Alterar projeto de IR resultará em maior insegurança jurídica
Por O Globo
Proposta de Renan que muda regra para dividendos cria dúvida sobre vigência da lei e inibe investimentos
Depois da aprovação unânime na Câmara do
projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda (IR) e estabelece tributação
sobre dividendos, são temerárias as mudanças no texto cogitadas pelo relator no
Senado, Renan Calheiros.
O texto aprovado pelos deputados prevê isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, taxas menores para quem ganha até R$ 7.350 e alíquotas mínimas entre 5% e 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. Está longe de significar a “justiça tributária” alardeada pelo governo e pelo Congresso, pois não corrige as maiores distorções da tributação brasileira. Mas tem méritos. Representa um passo correto no sentido de corrigir algumas distorções, criando um mecanismo de ajuste na declaração anual que permitirá cobrar mais de quem hoje se beneficia de isenções e regimes especiais.
A Câmara determinou uma regra sensata para os
dividendos gerados por lucros acumulados até 2025: eles podem ser distribuídos
até 2028 sem incidência de imposto. A taxação só começaria a valer para lucros
gerados a partir do ano que vem, sujeitos às novas regras. Dessa forma, não se
incentiva a distribuição antecipada de dividendos, reduzindo o impacto nos
balanços. Mas Renan quer remover essa isenção.
Ela foi fundamental para a aprovação unânime
na Câmara, com o voto dos 493 deputados presentes. Parlamentares que costuraram
as negociações, representantes do setor produtivo e tributaristas temem que,
além do impacto no caixa das empresas, a mudança aumente o risco de
judicialização, pois o IR incidirá sobre fatos anteriores à entrada em vigor da
lei. As alterações também forçariam a volta do projeto à Câmara, onde o relator
foi o deputado Arthur Lira, adversário de Renan.
Renan deveria ouvir a sociedade antes de
mexer num texto consolidado. O setor empresarial tem trabalhado com os
parâmetros aprovados na Câmara. A mudança induziria descapitalização das
empresas, incentivadas a distribuir como dividendos, até o fim de 2025, todo o
estoque de lucros acumulados. “Se a gente tiver de pagar tudo de uma vez,
projetos terão de ser interrompidos”, afirma o presidente da Associação
Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Pablo Cesário. Além disso, como
parte opera no Brasil mas tem capital estrangeiro, haverá saída maciça de
dólares. “Em síntese: descapitaliza as empresas, reduz investimentos e faz
pressão sobre o câmbio”, diz o tributarista André Mendes Moreira, da USP.
Outra preocupação é a possibilidade de Renan
incluir papéis hoje isentos (como LCAs ou LCIs) no cálculo da taxação do
contribuinte na declaração anual. No texto da Câmara, essa renda ficou fora da
conta, com base num argumento sensato: se o investidor comprou papéis isentos,
o rendimento deles não pode ser taxado. Ainda que criticável, essa isenção não
pode ser revogada de modo disfarçado.
É louvável que, depois de longas discussões,
os deputados tenham chegado a um consenso. Seria uma lástima que se perdesse a
oportunidade de preservá-lo no Senado, antes que o projeto siga para sanção
presidencial. As alterações cogitadas por Renan não apenas ignoram os acordos
que pavimentaram a aprovação do texto, mas, principalmente, têm potencial de
criar insegurança jurídica e desestimular investimentos, fatores que podem pôr
a perder o avanço obtido até agora. Ele deveria rever sua posição. O melhor projeto
é aquele que une, não o que divide.
Sofisticação empresarial do PCC exige ação
articulada do Estado
Por O Globo
Facção criminosa dispõe de setor de RH e
adota práticas corporativas de gestão, revela inquérito policial
Ao se infiltrar na economia formal, o crime
organizado também tem adotado práticas empresariais, como revelou reportagem do
GLOBO. Inquérito sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) instaurado em São
Paulo constatou a existência de uma espécie de Departamento de Recursos Humanos
do crime, que transmite orientações, define regras para organizar a venda de
drogas e planeja a expansão territorial da facção. A apreensão de celulares de
um traficante graduado do PCC permitiu ter uma ideia precisa do nível de sofisticação
alcançado na gestão do crime.
Chamado internamente “Sintonia Final do
Resumo”, o departamento de RH do PCC é responsável por manter a ordem e a
hierarquia. De acordo com o inquérito, funciona também como uma espécie de
“tribunal” para avaliar a conduta dos filiados e ameaçar a quem “de alguma
forma entra em conflito com os interesses do PCC”, sejam comerciantes,
políticos ou moradores das áreas sob controle da facção.
Em julho do ano passado, pouco antes das
eleições municipais, o departamento informou que cada comunidade deveria
escolher o candidato mais vantajoso, independentemente de partido ou orientação
ideológica. “Vamos deixar a critério de cada um em suas comunidades apoiar
aqueles que trazem maiores benefícios para a sua região, sabendo que as
eleições trazem trabalho e renda para as comunidades”, diz mensagem que consta
do inquérito. Sobre 2026, as diretrizes ainda estavam em estudo. O RH do PCC
também fiscaliza o mercado de drogas, para evitar a entrega em locais onde já
existe boca de fumo, uma irregularidade pelas regras da facção. Como numa
empresa, a preocupação é evitar a canibalização entre diferentes canais de
venda.
Para facilitar o trabalho dos gestores, os
integrantes da facção têm ficha com nome, apelido original e apelido de
“batismo” no PCC, idade, endereço, “padrinhos” na organização, função atual e
outras informações. Descobriu-se também que a facção conta com uma equipe de
“auditores” para vigiar os pontos de venda de drogas, usando até câmeras.
As mensagens a que a polícia teve acesso
revelaram ainda uma investida do PCC no Complexo da Maré, no Rio. Segundo as
investigações, o contato era com a facção carioca Terceiro Comando Puro (TCP),
que controla parte da Maré e se aliava ao PCC para enfrentar no local um
inimigo comum, o Comando Vermelho (CV).
A cada operação policial, confirma-se que o PCC se tornou não apenas gigantesco, mas também empresarial e tecnologicamente sofisticado. A Operação Carbono Oculto desvendou como a facção lavava dinheiro por meio do controle de postos e usinas de combustível e usava uma fintech sediada no coração financeiro paulistano, a Avenida Faria Lima. Fica cada vez mais evidente que todos os níveis da Federação precisam estar articulados para enfrentar as facções criminosas de forma organizada e planejada.
Lula se aproxima da eleição e se afasta da
moderação
Por Folha de S. Paulo
Nomeação de Boulos para ministério reforça
pauta de esquerda e discurso de confronto na próxima eleição
Em seu primeiro governo, Lula deixou de lado
crenças petistas em prol da economia; tal movimento, tudo indica, será mais
difícil desta vez
Mudanças ministeriais devem buscar,
idealmente, melhoras na formulação e na gestão de políticas públicas. Ou, numa
perspectiva mais pragmática, são úteis ao contemplar aliados capazes de
fortalecer a sustentação política ao governo. A ida de
Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência não se
encaixa em nenhum dos dois critérios.
Graduado em filosofia com mestrado em
psiquiatria, deputado por São Paulo em primeiro mandato, derrotado em disputas
pela Presidência e pela prefeitura da capital, Boulos, 43, não dispõe de
experiência administrativa nem formação que o credenciem naturalmente ao posto.
Seu partido, o modesto PSOL,
conta com somente 14 dos 513 votos da Câmara dos
Deputados e não tem nenhum representante entre os 81 senadores.
De mais a mais, a legenda já apoia organicamente a administração petista.
Informa-se em Brasília que a missão do novo
ministro será reforçar laços com os movimentos sociais à esquerda e
intensificar a combatividade nas redes sociais, mirando a campanha de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
à reeleição. "Colocar o governo na rua", nas palavras do próprio
Boulos, que surgiu na política como militante de um movimento de sem-teto.
Não deixa de ser coerente com outras trocas
ministeriais que Lula promoveu nos últimos meses. Na mais significativa delas,
alojou seu marqueteiro de campanha, Sidônio Palmeira,
na Comunicação Social do Planalto.
Para a pasta das Relações Institucionais,
responsável pelo diálogo com o Congresso, nomeou Gleisi
Hoffmann, até então presidente do PT e ortodoxa na doutrina da sigla
a ponto de se opor até às débeis tentativas da Fazenda de conter a gastança
oficial.
Já estava claro desde o início de seu
terceiro mandato que Lula não governaria com a frente ampla vendida na disputa
presidencial de 2022 —os aliados ao centro praticamente só receberam postos
periféricos na Esplanada. Agora, com a aproximação de 2026, o petista dá cada vez
mais sinais de que se afasta da moderação em busca da reeleição.
O discurso do confronto ganhou força com as
resistências do Congresso em aprovar propostas de aumento de impostos e, não
menos importante, com o tarifaço de Donald Trump estupidamente
apoiado pela direita bolsonarista, que ajudou Lula a recuperar algo de sua
popularidade.
Após o bem-sucedido
projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda,
aliados especulam agora sobre outras pautas caras à esquerda, como a gratuidade
do transporte público ou a limitação legal das jornadas de trabalho —nesses
casos o apelo eleitoral, claro, pesa mais do que considerações sobre
viabilidade ou consequências adversas.
Em seu primeiro governo, Lula soube deixar de
lado velhas crenças petistas, desde a campanha eleitoral, para fazer os ajustes
necessários na economia. Esse movimento, tudo indica, será bem mais difícil
desta vez.
Riscos em alta para a economia global
Por Folha de S. Paulo
FMI projeta desaceleração gradual da
atividade; no Brasil, maior problema é o desajuste orçamentário
O PIB global passa de 3,3% em 2024 para 3,2%
em 2025 e 3,1% em 2026; índices superiores aos de abril, mas abaixo dos
anteriores ao tarifaço
O relatório semestral do Fundo Monetário
Internacional (FMI)
mostra um cenário global de riscos econômicos ainda em alta.
O ano de 2025 foi marcado pelo choque das
tarifas comerciais americanas promovido por Donald Trump,
que gerou um impulso inicial de consumo e investimentos para fugir da cobrança,
sustentando o crescimento no primeiro semestre. Agora, há sinais de perda de
ritmo, inflação persistente
nos Estados
Unidos, menos comércio e mais dívida pública.
O crescimento global manteve-se em torno de
3,5% anualizados na primeira metade do ano, graças a margens de lucro
saudáveis, depreciação do dólar e ajustes de estoque. Mas sinais de queda do
vigor surgem neste semestre.
As projeções indicam desaceleração gradual,
sem recessão. A alta projetada do PIB global
passa de 3,3% em 2024 para 3,2% em 2025 e 3,1% em 2026 —previsões superiores às
de abril, devido a tarifas menores que as esperadas naquele mês, mas abaixo do
que se calculava antes do choque.
As economias avançadas devem crescer, em
média, 1,6% ao ano —os EUA devem manter expansão em torno de 2% anuais.
Nas emergentes, esperam-se altas de 4,2% em
2025 e 4% em 2026, com desaceleração concentrada na China (4,8%
e 4,2%, respectivamente). Para o Brasil, o FMI projeta
elevação de 2,4% e 1,9% no mesmo período, bem abaixo dos 3,4%
observados em 2024.
A inflação deve recuar de 4,2% em 2025 para
3,7% em 2026, conforme se esgotem os repasses das tarifas, mas ainda há grande
incerteza sobretudo nos EUA, o único dos grandes países a sofrer maior pressão
de preços.
Há riscos baixistas, notadamente na área do
comércio, já que o protecionismo pode trazer perdas no PIB global. Choques na
oferta de trabalho por meio de restrições migratórias embotam o crescimento.
Fragilidades fiscal e financeiras, como
correções em ações ligadas à inteligência
artificial (IA), preocupam; pressão
política sobre bancos centrais desancora expectativas
inflacionárias.
Avanços em negociações podem reduzir tarifas,
enquanto reformas estruturais e ganhos de produtividade com IA são capazes de
superar custos da redução de empregos. Para isso, exige-se maior coordenação global,
o que parece difícil no atual cenário.
No Brasil, o maior problema é o desequilíbrio das contas públicas, que eleva a dívida e mantém juros escorchantes. Infelizmente, não se espera esforço sério do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em promover ajustes a caminho de um ano eleitoral.
Governo tenta obter receitas negadas pelo
Congresso
Por Valor Econômico
Dificilmente o Planalto obterá o mesmo
resultado que esperava com a medida provisória ignorada, mas é possível que
consiga obter parte desses recursos
Depois de ver rejeitada pelo Congresso a
apreciação da MP 1303, de corte de gastos e aumento de receitas, o governo
decidiu incluir várias das medidas nela constantes em legislações espalhadas
pelas comissões das duas Casas que possam ser votadas com rapidez. Dificilmente
o Planalto obterá o mesmo resultado que esperava com a medida provisória
ignorada, um aumento de arrecadação de R$ 20,9 bilhões no ano que vem, R$ 10,5
bilhões este ano, mais uma redução de incentivos de outros R$ 10,5 bilhões. É
possível, porém, que consiga obter parte desses recursos, mesmo com a
demonstração clara dos congressistas de que não querem mais aumentos de
impostos, uma disposição reforçada pela disputa eleitoral próxima, para a qual
mais recursos no ano seguinte equivalem a maior cacife do governo nas urnas,
segundo a oposição.
