sábado, 18 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Rubio e Vieira abrem caminho promissor para negociações

Por O Globo

Compromisso de encontro de Trump e Lula deixa clara boa vontade de ambos para superar as desavenças

Foi auspicioso o encontro entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, em Washington. Representa mais um passo no pedregoso caminho de reaproximação entre os dois países depois do tarifaço de 50% imposto às exportações e das sanções contra autoridades brasileiras, que esgarçaram uma relação de mais de dois séculos de boa convivência. O encontro deu enfim inicio à negociação entre os dois países para superar as desavenças. Comunicado conjunto informou que Vieira e Rubio trabalharão para que ocorra em breve outro encontro, entre os presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda não há confirmação de data e local, mas, num cenário em que havia apenas incerteza, não é pouco.

Vieira chamou a conversa com Rubio de “produtiva e cordial”. Relatou que o foco foi a agenda econômica e que os dois países já trabalham na montagem de um cronograma de reuniões. Afirmou ainda ter reiterado o pedido de Lula a Trump, em conversa na semana passada, de reversão das sanções aplicadas ao Brasil pelo governo americano. Rubio também considerou a conversa “muito positiva”.

É saudável que tenham ficado fora dela temas sensíveis como o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros crimes. Quando anunciou o tarifaço, Trump citou como justificativas o processo contra Bolsonaro e o tratamento dado pelo Judiciário brasileiro às plataformas digitais americanas. O julgamento de Bolsonaro seguiu todos os ritos legais, a Justiça brasileira é independente, e é inaceitável que sofra qualquer ingerência de quem quer que seja. Nada há que Lula possa fazer em relação a tudo isso, portanto o melhor é mesmo evitar o tema.

O encaminhamento do diálogo entre os dois países ganha relevância diante de um cenário que até então se apresentava árido. O governo brasileiro costumava alegar que não encontrava canais de negociação com os americanos para tratar do tarifaço. Do outro lado, Trump também não emitia sinais de abertura. O gelo começou a derreter no breve encontro entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Numa reviravolta do roteiro, Trump afirmou ter havido “química excelente” com Lula. No dia 6 de outubro, os dois conversaram por telefone, e Trump indicou Rubio como interlocutor para continuar a negociação.

Há ainda muitos degraus a escalar. Mas as perspectivas são boas. É fundamental que o governo brasileiro mantenha a serenidade e se empenhe ao máximo para que o eixo das conversas fique restrito aos temas de comércio e à agenda bilateral. É não apenas desejável, mas perfeitamente viável alcançar muitos consensos deixando de lado as questões políticas. Há interesses mútuos e um campo promissor de negociação nas áreas tecnológica, científica, empresarial, comercial e, especialmente, mineral. Lula precisa buscar incansavelmente um acordo que reverta as sanções americanas e resgate as boas relações comerciais com os Estados Unidos, segundo maior destino das exportações brasileiras. O encontro entre Vieira e Rubio deixou claro que o caminho está aberto.

Apuração sobre venda de sentenças no STJ fortalece o Judiciário

Por O Globo

Inquérito é essencial num momento em que a Justiça está vulnerável à infiltração do crime organizado

As investigações da Polícia Federal (PF) sobre um esquema de venda de sentenças criado em gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) são graves não apenas pelos fatos que têm revelado, mas também pelo que significam no atual contexto de combate ao crime organizado.

Já seriam preocupantes, por si sós, as evidências de ilegalidade em sentenças da penúltima instância do Judiciário, abaixo apenas do Supremo Tribunal Federal (STF). Quando se multiplicam evidências da infiltração de organizações criminosas na economia formal, a investigação precisa servir de referência para proteger o Judiciário de interferências externas. Só uma Justiça íntegra terá capacidade de enfrentar as máfias.

O inquérito tramita em sigilo no STF e é presidido pelo ministro Cristiano Zanin. Tem como alvos advogados, empresários e ex-servidores de gabinetes dos ministros Og Fernandes, Isabel Gallotti e Nancy Andrighi. É fundamental destacar que a PF não encontrou nenhuma evidência de envolvimento dos ministros — eles não são sequer investigados. Tudo transcorreu, de acordo com o que se apurou até agora, sem o conhecimento deles.

A PF divide a investigação em três núcleos. O primeiro apura a atuação no esquema de servidores do STJ, incluindo ex-chefes de gabinete dos ministros. O segundo trata de advogados e lobistas, responsáveis por aliciar clientes para o esquema, principalmente no agronegócio e entre donos de empresas em processo falimentar. O terceiro núcleo reúne os beneficiados pela compra de sentenças.

Em apenas um caso, revelado pelo blog da colunista Malu Gaspar, do GLOBO, há menção a um parente de ministro, a advogada Catarina Buzzi, filha do ministro Marco Buzzi, acusada de ter recebido uma transferência de R$ 1,12 milhão, segundo indícios descobertos no celular do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. Relatório preliminar da PF identifica o advogado Roberto Zampieri, assassinado em Cuiabá (MT) em dezembro de 2023, e o empresário Haroldo Augusto Filho como próximos de Catarina. O conteúdo do celular de Zampieri foi essencial para o início das investigações — há nele uma mensagem de Catarina que despertou a suspeita da PF. Haroldo, sócio de consultoria especializada no agronegócio, é investigado sob a acusação de comprar sentenças também no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Caso se confirmem ramificações do esquema em Cortes estaduais, o inquérito ganhará ainda mais relevância para ajudar a blindar a Justiça contra a influência de organizações criminosas. O Judiciário sairá mais forte das investigações se elas elucidarem os fatos de modo exaustivo e se, confirmados os crimes, as condenações forem exemplares.

Governo gastador paga mais ao mercado

Por Folha de S. Paulo

Títulos do Tesouro chegam a ser vendidos com juros de 8%; causa é o descontrole das despesas e da dívida

Taxas caem na América Latina e na Ásia, com a expectativa de cortes nos EUA; aqui, a Selic está em 15% com diminuta perspectiva de corte

Em um cenário global de alívio monetário, o Brasil se mantém preso a juros estratosféricos, em razão, fundamentalmente, do desajuste orçamentário do governo federal.

A administração petista promove mais gastos e promessas eleitoreiras, enfraquece o arcabouço fiscal que nem completou dois anos de vigência e permite que a dívida pública se aproxime de 78% do Produto Interno Bruto —no ritmo atual, estima-se que ela subirá até 95% em 2033.

Esse descontrole erode a confiança dos investidores e impõe um prêmio de risco que encarece o financiamento do déficit persistente da União. Não por acaso, o Tesouro Nacional paga hoje 8% ao ano mais a inflação nos títulos indexados ao IPCA com vencimento em 2029 e 7,7% nos papéis com prazo até 2035.

São taxas superiores às do fechamento do ano passado, quando a cotação do dólar estava em R$ 6,17, muito acima dos R$ 5,40. Um país cuja economia cresce a 3% ao ano ou menos não tem como suportar tais encargos por tempo indeterminado.

A pressão altista sobre o custo do dinheiro de médio e longo prazo ainda tem sido acentuada por emissões de títulos privados incentivados, entre eles as debêntures de infraestrutura isentas de Imposto de Renda. Projetadas para fomentar investimentos em estradas, ferrovias e saneamento, as emissões têm atraído maior demanda, graças às melhorias regulatórias dos últimos anos.

Para o mercado, trata-se opção atraente devido à alíquota zero de IR, ante a taxação de 15% a 22,5% nos títulos públicos. Na prática, há uma competição com os papéis do Tesouro, que assim precisa pagar algo mais para rolar sua dívida —e, diante da alta nas taxas, reduziu o volume de leilões nas últimas semanas.

A situação poderia ser ainda pior se não tivesse caído, na semana passada, a mais recente medida provisória de elevação de impostos do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas negociações com a Câmara dos Deputados, o Executivo havia concordado em manter os incentivos à parte dos papéis privados e elevar a taxação sobre outros, agravando a assimetria atual.

A tributação das aplicações financeiras continuará sendo objeto de debate necessário, mas a solução essencial para os problemas de financiamento do Tesouro é o controle da gastança do governo, o grande aspirador que suga a poupança nacional e mantém os juros elevados.

Na América Latina e na Ásia, as taxas têm caído, seguindo a expectativa de cortes nos juros americanos, que devem chegar a 3% ao ano até meados de 2026, de acordo com as projeções atuais.

