quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Lula com Trump, EUA contra Américas, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

EUA ameaçam atacar Venezuela e Colômbia, tentam salvar a Argentina de Javier Milei

O que o Brasil vai dizer nas negociações se houver intervenção americana na região?

Luiz Inácio Lula da Silva está para encontrar-se com Donald Trump. Uma dúvida maior é saber o que os Estados Unidos vão querer do Brasil como condição de um acordo, comercial, de outras relações econômicas ou até político e diplomático.

Uma complicação importante é que os EUA não estavam tão interessados nas Américas fazia uns 20 anos. Antes, houvera ação maior na frente latino-americana da guerra às drogas, dos anos 1980 ao início dos 2000.

Houve dinheiro para evitar o colapso de México e Brasil na segunda metade dos 1990. Ou a renegociação da dívida dos latino-americanos quebrados nos anos 1980 (na verdade, salvação dos banqueiros de EUA). O interesse agora é mais agressivo.

O que os EUA de Trump querem? O projeto político de Marco Rubio, secretário de Estado, é combater ou derrubar a esquerda latino-americana, qualquer coisa que queira chamar de governo de esquerda, de Venezuela e Nicarágua a Brasil, Chile e Colômbia. Qual outro interesse? É tentativa entre desastrada e idiótica de afastar a China da região?

Trump mandou navios de guerra para o Caribe. Bombardeia barcos de supostos traficantes de drogas. Ameaça intervenção militar ou da CIA na Venezuela, em tese contra traficantes, que os americanos dizem ser ameaça maior do que jihadistas.

Trump disse no domingo que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, nada faz contra a produção de drogas e o chamou de "illegal drug leader". Caso Petro não encerre a produção de drogas, ameaça Trump, "os EUA vão encerrá-las para ele, e não vai ser de um modo agradável".

Em janeiro, Trump ameaçara cobrar impostos de importação de 25% sobre produtos colombianos caso o país não recebesse voos com deportados. Ameaça agora novo tarifaço. O governo colombiano fala de "ameaça de invasão".

O Chile de Gabriel Boric escapou de um tarifaço de 50% sobre o cobre e não tem por ora problemas maiores com Trump. Como se sabe, o Brasil enfrenta o tarifaço, sanções contra autoridades federais e esteve sob ameaça de ataques mais graves.

Os Estados Unidos tentam salvar Javier Milei. Em parte, pelo motivo óbvio de o presidente argentino ser da direita extrema e bajular Trump. Em parte, pode ser tentativa destrambelhada de afastar a Argentina da China.

O Tesouro dos EUA compra pesos (coloca dólar no país de Milei), ofereceu uma ainda obscura linha de crédito e organiza um empréstimo privado, de bancos e gestores trilionários de investimentos, com garantias do Tesouro.

Para resumir história complicada, sem a taxa de câmbio quase fixa do peso pelo dólar, a inflação pode sair do controle —seria necessário elevar então as taxas de juros às alturas, o que derrubaria a difícil retomada do crescimento. Mas, com peso sobrevalorizado e quase fixo, não entra dólar bastante na Argentina cheia de dívida externa. O peso caro limita o saldo comercial e assusta potenciais investidores, que temem desvalorização do peso, talvez logo depois da eleição de domingo.

O problema argentino vai longe. O Tesouro americano corre risco de levar calote, direto ou indireto. A mera ameaça já pega mal nos EUA, inclusive entre republicanos. Mas Trump banca a aposta.

Lula vai conversar com Trump em um momento em que a ofensiva americana na América do Sul se intensifica, pois. As conversas devem levar meses. Vai ouvir exigências americanas ruins? O que vai dizer em caso de agressão contra o continente? É no mínimo uma complicação.

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