O presidente Lula e a equipe econômica
procurarão seguir a linha de menor resistência, após terem se convencido de que
não conseguirão mais taxar em 5%, como era a intenção os títulos isentos, como
debêntures e as Letras de Crédito Agrícola (LCAs), uma das componentes
importantes do financiamento do agronegócio, que conta com numerosa e aguerrida
bancada parlamentar. Desistiu também de implantar uma precipitada e pouco
avaliada uniformização da alíquota de Imposto de Renda para aplicações
financeiras em 17,5%, no lugar da atual escada de alíquotas decrescentes de
acordo com o prazo de aplicação — de 15% a 22,5%, a menor para prazos mais
longos.
O presidente, porém, pretende aumentar, nos
mesmos termos anteriores, a taxação das bets, de 12% para 18% (receita prevista
de R$ 1,7 bilhão) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das
fintechs de 9% para 15% (receita estimada de R$ 1,58 bilhão em 2026). Não será
fácil no primeiro caso. Na apreciação da Medida Provisória 1303, houve rejeição
decidida e a priori dos deputados. No caso das fintechs, a oposição não deve
ser tão forte.
As medidas de elevação de receitas encolheram
e incluem ainda o aumento da tributação dos juros sobre capital próprio, que
remunera os acionistas das empresas. Agora, a Fazenda espera arrecadar com isso
R$ 8,3 bilhões. Parte relevante do pacote virá de um freio na perda de
receitas, mais do que propriamente corte de gastos.
Pelo menos R$ 10 bilhões poderão advir, se o
Congresso aprovar, das restrições ao uso dos créditos tributários como
compensação de impostos a pagar. A ideia é vedar essa compensação quando não
existir a Dirf, documento que comprova o recolhimento do imposto que se
pretende creditar, além de proibir que o crédito possa ser usado em um setor
diverso do original. Mais R$ 15 bilhões deixarão de ser gastos com mudanças no
seguro-defeso (pago a pescadores em épocas em que a pesca não deve ser feita),
mudanças no sistema online para concessão de auxílio-doença sem exame
presencial e a inclusão no piso da educação do programa Pé de Meia, destinado a
incentivar a permanência dos alunos até a conclusão do ensino médio.
O governo pediu um adiamento da votação da
Lei de Diretrizes Orçamentárias, até que consiga definir como ficarão as
despesas em 2026, pois elas têm de ser determinadas, não apenas estimadas.
Serão enviados projetos de lei e, ao mesmo tempo, serão buscados atalhos em
projetos já adiantados. Em alguns casos, isso reforçará a prática esdrúxula,
mas usual, do Congresso de introduzir assuntos que não têm qualquer relação com
o objetivo da peça legal. Por exemplo, é intenção do governo adicionar a
restrição à compensação tributária em um texto, já pronto para ir ao plenário,
que tipifica como crime hediondo o acréscimo de ingredientes que causem risco à
vida ou à saúde do consumidor de bebidas e alimentos, que ganhou celeridade
depois das mortes provocadas pela adição de metanol em bebidas alcoólicas.
Ao mesmo tempo em que tem de se esforçar para
arrumar mais receitas para financiar gastos que crescem em função do próprio
aumento da arrecadação, o governo teve de desarmar outra bomba fiscal que
igualmente ameaçava a meta de 2026. O Tribunal de Contas da União entendeu que
o governo tem a obrigação de perseguir o centro da meta fiscal, e não seu piso
inferior, como tem feito, na confecção da peça orçamentária. O governo recorreu
e o TCU reexaminará a questão.
O governo terá de obter superávit de 0,25% do
PIB (R$ 34,3 bilhões) no ano que vem, com o piso inferior de déficit zero.
Paradoxalmente, quanto mais a meta aumenta, passando a prever superávit fiscal,
maior é o déficit primário previsto. Admitidas as exceções, o boletim Focus do
Banco Central estima um resultado negativo de 0,5% do PIB este ano e de 0,6% do
PIB no próximo.
O regime fiscal não está estabilizando a dívida bruta, que deve atingir 82,4% do Produto Interno Bruto no último ano da gestão do presidente Lula, 10 pontos percentuais do PIB a mais do que a que herdou. Ao mesmo tempo, pelo acúmulo de exceções, ele perdeu a capacidade de medir o real esforço fiscal realizado.