No Brasil, enquanto isso, a Selic segue em 15% com diminuta perspectiva de corte, para algo entre 12,5% e 13% no final do próximo ano. Isso significa o pagamento de mais de R$ 840 bilhões aos credores da dívida federal apenas nos últimos 12 meses —o que inclui um grande presente para os famigerados rentistas.

Lula, o PT e o Congresso

Por Folha de S. Paulo

Presidente desqualifica legislatura, em contexto de animosidade de seu partido contra o Parlamento

Petistas tratam resistências a propostas governistas de aumento de impostos como oposição à justiça social, o que tem muito de farsesco

O governo Luiz Inácio Lula da Silva trouxe alívio à vida política e institucional do país ao pacificar as relações do Planalto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Com o primeiro, a proximidade pode ter ido além da conta; com o segundo, mesmo sem maioria parlamentar segura, o petista soube manter diálogo e negociação —ao menos até há pouco.

Na quarta-feira (15), Lula achou por bem fazer uma crítica desqualificante à atual legislatura em ato público e ao lado do presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB). "Hugo é presidente desse Congresso e ele sabe que esse Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível como tem agora."

"Aquela extrema direita que se elegeu na eleição passada é o que existe de pior", completou o presidente da República, alegrando a plateia amistosa povoada por professores, no Rio de Janeiro.

Deixe-se de lado o fato de que Motta, vaiado no evento, não preside o Congresso, o que cabe ao chefe do Senado. É difícil dizer se Lula deixou-se levar pelo entusiasmo durante o improviso ou se calculou previamente o impacto da declaração. É certo, de todo modo, que ela se deu num contexto de animosidade de seu partido contra o Legislativo.

De alguns meses para cá, o PT tem tratado as resistências de parlamentares a propostas governistas de aumento de impostos como defesa de interesses milionários ante tentativas de promover justiça social. Essa campanha, que tem muito de farsesca, foi reavivada recentemente depois da derrubada de uma medida provisória que buscava R$ 20,9 bilhões em novas receitas para 2026.

É evidente que o presidente da República tem o direito de expressar suas opiniões —a questão é quando convém fazê-lo diante das responsabilidades do cargo. A retórica de confronto anima a militância, mas é inútil, se não contraproducente, quando se precisam aprovar projetos num Parlamento onde as forças à esquerda não chegam a 25%.

Lula não questionou a legitimidade do Legislativo, mas petistas caminham em terreno perigoso ao demonizar o Congresso como "inimigo do povo" —o partido, aliás, é useiro e vezeiro em radicalizar o discurso nos momentos de adversidade.

Se pode ajudar a disputar eleições, a polarização política atrapalha sobremaneira a tarefa de governar. Resta um ano até o pleito de 2026 e haverá medidas dificílimas a tomar no quadriênio seguinte, qualquer que seja o vencedor. Da perspectiva de Lula, nada indica que a próxima legislatura vá ser mais amigável que a atual.

O ‘golpe silencioso’ na internet brasileira

Por O Estado de S. Paulo

Em nome da ‘modernização regulatória’, eufemismo para centralização estatal, modelo que fez da internet nacional uma referência de liberdade e governança democrática está ameaçado

Em sua origem, a internet se apresentou como a tradução digital da própria ideia de democracia. Sua arquitetura aberta e descentralizada nasceu do princípio de que nenhum centro de poder deve controlar o fluxo das ideias. Cada nó tem voz, cada usuário, autonomia, e cada inovação pode surgir de baixo para cima. Essa engenharia da liberdade transformou a rede em espaço global de criação e participação – um espelho virtual dos valores democráticos.

Hoje esse modelo está sitiado. Em nome da “soberania digital”, governos e reguladores erguem muros no ciberespaço. A China exporta sua doutrina de “cibersoberania”, eufemismo para censura e vigilância. A Europa multiplica regulações que inibem a inovação. Os EUA oscilam entre liberdade e nacionalismo tecnológico. O resultado é uma internet fragmentada em arquipélagos digitais. Já o Brasil sempre foi uma ilha de excelência – até agora.

