CartaCapital
Novo programa eleva o financiamento
habitacional e gera recursos de 111 bilhões de reais no primeiro ano
O novo modelo de crédito imobiliário lançado
por Lula e dirigido à classe média, com elevação do valor máximo de
financiamento para 2,25 milhões e juros de até 12% ao ano, é um marco na
evolução do sistema de financiamento habitacional. Representa um avanço no uso
de dispositivos das próprias instituições financeiras para fazer frente tanto
ao desaquecimento da economia quanto às tentativas da oposição de cercear
politicamente as iniciativas de Brasília, revelam dados e análises.
As novas normas incluem alterações no modelo de direcionamento obrigatório dos recursos dos depósitos de poupança e mudanças na regulamentação que disciplina o recolhimento compulsório sobre esses mesmos depósitos. Segundo o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central, o sistema viabiliza recursos de 111 bilhões de reais no primeiro ano e disponibiliza 52,4 bilhões a mais, em relação à configuração anterior, para o financiamento habitacional, dos quais 36,9 bilhões de forma imediata.
O novo modelo “é mais do que liberar o
compulsório dos bancos”, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e não
se trata de uma “solução paliativa, mas mudança estrutural”, de acordo com o
presidente do BC, Gabriel Galípolo. O vice-presidente Geraldo Alckmin prevê 3
milhões de contratos de moradias assinados até o fim do ano.
Ely Werthein, presidente-executivo do Secovi,
o sindicato das empresas do setor imobiliário, acredita que o novo modelo de
crédito “vai funcionar muito bem”. Seu cálculo, em linha com o do BC, prevê a
entrada no primeiro ano de funcionamento, a partir de janeiro, de cerca de 40
bilhões de reais para a classe média acessar o financiamento habitacional em
condições melhores. Em cinco anos, serão cerca de 190 bilhões em recursos
adicionais. A medida dá um fôlego para o sistema de poupança e empréstimo para
os próximos 20 a 25 anos, segundo Werthein.
A medida dá fôlego ao sistema de poupança e
empréstimo para os próximos 20 a 25 anos
“O Banco Central identificou, de modo
correto, um grande espaço para expansão. Nosso mercado de crédito imobiliário
não chega a um terço do mercado chileno e é quase metade do mercado
sul-africano, em proporção do PIB”, chama atenção o economista André Luiz
Passos Santos, sócio-diretor da BPCT Consultoria Econômica.
O novo modelo é ainda mais significativo em
meio às condições adversas encontradas pelo governo atual, na comparação com a
primeira administração Lula, sublinha Santos. A piora inclui o encarecimento do
crédito, com a substituição da TJLP por taxas próximas do juro de mercado,
privatizações, política predatória de distribuição de dividendos de estatais e
“amarras fiscais draconianas”, que levaram a uma taxa de formação bruta de
capital das mais baixas da história. “Boa parte da capacidade de intervenção do
Estado no domínio econômico foi enfraquecida ou destruída nesse período”,
acrescenta o economista.
Entre 2015 e 2022, o desemprego cresceu e a
renda do trabalhador encolheu. O salário mínimo deixou de ter aumentos reais e
a tabela do Imposto de Renda foi congelada, o que diminuiu a renda disponível
e, em consequência, o consumo e a demanda por crédito para investimento.
Para o secretário de política econômica do
Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, o novo modelo de crédito imobiliário “é
um passo fundamental para completar a política de financiamento habitacional” e
compõe também o que ele denomina de “escadinha de crédito”, construída pelo
atual governo e formada por: 1) Programa Desenrola para pessoas físicas,
pequenos negócios e pequenos produtores rurais renegociarem suas dívidas; 2)
microcrédito produtivo orientado do Acredita no Primeiro Passo, para quem está
no CadÚnico e já tem, ou quer iniciar, um pequeno negócio – uma iniciativa
muito expressiva no Norte e Nordeste, com taxas de juro próximas a 10% ao ano;
3) ProCred 360, para microempreendedores individuais e microempresas, resultado
de uma parceria entre o governo federal e instituições bancárias, que incentiva
o crédito para firmas com faturamento de até 360 mil reais por ano, com taxa de
juros de Selic mais 5%; 4) Pronamp, programa de incentivo para pequenas e
médias empresas, com juros de Selic mais 6%, com garantia do Fundo de Garantia
de Operações, assim como o ProCred. Essa salvaguarda é o que possibilita
oferecer o crédito a uma taxa mais baixa para os empresários.
Cenário.