O iluminismo autoritário
Por O Estado de S. Paulo
Com um voto espúrio pela legalização do
aborto, Barroso sai de cena como entrou: agredindo a separação dos Poderes e a
soberania popular e reafirmando o ativismo que deslegitima o STF
O recém-aposentado ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, costuma afirmar que o ativismo
judicial no Brasil é um “mito”. Mas, ao transformar sua convicção pessoal em
decisão judicial, Barroso encerrou seu mandato como começou, comprovando que
não apenas o ativismo, mas o oportunismo judicial estão mais vivos do que
nunca.
O ministro despediu-se votando pela
descriminalização do aborto até a 12.ª semana de gestação – um gesto previsível
em conteúdo, mas escandaloso na forma e no foro. O problema não está na posição
pessoal de Barroso, mas na presunção de que magistrados possam decidir o que o
povo deve pensar, normatizando sobre um tema moral e político dessa magnitude.
Nas horas finais de seu mandato, Barroso
pediu uma sessão extraordinária e virtual, para, assim como Rosa Weber antes
dele, lacrar seu testamento ideológico. O gesto diz menos sobre coragem e mais
sobre vaidade. A irresponsabilidade com que armou a cena – um julgamento
noturno e sem debate, improvisado por uma “urgência” fabricada – converteu a
toga em púlpito e o Supremo em palco, não só violentando a soberania popular, a
separação dos Poderes e a ordem jurídica, mas deslegitimando a natureza
colegiada da própria instituição que presidiu.
O STF não tem competência para legislar. A
ação em que Barroso interveio, proposta pelo PSOL, busca anular artigos do
Código Penal que tratam do aborto – uma decisão que cabe ao Congresso Nacional.
Ao afirmar que “direitos fundamentais não podem depender da vontade das
maiorias políticas”, Barroso tem razão ao destacar o caráter contramajoritário
do Supremo, cuja função é resguardar o texto da Constituição a despeito do
clamor popular. Mas o dever da Corte é justamente aplicar as leis e a
Constituição tal como foram redigidas e aprovadas como expressão da vontade da
maioria da sociedade, por meio de seus representantes. Quando o STF interpreta
a Lei Maior de modo a substituir a deliberação política por suas convicções,
vale dizer, pela ideia que faz de como a lei deveria ser, arroga para si o
papel de legislador moral da Nação – algo que a democracia representativa
jamais lhe conferiu.
Há, ainda, falácias e incoerências que não
resistem a uma leitura honesta. Barroso sustenta que a criminalização do aborto
viola direitos das mulheres, mas ignora que esses direitos, como todos os
outros, se equilibram no texto constitucional com o direito à vida, e que
qualquer alteração nesse balanço deve ser feita por via legislativa. Barroso
argumenta que o Estado não deve ter o poder de “obrigar a mulher a ter o filho
que ela não quer”, já que “as mulheres são seres livres e iguais, dotadas de
autonomia, com autodeterminação para fazer suas escolhas existenciais”, mas ele
mesmo, por razões insondáveis que seguramente não estão na Constituição, impõe
um limite a essas escolhas a partir da 12.ª semana de gestação.
A forma como Barroso decidiu proferir seu
voto é a síntese de um estilo: o do magistrado que se vê como pedagogo da
Nação. Ao longo de sua trajetória, o ex-ministro cultivou a ideia de que o
Supremo deve “empurrar a História na direção certa”. Mas quem define essa
direção? Ao substituir o debate público pelo monólogo togado, o pretenso
iluminismo se transforma em autoritarismo de gabinete. O ativismo judicial,
quando justificado como missão civilizatória, torna-se apenas uma forma
sofisticada de despotismo ilustrado.
Questões como o aborto, que tocam a
consciência moral de uma sociedade, pertencem ao povo – seja diretamente, por
plebiscito, seja por meio de seus representantes eleitos. A omissão do
Congresso, se há, não é desculpa para intervenção judicial; é expressão
legítima da prudência democrática. Tanto pior quando não há omissão nenhuma,
como no caso da legislação sobre o aborto.
Barroso sai do Supremo com o brilho de quem
fala bonito e o rastro de um juiz que não se resignou a aplicar a lei tal qual
ela é, mas a reinventá-la tal qual ele julga que deveria ser. Sua última
decisão simboliza o colapso de uma fronteira que ele próprio ajudou a apagar: a
que separa o juiz do político, a toga da tribuna. Num país de mais de 150
milhões de eleitores, nenhuma biografia, por mais ilustre que seja – ou que se
imagine –, tem o direito de substituir o povo. O Estado de Direito não é o
governo dos iluminados – é o governo das leis, e estas só valem quando emanam
da vontade soberana da Nação.