Desde 1995, o País construiu um modelo de governança multissetorial – o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) – que se tornou referência mundial. Nele, governo, academia, empresas e sociedade civil compartilham decisões técnicas e políticas. Dessa experiência nasceram instituições de excelência – NIC.br, Registro.br, IX.br, Cert.br, Cetic.br – que garantem a estabilidade e a segurança da rede. Em 2014, o Marco Civil da Internet consagrou essa filosofia em três pilares: liberdade de expressão, neutralidade de rede e privacidade.

Mas esse modelo está sob ameaça. Nos últimos três anos, a Anatel vem ampliando seu poder sobre o ecossistema digital. A pretexto de realizar uma “modernização regulatória”, a agência revogou a norma 4, que há décadas distinguia os serviços de telecomunicações – sob sua jurisdição – dos serviços de valor adicionado, como a internet. Essa separação foi o alicerce de uma rede livre da lógica centralizadora das telecomunicações. Ao apagá-la, a Anatel abriu caminho para reivindicar controle sobre infraestrutura e serviços fora de seu escopo: pontos de troca de tráfego, domínios, provedores de nuvem.

O movimento culminou no Projeto de Lei 4.557/24, que propõe subordinar à burocracia estatal da Anatel o CGI.br, e com ele a governança de uma rede construída sobre pluralismo e cooperação. A Internet Society advertiu que o projeto mina o modelo que fez do Brasil referência mundial. Como alerta Konstantinos Komaitis, ex-diretor da organização, em artigo em seu blog (www.komaitis.org), trata-se de um “golpe silencioso”, uma tentativa de submeter a rede brasileira à lógica burocrática e centralizadora do Estado.

O modelo brasileiro não apenas funciona: ele inspira confiança. Romper a separação entre telecomunicações e internet é entregar um sistema descentralizado à hierarquia estatal – trocar a colaboração pela autorização, a liberdade pela licença. Submeter a internet à estrutura de uma autarquia é minar o princípio de sua resiliência: o do poder compartilhado, nunca concentrado.

A ofensiva ocorre num ambiente já inclinado ao controle. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal têm ampliado a intervenção do Estado sobre o debate digital. Entre decretos abusivos e decisões judiciais expansivas, o País corre o risco de substituir a pluralidade pela tutela. O que se anuncia, no discurso de “regulação das redes”, é uma burocratização da liberdade movida pelo apetite de fazer do espaço digital mais um instrumento de poder político.

A internet brasileira prosperou porque foi livre. O CGI.br mostrou que é possível combinar inovação e responsabilidade sem sufocar o debate nem subordinar a técnica à política. Essa é a essência da soberania aberta: participar do mundo sem se fechar ao mundo. A alternativa – isolamento regulatório e captura institucional – é seguir o caminho dos que confundem proteção com controle e soberania com obediência.

O Brasil tem diante de si uma escolha. Pode preservar a arquitetura da liberdade que o tornou exemplo global, ou transformar-se em mais um elo da corrente que aprisiona a rede sob um Estado tutelar. Defender o CGI.br é defender a democracia digital – e a real. Porque a internet, em última instância, não é uma infraestrutura: é uma ideia. E essa ideia é liberdade.

Eficiência do Estado não pode ser tabu

Por O Estado de S. Paulo

Haddad compra briga com a esquerda ao defender que servidores públicos devem ter regras de desempenho, como se cobrar eficiência do funcionalismo fosse sinal de neoliberalismo

Enquanto o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) concluía as propostas da reforma administrativa com a qual se pretende modernizar as regras do funcionalismo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comprava uma briga com seus colegas de esquerda ao sugerir a necessidade de atrelar a estabilidade de servidores à qualidade e ao desempenho – como se cobrar eficiência do funcionalismo fosse sinal de neoliberalismo.

Haddad disse o óbvio, isto é, demonstrou preocupação com a entrega de serviços de qualidade à população. Não defendeu o fim da estabilidade no serviço público – ainda que devesse fazê-lo, já que, na forma como ela existe hoje no Brasil, trata-se de uma anomalia –, e sim regras de desempenho. Diante das reações entre progressistas, o economista Pedro Fernando Nery, colunista do Estadão, foi ao ponto: em algum momento será possível associar eficiência no serviço público a uma visão progressista? Ou o conceito seguirá visto como uma pauta de viés neoliberal?

