para ser o dobro), um centro-oestino (ok!) e nortista, nenhum (deveria haver um número infinitamente maior: um).

Em termos de religião, o desequilíbrio aumenta: são nove católicos, um evangélico e um judeu. No fiel da balança, era para haver seis católicos (há 50% mais), três evangélicos (só há um terço disso), um praticante de outras religiões (de matriz africana, judeus, muçulmanos, budistas etc.) e um ateu (ou agnóstico, que é um ateu ainda em estágio de negação).

Nem só de gênero, crença ou origem étnica e geográfica vive a representatividade. Há dois flamenguistas, um corintiano, um palmeirense e um são-paulino no STF — um placar justo. Mas santistas ocupam 18% das vagas, mesmo correspondendo a apenas 3% da população.

Vinte e sete por cento da Corte são de Touro; 18%, de Sagitário; 18%, de Escorpião — PeixesÁriesAquário e Capricórnio têm 9% cada. Não há um único ministro de Leão (não, o Fux é de Touro), de Libra (que ironia, não?), VirgemGêmeos ou Câncer. Isso significa que o plenário é composto por 36% de terra, 27% de água, 27% de fogo e só 9% de ar. Depois não entendem quando o ambiente fica irrespirável.

Proponho esta questão para o próximo Enem:

— Considerando que, graças ao esforço de seus cabos eleitorais, Donald Trump e Eduardo Bolsonaro, o atual presidente tem grandes chances de ser tetraeleito em 2026, e que um de seus compromissos é com a diversidade e a representatividade, de que gênero, cor, orientação sexual, time, signo, região e religião devem ser os seus indicados ao STF?

Não, não precisa levar em conta que o único critério real será o da fidelidade canina. A pergunta é meramente retórica.

 

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