Bolsa de Valores esvaziada é mau sinal
Por O Estado de S. Paulo
Desde dezembro de 2021 a listagem da B3
perdeu 38 empresas, fruto do descrédito na política fiscal, da insegurança regulatória
e da incerteza política, que afetam o investimento privado
Nos últimos quatro anos a bolsa de valores B3
perdeu 38 empresas, num processo rápido e contínuo de esvaziamento. Em dezembro
de 2021 havia 463 companhias listadas; hoje são 425 e, conforme noticiou
a Coluna do Broadcast no
início de outubro, outras duas – Gol e Banco Pan – preparam a saída. O êxodo,
mais do que evidenciar o enfraquecimento do mercado de capitais, é um sintoma
inequívoco de debilidade da economia.
Longe de se restringir ao universo do mercado
financeiro, o desempenho da bolsa é um termômetro importante da evolução
macroeconômica. É o ambiente que reflete mais rápido e de forma mais intensa a
percepção de risco sobre o País. O nível da volatilidade retrata o grau de
confiança na economia e, pelo saldo atual, a credibilidade do Brasil está
rateando, prejudicada ainda mais pela insegurança regulatória – de um governo
que parece desdenhar da importância da regulação independente dos mercados – e
pela incerteza política.
As empresas abrem capital na bolsa (oferta
pública inicial, ou IPO, na sigla em inglês) para captar recursos e investir em
expansão, novas tecnologias ou aquisições. A incorporação de acionistas leva ao
aperfeiçoamento da governança e dos controles internos, já que as companhias
listadas são obrigadas a adotar regras de transparência em suas decisões e
planejamento. Assim, o fortalecimento da bolsa tende a criar um círculo
virtuoso de negócio.
Na contramão, um mercado de capitais
fragilizado significa menos investimentos e menos crescimento econômico. É o
cenário que vem se desenhando com a seca de IPOs na Bolsa nos últimos anos. A
última operação de abertura de capital ocorreu no segundo semestre de 2021, um
ano marcado pelo recorde de 46 estreias na B3. Depois disso, nenhuma companhia
arriscou-se a abrir capital. Ao contrário, a partir de então os processos de
saída multiplicaram-se. No período foram registradas 42 ofertas públicas de
aquisição de ações (OPAs), que costumam ser o primeiro passo para o fechamento
de capital.
Nem todas as companhias listadas participam
ativamente dos pregões negociados na B3. O Ibovespa, indicador que reúne os
principais ativos da Bolsa e é referência para o nível de desempenho das ações,
é formado atualmente por 81 empresas e 84 papéis que, na prática, definem o
comportamento da B3. Algumas das saídas estão ocorrendo justamente aí, como a
do Carrefour que, após oito anos, deu adeus à B3 em maio, por decisão de sua
matriz francesa.
A escalada dos juros, que chegaram ao patamar
de 15% ao ano, explica em parte o movimento da B3, mas é somente uma ponta da
questão. O ano de 2021, com seu recorde de IPOs, começou com a taxa básica de
juros (Selic) em 2% ao ano e terminou com 9,25%. A política monetária
restritiva, necessária para controlar a taxa de inflação diante da retomada do
consumo na era pós-covid, acentuou-se no ano de eleições presidenciais de 2022,
quando o governo de Jair Bolsonaro despejou recursos públicos na economia em
busca de votos, e aumentou ainda mais a partir de 2023, diante da política
excessivamente expansionista do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Medidas econômicas do governo que se sucedem
com malabarismos, para fazer caber nas contas públicas o aumento de gastos de
políticas petistas que o Orçamento não é capaz de suportar, elevam a
imprevisibilidade e a insegurança. Lula tem o hábito de desconsiderar os
preceitos do mercado financeiro, dando prioridade a suas políticas de auxílio,
abono, transferência de renda e tantos outros propósitos populistas.
Ocorre que não há arrecadação que banque
tamanho crescimento de despesas, já que o governo gastou praticamente todas as
fichas que tinha para elevar a receita pública. Por isso, Lula recorre à
surrada – e temerária – via parafiscal, para gastar sem controle, ou aos bancos
públicos e estatais, para absorver os custos de seus devaneios sem passar pelo
Orçamento. É o tipo de inconsequência que o capital privado não parece disposto
a afiançar. Não à toa, o mercado aguarda um novo ciclo de abertura de capital apenas
em 2027, a depender da linha adotada por quem vencer as eleições do ano que
vem.
