sábado, 18 de outubro de 2025

Mulheres apoiam mulheres? Depende de qual, por Thaís Oyama

O Globo

Uma juíza bolsonarista no STF serviria? Uma procuradora evangélica? Uma advogada da vertente pentecostal?

A esta altura, não resta dúvida de que o candidato favorito de Lula para a nova vaga no Supremo é Jorge Messias. O chefe da Advocacia-Geral da União é homem de confiança do petista, seu aliado histórico e, como evangélico, arma estratégica para a reeleição — precisamente o que André Mendonça foi para Jair Bolsonaro em 2021. A se confirmar o nome do advogado-geral da União para o lugar de Luís Roberto Barroso, estará confirmada também a preferência de Lula pelo critério da proximidade com o futuro julgador — o mesmo adotado por boa parte dos seus antecessores. Essa decisão deixará ao menos dois grupos descontentes.

O primeiro é aquele formado por parlamentares. Por razões atávicas, incluindo o amor à própria pele, gostariam que o escolhido fosse um dos seus, o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco. O segundo grupo são os representantes de movimentos sociais que defendem uma mulher na vaga. Seus argumentos soam mais nobres que os dos parlamentares. Mais que questão de representatividade, dizem, a escolha de uma mulher para o STF é um imperativo democrático. A composição da mais alta Corte do país (dez ministros homens para uma mulher) nem de longe reflete a sociedade, e uma maior diversidade de gênero traria experiências e sensibilidades distintas a um ambiente hegemonicamente masculino.

Nesse ponto, é preciso perguntar aos representantes dos movimentos sociais se qualquer mulher que atenda às exigências constitucionais serviria para o posto. Uma juíza bolsonarista serviria? Uma procuradora evangélica? Uma advogada da vertente pentecostal? Esta última, do ponto de vista da representatividade, seria imbatível, dado que o pentecostalismo e o neopentecostalismo representam mais da metade dos evangélicos — que, por sua vez, compõem quase um terço da população brasileira.

Obviamente nenhum desses perfis de disposição conservadora consta das listas de nomes sugeridos ao presidente pelos movimentos sociais. Em sua vasta maioria de matriz progressista, essas organizações demandam a indicação de uma mulher política e ideologicamente alinhada com os seus valores e desconsideram qualquer alternativa fora desse escopo — desconsiderando, por tabela, as potenciais representadas por uma escolha diversa: mulheres de direita, mulheres evangélicas ou mulheres contrárias ao aborto.

A prática dos movimentos sociais de levar em conta apenas mulheres de filiação progressista não se limita às Cortes, como mostrou o retumbante silêncio feito em torno da premiação da venezuelana María Corina Machado com o Nobel da Paz. Líder de direita e, ainda por cima, trumpista, María Corina foi sobejamente ignorada em sua condição de mulher pelas principais organizações feministas brasileiras.

Também na esquerda americana, a sororidade vai só até onde começa a divergência ideológica. Na sabatina da ministra conservadora Amy Coney Barrett no Senado, em 2020, senadoras democratas foram bem além do escrutínio técnico. Mazie Hirono chegou a perguntar à então juíza Barrett — religiosa, antiaborto e mãe de sete filhos — se ela já havia pedido “favores sexuais inapropriados” ou agredido alguém sexualmente. Para essa vertente da esquerda, María Corina e Barrett não são mulheres, mas traidoras do gênero.

É merecedora de apoio qualquer iniciativa destinada a desobstruir o acesso de mulheres e outros grupos a territórios em que, por preconceito e discriminação, foram impedidos de entrar. Da mesma forma, é legítimo que movimentos de viés progressista em defesa das mulheres trabalhem para ver na mais alta Corte do país uma das suas — a exemplo do que fazem os congressistas com seu lobby bem mais franco. O problema começa quando esses movimentos afirmam falar em nome “das mulheres”, querendo, na prática, dizer “das nossas mulheres”. Quando isso ocorre, o discurso da representatividade vira retórica universalista — em outras palavras, história para a turma vender seu peixe.

 

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