O Estado de S. Paulo
Donald Trump é a única grande novidade no
trato recente dos EUA com a América do Sul. As questões são as de sempre, mas a
forma como estão sendo encaradas acaba sendo um imenso desafio para o Brasil.
Crime e dívida foram sempre as preocupações
centrais americanas nas últimas décadas em relação à região. Às duas Trump
acrescentou uma dimensão geopolítica só comparável ao que ocorreu na Guerra
Fria 1.0.
Há mais de 50 anos que agências americanas operam na América do Sul no combate ao narcotráfico, num tipo de estratégia que partia do pressuposto da cooperação (forçada ou voluntária) dos Estados da região. Foi o que permitiu o envolvimento direto de militares americanos no Peru e na Colômbia, por exemplo.
Trump acaba de ampliar do Caribe para águas
internacionais no Pacífico os ataques a embarcações que os americanos designam
como integrantes do narcotráfico. Sem a menor preocupação com a reação dos
países sul-americanos ou mesmo com os aspectos legais nos Estados Unidos (a
ponto de o comandante responsável pela área pedir demissão).
Considerado agora “terrorista” e, portanto,
ameaça à segurança nacional americana, o crime organizado tem alta
probabilidade de ser usado como “guarda-chuva” para um eventual ataque a alvos
terrestres na Venezuela. É uma formidável encrenca política, diplomática e até
mesmo militar para o Brasil – e já é tema eleitoral para 2026.
Trump decidiu socorrer um sul-americano – a
Argentina – em difícil situação financeira. Não é novidade. Os Estados Unidos
já tinham feito coisa semelhante com o México, 30 anos atrás, embora sejam
contextos com diferenças importantes. Um derretimento do México era visto como
risco considerável do ponto de vista de imigração e funcionamento do comércio na
América do Norte.
A dívida argentina não é hoje um “perigo
sistêmico”, como alegou Trump (e tinha sido o caso da dívida latino-americana
nos anos 80). A não ser que se considere problema “sistêmico” um político amigo
de Trump perder eleição e, principalmente, permitir avanço político, comercial,
econômico e até militar da China na região.
Mas é essa a visão de mundo do presidente
americano. O tarifaço imposto especialmente ao Brasil é um resumo dessa forma
de encarar a realidade e, como pretende Trump, mudála na marra em favor do que
ele considere interesse nacional americano. Que ele está mais prejudicando do
que ajudando, mas essa é outra história.
A recém-anunciada “química” entre Trump e
Lula não parece alterar esses pontos fundamentais – são, inclusive, uma das
poucas coisas constantes no mar de oscilações e mudanças do presidente
americano. O que permite um mínimo de previsibilidade daquilo que vai enfrentar
nas relações com os EUA quem quer que seja o vencedor das eleições brasileiras
em 2026.
Vai ser muito difícil.
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