Os saques do FGTS exauriram uma importante fonte de recursos. Ao contrário do
mercado, o FMI avalia positivamente a atual política de crédito – Imagem: Cory
Hancock/FMI e Renato Luiz Ferreira
Integram ainda o conjunto: 5) o FGI Peac,
operado pelo BNDES e que abrange pequenas, médias e grandes empresas, com muito
boa aceitação; 6) o Fundo Clima, para projetos maiores ligados à transformação
ecológica, também com taxas de juro abaixo das taxas de mercado; 7) o Plano
Safra, para o setor rural, com taxas de juro bastante atrativas, principalmente
para a agricultura familiar produzir alimentos, chega a 3% ao ano; e 8)
Recursos da Finep e do FAT, do BNDES, para inovação e tecnologia, com custo de
taxa referencial (TR), isto é, de 1% a 2% ao ano, mais as margens dos bancos,
para operações de crédito, que também têm funcionado bem.
Esses programas, segundo Mello, permitiram a
expansão do crédito no ano passado, em mais de 10%. Neste ano, ele estima que o
crescimento será “um pouco menos que 10%, mas sem queda do ritmo de concessão”.
Quanto ao crédito habitacional, o problema de
fundo, segundo Santos, é que o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo,
desenhado nos anos 1960 e 1970, obtém funding em dois instrumentos financeiros
de baixa remuneração, a caderneta de poupança e o FGTS, a fim de permitir
taxas de juro baixas e longos prazos de financiamento.
Ambos foram, porém, muito debilitados nos
últimos anos. A caderneta de poupança há tempos perde recursos, e o FGTS foi,
desde o governo Temer, praticamente “depenado” por permissões de saque além das
previstas originalmente, como a liberação indiscriminada de saldos de contas
inativas, saque aniversário e outras, para tentar compensar a perda de renda da
população. Do mesmo modo, a lei que obriga o FGTS a distribuir metade dos
lucros de seus investimentos aos cotistas, de forma proporcional, contribuiu
para limitar a capacidade de investimento desse fundo.
Essas medidas, apesar de serem positivas do
ponto de vista dos poupadores e trabalhadores, “minaram seriamente as fontes de
recursos que permitiam o barateamento do crédito habitacional”. A retomada do
Minha Casa, Minha Vida mitigou parte do problema, mas exclui as famílias com
rendas superiores a 12 mil reais mensais.
O novo programa reabre o mercado de
financiamentos para a classe média com o uso de um mecanismo considerado
“simples e inteligente”, sublinha Santos. Hoje, os bancos são obrigados a
aplicar 65% dos recursos captados em caderneta de poupança no crédito
habitacional, e a realizar depósitos compulsórios no BC de 20% do saldo da
poupança. A medida libera gradualmente o porcentual desses depósitos para
aplicação no crédito habitacional, permitindo que mais uma parte do compulsório
seja de livre utilização pelos bancos, buscando operações mais rentáveis para
compensar o retorno mais modesto do crédito imobiliário, limitado a 12% ao ano,
e assim cria um incentivo para que os bancos ampliem sua atuação no crédito
imobiliário, historicamente muito concentrado na Caixa.
O mercado de crédito imobiliário no País é
menos de um terço do chileno e quase metade do sul-africano, em proporção do
PIB
As iniciativas do governo contribuíram para
“o forte crescimento do crédito no Brasil apesar das altas taxas de juro”,
constatou o Fundo Monetário Internacional em recente estudo. Ao contrário do
que sugere o paradoxo dos juros altos versus crescimento do crédito, “as
preocupações com a falta de eficácia da política monetária estão se mostrando
amplamente injustificadas e a transmissão da política monetária no Brasil
permanece ativa”, reconhece o FMI. A análise põe em xeque a interpretação do
mercado, utilizada para pressionar o governo a cortar gastos, de que a Selic de
15% ao ano não está gerando o efeito esperado, tema de estudo de economistas do
Banco Inter amplamente difundido entre as instituições financeiras. Os
economistas André Valério e Gustavo Menezes identificam “perda de eficiência da
política monetária, que tem relação com a política fiscal e a falta de
confiança no cumprimento da meta de inflação”.
Entre os fatores para o crescimento do
crédito nos últimos anos, os economistas do FMI apontam o crescimento da
economia “mais rápido que o esperado, com baixo desemprego e aumento da renda”
e “mudanças estruturais significativas que aumentaram a inclusão financeira e a
disponibilidade de crédito”. Outro elemento importante foi o crescimento dos
bancos digitais e outras fintechs, que em 2024 representaram 25% do mercado de
cartões de crédito e mais de 10% dos empréstimos pessoais não consignados.
Debêntures isentas de impostos triplicaram a parcela do financiamento
corporativo no mercado de títulos.
Ao recorrer à ferramenta do crédito para
manter a economia firme em meio a ataques crescentes do mercado e da oposição,
Lula lança mão de um instrumento com o qual está bem familiarizado. Na crise
mundial de 2008, determinou o aumento do crédito concedido por Caixa, BB e
BNDES e o Brasil foi um dos países que saíram mais rápido da recessão. •
Publicado na edição n° 1384 de CartaCapital,
em 22 de outubro de 2025.
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