Todos temem socorrer os Correios
Por O Estado de S. Paulo
Injetar dinheiro em estatal com rombo
gigantesco e sem plano crível é aventura inglória
A resistência de bancos ao empréstimo de R$
20 bilhões para ajudar os Correios a tirar o pé da lama é compreensível.
Afinal, pelo que foi apresentado até agora, a operação de socorro desafogaria
temporariamente a empresa, mas nada garante que não retornaria ao atoleiro logo
adiante, já que, até então, não se tem conhecimento de um plano de recuperação
capaz de mudar o rumo da companhia, que caminha a passos largos para a
insolvência.
A crise da estatal chegou a tal ponto que é
possível imaginar que seria difícil atrair investidores até para uma venda por
valor simbólico – o que é juridicamente questionável. Em caso de liquidação,
pelas demonstrações de junho, se a empresa convertesse em dinheiro todos os
bens disponíveis em um ano (ativo circulante, de R$ 3,8 bilhões), teria o
suficiente para pagar apenas um terço das dívidas que vencem no mesmo período
(passivo circulante, de R$ 9,4 bilhões).
O prejuízo gigantesco, de R$ 4,4 bilhões no
primeiro semestre, como se sabe, é 70% superior ao rombo do ano passado
inteiro. Pior do que a situação financeira insustentável, no entanto, é a falta
de transparência do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para
encarar o problema. Não são apresentados, com o comprometimento que a questão
merece, os detalhes que levaram ao rombo bilionário e tampouco a proposta para
tirar a companhia do buraco.
Quando surgiram as primeiras notícias do
eventual aporte de recursos com garantia do Tesouro Nacional – ou seja, com o
dinheiro do contribuinte –, a crise dos Correios foi vagamente atribuída à
“taxa das blusinhas”, em referência à taxação de artigos importados de baixo
valor, e à obrigação de entregar cartas nos lugares mais remotos do País. Ainda
que ambos os fatores pesem sobre os custos, conferir a eles o colapso da
empresa é fazer troça da inteligência alheia.
Somando-se a isso o fato de que o empréstimo
bilionário se destinaria basicamente às despesas operacionais corriqueiras,
como salários e fornecedores, por dois anos, é fácil entender a desconfiança
dos bancos. Não se reestrutura uma empresa apenas financiando capital de giro
no curto prazo. E, como admitiu o novo presidente dos Correios, Emmanoel
Schmidt Rondon, há cerca de um mês no cargo, a companhia não tem capacidade
hoje nem para pagar o Plano de Demissão Voluntária (PDV), que teve adesão de
3.705 funcionários em 2024.
Como mostrou reportagem recente do Estadão, os bancos que estudam
o balanço dos Correios para avaliar a concessão do socorro financeiro chegaram
à conclusão de que são inúmeras e urgentes as fontes de problemas, desde o peso
da folha de pagamentos até o elevado passivo trabalhista, passando pela
formação irregular do estoque.
Como já dissemos neste espaço, os Correios há muitos anos viraram um cabide de empregos, um manancial de cargos que, pela abrangência da empresa no território nacional, ganhou enorme importância em negociações politiqueiras. É o que está por trás da relutância em privatizar. Mas não adianta injetar dinheiro em uma companhia mal gerida – e os bancos sabem disso melhor do que ninguém.
No Brasil laico, todas as religiões devem ser
igualmente respeitadas
Por Correio Braziliense
A igualdade de raça, cor e religião,
estabelecida na Constituição, é ignorada, e afrontada pela intolerância, que
vitimiza o povo negro e a maioria das suas expressões culturais e de fé.
Os líderes dos grupos de evangélicos e
católicos, com 246 e 195 deputados federais, respectivamente, propuseram a
formação da Bancada Cristã, com assento no colégio de líderes da Câmara dos
Deputados. A proposta foi acolhida pelo presidente da Câmara, deputado Hugo
Motta, que elogiou a sugestão, após participar de um culto ecumênico, uma
iniciativa dos deputados.
"Levarei à Mesa [Diretora] o
requerimento de urgência hoje para sessão de logo mais à tarde para que a Casa
possa apreciar esse requerimento e, consequentemente depois, o projeto de
resolução", antecipou Hugo Motta. Se aprovada, os representantes da nova bancada
terão assento no Colégio de Líderes, e poderão interferir na definição da pauta
de votação e em tantas outras decisões de interesse tanto dos partidos quanto
dos grupos que representam.