Eis aí um debate que importa. Trata-se de um dilema para o País e, mais ainda, para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, o funcionalismo é historicamente uma base de apoio considerável à qual o presidente costuma dispensar especial proteção. Servidores, admite-se, temem perdas de direitos ou porta aberta para precarização, mas há o outro lado da moeda, ou seja, uma sociedade que espera e cobra serviços públicos mais eficientes. Recorde-se que, nos anos de oposição, os petistas se dedicaram a denunciar como os “inimigos” dos servidores públicos todos aqueles que cobravam destes um trabalho melhor.

E assim, com a decisiva contribuição da militância petista, o Brasil viu debates imprescindíveis interditados por décadas. A estabilidade e a avaliação do desempenho de servidores públicos foi um deles. A responsabilidade fiscal, durante anos, foi outro. A lista se estende às aposentadorias, ao papel das empresas estatais, à corrupção e à busca de eficiência do setor público – preocupações que não se restringem aos “neoliberais”. Entretanto, com essas interdições, eficiência tornou-se palavrão, avaliação de desempenho é crime de lesa-pátria, e revisão de privilégios só parece legítima quando dirigida contra “as elites” e a casta do Poder Judiciário. Tal viés refreia qualquer amadurecimento democrático e aperfeiçoamento do Estado.

Pois o Brasil ganharia com mais lideranças capazes de enfrentar temas controvertidos e até mesmo impopulares para fazer o que é certo. A análise da qualidade e do desempenho de servidores públicos é um desses temas a enfrentar, mesmo que à custa da patrulha da militância ideológica. Encará-la requer inevitavelmente tratar também das regras de estabilidade do funcionalismo. Democracias preveem estabilidade de carreira para garantir a continuidade dos serviços e a proteção de políticas de Estado e dos servidores contra pressões dos governos de turno, mas em geral a estabilidade é restrita a carreiras típicas de Estado, como juízes, diplomatas, policiais e fiscais. Isso torna o modelo brasileiro único no mundo.

Como presidente e como sociólogo, Fernando Henrique Cardoso argumentava que a reforma do Estado não seria apenas um movimento incentivador da racionalização formal da máquina pública e de incentivos a critérios de competição aberta, e sim um movimento democratizador, destinado a assentar as bases de um Estado com efetiva presença na sociedade. Em outras palavras, sua reformulação se prestaria não a obedecer aos cânones do neoliberalismo, mas sim a torná-lo mais democrático no acesso. Ou seja, um novo modelo de Estado é a condição para que seus serviços e benefícios sejam bons e disponíveis para todos.

Eficiência, nesse caso, significa gerar maior capacidade de prestar serviços básicos à população e garantir bens públicos ao maior número possível de pessoas, com o menor custo, sem distorções que incitam a descrença do cidadão em relação à política. É também uma forma de romper um ciclo perverso que costuma unir, simultaneamente, a vitimização e a vilanização dos servidores públicos. E, sobretudo, uma maneira de desfazer anos e anos de mentiras e preconceitos difundidos na esquerda, que só perpetuaram privilégios e desigualdades que se pretende combater.

A escalada da doutrina Trump

Por O Estado de S. Paulo

Ordem para ação da CIA na Venezuela escancara a vocação imperialista do presidente

O presidente dos EUA, Donald Trump, confirmou ter autorizado a CIA (agência de inteligência americana) a conduzir ações secretas na Venezuela. O objetivo declarado é interromper o fluxo de drogas da Venezuela para os EUA e contra-atacar uma suposta invasão de delinquentes venezuelanos em território americano, que segundo Trump teria sido arquitetada pelo governo do ditador Nicolás Maduro. Mas Trump não se esforçou para desmentir que o objetivo final é derrubar Maduro, considerado por Washington como chefe do tráfico de drogas da Venezuela e fugitivo da Justiça americana.

Ainda que Trump tenha razão, isto é, ainda que Maduro seja o principal chefe mafioso da Venezuela, ainda que muitas drogas que chegam aos EUA tenham a Venezuela como origem e ainda que a queda do regime chavista seria uma boa notícia, nada no Direito Internacional autoriza o presidente americano a atuar dessa forma, de maneira unilateral, contra um governo estrangeiro. Ao fazê-lo, Trump reedita os piores momentos dos EUA ao longo da guerra fria, quando, em nome da luta contra o comunismo, os americanos agiram direta ou indiretamente para derrubar diversos governos na América Latina.

