sábado, 18 de outubro de 2025

Feito para excluir, por Flávia Oliveira

O Globo

País tem baixíssima mobilidade social, com uma população convencida de que quem luta vence

Construir argumento frouxo para manter no poder as figuras de sempre é o novo preto. Melhor dizendo: o velho branco. É tática que, no momento, aproxima a escolha do sucessor de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF) do concurso para lecionar literatura africana na Universidade de São Paulo (USP). Uma mesma cartada, a (suposta) proximidade ou amizade, serve para repelir umas — no caso, mulheres negras — quanto para acolher outro — um homem branco, por óbvio. Ao fim do primeiro quarto do século XXI, racismo e sexismo à brasileira seguem positivos e operantes. E contando.

Ironia em altas doses é forma de confrontar os caminhos que a sociedade brasileira ainda encontra para mostrar que, sob véu de mudança, tudo segue como dantes. O Brasil é um país de baixíssima mobilidade social, com uma população convencida de que quem luta vence. Se não venceu, é porque não lutou o suficiente. Segue o bonde.

Em meados deste ano, o Atlas da Mobilidade Social tornou pública uma série de dados sobre a chance de uma criança oriunda da metade mais pobre da pirâmide social chegar ao décimo mais rico. De cada cem, nem duas (1,81%) alcançam os 10% mais ricos. É muito mais provável descer que subir: 17 em cem vão parar entre os 10% mais pobres. Dois terços, segundo o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), permanecem onde estavam ao nascer, quase sempre com acesso entre o mediano e o precário a educação, saúde, saneamento e toda sorte de direitos inscritos no papel, mas sonegados na real.

O ministro Barroso antecipou aposentadoria do STF; desde ontem já não faz mais parte da Corte. Organizações da sociedade civil, de imediato, iniciaram, outra vez, campanhas e apelos para que o presidente da República, numa sociedade heterogênea como a brasileira, tome a diversidade por critério e indique para a vaga uma mulher, preferencialmente uma negra. Pronunciaram-se, entre outros, Mulheres Negras Decidem, Coalizão Negra por Direitos, Instituto de Defesa da População Negra, Themis Justiça e Gênero, Fórum Justiça, Plataforma Justa. O próprio ex-presidente do Supremo manifestou publicamente o desejo de uma sucessora.

 

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