A Constituição de 1988 foi o mais expressivo
marco do processo de redemocratização do Brasil, após 21 anos de violência,
torturas e mortes de brasileiros. A Carta Cidadã não deixou dúvidas de que o
Brasil é um país laico, no qual cabem todas as denominações de fé. Reconheceu
como "inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício de cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
dos locais de culto e as suas liturgias".
Embora a regra constitucional seja
cristalina, segmentos da sociedade agridem religiões não cristãs. As mais
afetadas são As de matrizes afrorreligiosas. O preconceio religioso anda de
mãos dadas com o racismo.
A igualdade de raça, cor e religião,
estabelecida na Constituição, é ignorada, e afrontada pela intolerância, que
vitimiza o povo negro e a maioria das suas expressões culturais e de fé. Em
2023, foram registradas 2.124 violações de direitos humanos, relacionadas à
intolerância religiosa — 80% a mais do que no ano anterior —, sendo as de
matriz africana as mais atingidas.
Ninguém se opõe ou ignora os direitos
políticos das demais religiões, mas é fundamental que as políticas públicas
sejam mais efetivas no cumprimento do que determina a Constituição Cidadã em
relação às diferentes práticas religiosas que não compõem o espectro cristão.
A oportunidade da bancada cristã de participar do Conselho de Líderes também deveria ser concedida aos afrorreligiosos e a outras denominações de fé, assegurando a igualdade de tratamento a todos os grupos religiosos, e materializando, via equidade, a laicidade da Carta Magna.
O novo presidente do Banco do Nordeste
Por O Povo (CE)
Que o indicado tenha as necessárias
qualificações técnicas para ocupar o cargo, principalmente o conhecimento
profundo da região, de suas carências e potencialidades
Funcionário de carreira do BNB, Wagner Rocha
assumiu interinamente a presidência do banco depois de Paulo Câmara ter deixado
a instituição, concluindo seu mandato, iniciado em março de 2023. A decisão foi
oficializada em comunicado de "fato relevante" emitido pelo Conselho
de Administração do Banco do Nordeste.
Com um presidente interino, começa a
mobilização política para indicação do sucessor de Paulo Câmara, ex-governador
de Pernambuco pelo PSB. Esse é um debate que interessa a toda a região.
Faz parte da política que indicações para cargos públicos sejam feitas entre
aliados. Mesmo porque é necessário algum grau de alinhamento entre quem ocupa
cargos importantes e a política mais geral tocada pelo governo.
No entanto, a proximidade ideológica não pode
ser o único critério para a indicação de um cargo público de tal
magnitude, pois se trata de uma instituição essencial para induzir o
crescimento do Nordeste, contribuindo para a redução das desigualdades entre as
regiões do País.
Portanto, o indicado tem de ter as
necessárias qualificações técnicas para ocupar o cargo, principalmente o
conhecimento profundo da região, de suas carências e potencialidades.
É bem possível que, pelas injunções
políticas, o mesmo grupo do qual Paulo Câmara faz parte — liderado pelo
prefeito de Recife, João Campos (PSB) —, indique o novo presidente do BNB. O
importante é que ele tenha as características citadas acima.
O POVO divulgou algumas iniciativas mais
recentes do Banco do Nordeste, que dizem respeito ao Ceará, mas que
igualmente atenderam aos outros estados da região.
Em dezembro do ano passado, este jornal
registrou que mais de R$ 1 bilhão foi aplicado na economia cearense, em 2024,
por meio de contratações com as micro e pequenas empresas.
No mês de setembro, o banco confirmou a
destinação de R$ 7 bilhões em crédito para o Ceará, referentes a
2026, considerado um recorde pela instituição.
Até junho deste ano, o BNB já havia aplicado
mais de R$ 1 bilhão em crédito para famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico, em
toda a região.
Some-se a isso que o Banco do Nordeste
registrou lucro líquido de R$ 1,38 bilhão no primeiro semestre de
2025, aumento de 35,6% em comparação com o mesmo período de 2024.
O que se espera é que o escolhido tenha os
predicados citados acima, reconhecidos em Paulo Câmara durante o profícuo
período em que administrou o banco. Pernambucano, ele procurou dar a mesma
atenção aos nove estados nordestinos, sem discriminações, atendendo a
diversos setores da economia.
Que o BNB, criado em 1952 para atuar no "polígono das secas", continue dando a sua contribuição para o desenvolvimento do Nordeste e do Brasil.
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