Mas Trump desconhece os limites do Direito, como os americanos já se aperceberam. Sua vontade é soberana, e uma vez que ele dita o que quer, seus assessores correm para elaborar o arcabouço legal que supostamente dará suporte à decisão, em geral invocando leis obscuras dos séculos 18 ou 19. No caso específico da Venezuela de Maduro, por exemplo, Trump classifica os narcotraficantes como “terroristas”, contra os quais é possível aplicar leis de guerra.

Por essa lógica, a entrada de imigrantes venezuelanos nos EUA, classificados indistintamente por Trump como criminosos, é equiparada pelo presidente americano a uma invasão hostil promovida pelo governo de Maduro, contra a qual o governo dos EUA deve responder com sua força militar – não só expulsando esses imigrantes, como também atacando o território venezuelano.

Até aqui, os americanos se limitaram a afundar, na costa venezuelana, barcos que supostamente levariam drogas para os EUA. O próprio Trump, porém, anunciou que os EUA já dominam as águas venezuelanas, mobilizando uma força naval considerável, razão pela qual só resta operar com tropas em terra.

O Brasil precisa se preocupar com um conflito dessa natureza num país com o qual faz fronteira. Sabe-se que o Exército Brasileiro realizou recentemente exercícios militares na região, mas a Defesa garante que nada teve a ver com a crise entre EUA e Venezuela. De todo modo, o Brasil, por meio de sua diplomacia, deve atuar até onde for possível para evitar uma escalada – o que será particularmente desafiador, considerando a natureza do confronto, provocado pelo voluntarismo de Trump, e a inexistência de fóruns internacionais efetivos para estabelecer alguma forma de diálogo ou dissuasão diante de tão flagrante violação das leis internacionais por parte do impulsivo presidente americano.

Conflito com a Venezuela pode desestabilizar a região

Por O Povo (CE)

Trump não pode se arvorar xerife do mundo, decidindo quais ditaduras são aceitáveis — pois convive confortavelmente com várias delas — e quais vai atacar com sua máquina de guerra

Depois de abrir uma guerra comercial contra o mundo, com ataques aos mecanismos multilaterais, o presidente americano Donald Trump parece não ter ficado satisfeito com os estragos provocados por ele na economia mundial.

Agora, ameaça começar um conflito armado contra a Venezuela, com potencial de atingir toda a região, com repercussões que se espalhariam pelo mundo. Nas últimas semanas, aviões americanos bombardearam vários barcos, supostamente oriundos da Venezuela, matando seus ocupantes, em verdadeiras execuções extrajudiciais, sob a alegação de que as embarcações transportavam drogas.

Para piorar, o presidente dos Estados Unidos resolveu escalar os ataques contra a Venezuela. Ele autorizou a CIA (agência de inteligência americana) a conduzir operações dentro do território venezuelano, sob a mesma alegação de combater cartéis de drogas. Com esse pretexto, o governo Donald Trump desloca soldados, navios e submarinos de guerra para a costa venezuelana.

Como antecipou o jornal The New York Times, informação confirmada oficialmente por Donald Trump, as ações da CIA no território venezuelano podem incluir "operações letais", tendo como alvos inclusive o presidente Nicolás Maduro e outros integrantes do governo venezuelano.

Desta vez, portanto, o intento de Trump não se limita a uma bravata, como o anúncio, logo após sua posse, de que iria anexar o Canadá como o 51º estado dos EUA.

As ações na Venezuela são um recado de que nenhum país da América Latina está a salvo de uma investida americana, caso não se alinhe aos interesses dos Estados Unidos. Para isso, a Casa Branca usará todas as suas armas, sejam econômicas ou militares.

Mesmo internamente, essa política de Trump encontra barreiras. O almirante Alvin Holsey, chefe do comando militar responsável pelas operações dos EUA na América Latina, anunciou que deixará o cargo. Informações dão conta de que ele se opõe à ofensiva armada contra a Venezuela.

