quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Necrofilia não rende crônica, por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Foram seis ou sete anos conspurcando este espaço com o nome Bolsonaro

Agora, quem sabe voltarei a escrever apenas sobre cultura, comportamento e abobrinhas

Bolsonaristas, aproveitem. Esta é uma das últimas crônicas que escreverei sobre seu herói. Nos últimos cinco ou seis anos, conspurquei muitas vezes este espaço respingando na tela o nome Bolsonaro, pelo risco que ele representava para a democracia. Risco, aliás, fácil de prever desde a campanha eleitoral em 2018, dada a coerência histórica da extrema direita em seus discursos: pregação da antipolítica, obsessão pela corrupção (a alheia, claro) e a urgência de um líder messiânico, de "fora do sistema", para dar jeito no país. O objetivo, óbvio, era a ditadura —só não estava clara ainda a estratégia.

No começo, a fúria de Bolsonaro em armar a população parecia indicar a preparação para uma guerra civil entre seus partidários e as forças constituídas. Dali a pouco, enxergou-se a alternativa melhor: corromper essas próprias forças, as Armadas, nomeando generais até como seguranças de prédios e, de baixo para cima, infiltrar agentes nas várias camadas do Judiciário —investigadores, policiais, delegados, juízes de primeira instância, secretários da Justiça— e homens de confiança na PGR e no STF. Com isso, as duas pontas ficariam amarradas: a certeza de, em caso de necessidade, um golpe militar avalizado pela lei. Deu mal, como se sabe, pelo compromisso dos militares e dos magistrados com a democracia. Mas foi por pouco.

Por fim, como o último espasmo de um moribundo, as manobras de Eduardo Bolsonaro para chantagear o Brasil com medidas econômicas por Donald Trump. Mas, como também foi dito e repetido aqui, inocentes os que confiassem na disposição de Trump para dispensar negócios com um país a fim de livrar um político desprezivelmente perdedor.

É por isso que começo a me despedir de meus fiéis leitores bolsonaristas. Com Trump às voltas com seus problemas e Bolsonaro já dado como um zumbi por seus ex-aliados, voltarei com prazer a me dedicar a colunas sobre cultura e comportamento e às abobrinhas mais candentes da atualidade.

Necrofilia não rende crônica.

 

Nenhum comentário: