O Globo
Uma juíza bolsonarista no STF serviria? Uma
procuradora evangélica? Uma advogada da vertente pentecostal?
A esta altura, não resta dúvida de que o candidato favorito de Lula para a nova vaga no Supremo é Jorge Messias. O chefe da Advocacia-Geral da União é homem de confiança do petista, seu aliado histórico e, como evangélico, arma estratégica para a reeleição — precisamente o que André Mendonça foi para Jair Bolsonaro em 2021. A se confirmar o nome do advogado-geral da União para o lugar de Luís Roberto Barroso, estará confirmada também a preferência de Lula pelo critério da proximidade com o futuro julgador — o mesmo adotado por boa parte dos seus antecessores. Essa decisão deixará ao menos dois grupos descontentes.
O primeiro é aquele formado por
parlamentares. Por razões atávicas, incluindo o amor à própria pele, gostariam
que o escolhido fosse um dos seus, o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco. O
segundo grupo são os representantes de movimentos sociais que defendem uma
mulher na vaga. Seus argumentos soam mais nobres que os dos parlamentares. Mais
que questão de representatividade, dizem, a escolha de uma mulher para o STF é
um imperativo democrático. A composição da mais alta Corte do país (dez
ministros homens para uma mulher) nem de longe reflete a sociedade, e uma maior
diversidade de gênero traria experiências e sensibilidades distintas a um
ambiente hegemonicamente masculino.
Nesse ponto, é preciso perguntar aos
representantes dos movimentos sociais se qualquer mulher que atenda às
exigências constitucionais serviria para o posto. Uma juíza bolsonarista
serviria? Uma procuradora evangélica? Uma advogada da vertente pentecostal?
Esta última, do ponto de vista da representatividade, seria imbatível, dado que
o pentecostalismo e o neopentecostalismo representam mais da metade dos
evangélicos — que, por sua vez, compõem quase um terço da população brasileira.
Obviamente nenhum desses perfis de disposição
conservadora consta das listas de nomes sugeridos ao presidente pelos
movimentos sociais. Em sua vasta maioria de matriz progressista, essas
organizações demandam a indicação de uma mulher política e ideologicamente
alinhada com os seus valores e desconsideram qualquer alternativa fora desse
escopo — desconsiderando, por tabela, as potenciais representadas por uma
escolha diversa: mulheres de direita, mulheres evangélicas ou mulheres
contrárias ao aborto.
A prática dos movimentos sociais de levar em
conta apenas mulheres de filiação progressista não se limita às Cortes, como
mostrou o retumbante silêncio feito em torno da premiação da venezuelana María
Corina Machado com o Nobel da Paz. Líder de direita e, ainda por cima,
trumpista, María Corina foi sobejamente ignorada em sua condição de mulher
pelas principais organizações feministas brasileiras.
Também na esquerda americana, a sororidade
vai só até onde começa a divergência ideológica. Na sabatina da ministra
conservadora Amy Coney Barrett no Senado, em 2020, senadoras democratas foram
bem além do escrutínio técnico. Mazie Hirono chegou a perguntar à então juíza
Barrett — religiosa, antiaborto e mãe de sete filhos — se ela já havia pedido
“favores sexuais inapropriados” ou agredido alguém sexualmente. Para essa
vertente da esquerda, María Corina e Barrett não são mulheres, mas traidoras do
gênero.
É merecedora de apoio qualquer iniciativa
destinada a desobstruir o acesso de mulheres e outros grupos a territórios em
que, por preconceito e discriminação, foram impedidos de entrar. Da mesma
forma, é legítimo que movimentos de viés progressista em defesa das mulheres
trabalhem para ver na mais alta Corte do país uma das suas — a exemplo do que
fazem os congressistas com seu lobby bem mais franco. O problema começa quando
esses movimentos afirmam falar em nome “das mulheres”, querendo, na prática,
dizer “das nossas mulheres”. Quando isso ocorre, o discurso da
representatividade vira retórica universalista — em outras palavras, história
para a turma vender seu peixe.
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