Não está em debate a classificação ideológica do governo Maduro, sem sombra de dúvida um autocrata, que não respeitou o resultado eleitoral, mantendo-se no poder pela força. No entanto, não se pode aceitar que Trump se arvore em xerife do mundo, decidindo quais ditaduras são aceitáveis — pois convive confortavelmente com várias delas — e quais vai atacar com sua máquina de guerra.

Entre as causas da ofensiva dos EUA contra a Venezuela pode-se incluir o estreitamento das relações do país sul-americano com a China, cuja influência cresce na América Latina, desagradando a Casa Branca. A diferença é que o Pequim opta pela via da negociação, enquanto a Casa Branca usa a força e a coerção — como se vê no Brasil —, ou mesmo quando se relaciona com países amigos, como é o caso da Argentina.

A mais, o ataque de Trump contra a Venezuela, tem potencial de desestabilizar a América Latina, preocupando a diplomacia brasileira, que teme a disseminação de conflitos por toda a região.

Pragmatismo é o caminho para relação com os EUA

Por Correio Braziliense

O Itamaraty retoma sua função histórica: representar o Brasil com sobriedade, equilíbrio e inteligência estratégica

A reunião entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, é o primeiro sinal concreto de que Brasil e Estados Unidos começam a restabelecer o caminho da normalidade diplomática. Depois de meses de tensão e ruído provocados pelo tarifaço de 50% imposto por Donald Trump sobre produtos brasileiros, os dois países voltaram a conversar com serenidade — e, mais importante, com pragmatismo. É um passo pequeno, mas simbólico: o da reconstrução da confiança entre as duas maiores democracias do Ocidente.

O governo Lula entendeu que, para avançar na agenda econômica e tecnológica, precisa deixar de lado os discursos ideológicos e as desconfianças herdadas do passado. Trump, por sua vez, também percebeu que o Brasil é grande demais para ser tratado como adversário e indispensável demais para ser ignorado. Nesse ponto, a política fala a linguagem dos fatos: os Estados Unidos precisam de acesso a minerais críticos, energia limpa e novos mercados; o Brasil precisa de investimentos, tecnologia e previsibilidade.

A presença de Marco Rubio à frente da interlocução é reveladora. Conservador, hispânico e com trânsito no Congresso americano, Rubio representa uma versão mais inclinada a cruzadas ideológicas e mais atenta à segurança econômica dos EUA. Entretanto, revelou pragmatismo ao sentar-se com Mauro Vieira diante do retrato do diplomata John Hay (1838-1905), um dos diplomatas e estadistas mais influentes dos Estados Unidos entre o fim do século 19 e início do 20.

O gesto é uma metáfora: abre-se a cortina de um novo capítulo, em que o diálogo vale mais do que a provocação. É também um recado político interno. O governo Lula afasta-se, com firmeza, da herança tóxica deixada pelo bolsonarismo antipatriótico — aquele que, mesmo exercendo mandato parlamentar, atua em território estrangeiro contra o próprio país. O Itamaraty retoma sua função histórica: representar o Brasil com sobriedade, equilíbrio e inteligência estratégica.

A coincidência entre a reunião de Vieira e Rubio e a criação do Conselho Nacional de Política Mineral, anunciada pelo ministro Alexandre Silveira, não foi mero acaso. Trata-se de um gesto coordenado, sinalizando que o Brasil quer negociar a partir de suas potencialidades estratégicas — nióbio, cobre, urânio, terras raras — e não de suas fragilidades. O recado é claro: o país deseja parceria, não tutela.

Lula também fez sua parte: deixou de lado a retórica geopolítica dos Brics e engavetou a ideia de uma moeda comum, tema que irritava Washington. O recuo não significa submissão, mas realismo. O Brasil precisa abrir portas, não criar muros. E a hora é propícia: Trump busca consolidar sua liderança hemisférica e precisa de um interlocutor estável no Sul.

Nada disso será simples. A reversão das tarifas não virá de imediato, e as pressões americanas sobre temas sensíveis — Amazônia, licenciamento ambiental, Venezuela e Cuba — continuarão. Mas o Brasil está mais bem posicionado para negociar quando fala com voz serena e unificada. O desafio agora é sustentar esse novo tom.

 

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