sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Trabalho, principal motor para vencer a pobreza, por Cécile Fruman

Valor Econômico

O Brasil precisa de políticas que sustentem o emprego e facilitem o retorno ao trabalho após choques

Neste 17 de outubro, celebramos o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Escolhi esta data para escrever meu primeiro artigo como diretora do Banco Mundial para o Brasil porque este é o cerne da nossa missão: erradicar a pobreza e compartilhar a prosperidade em um planeta habitável.

Antes mesmo de assumir a liderança da operação no Brasil em 1º de setembro, testemunhei o avanço do país na luta contra a pobreza por meio da criação de empregos. Conheci beneficiários do programa Acredita no Primeiro Passo, como a Lauriane Costa, que com treinamento adequado e oportunidade na hora certa, saiu da pobreza por meio do trabalho como eletricista em uma grande empresa privada. Uma experiência que ela conta com a emoção e a alegria de quem viu a vida transformada para melhor.

Nos últimos anos, o Brasil registrou progressos significativos no enfrentamento da pobreza. Em 2024, a taxa de pobreza internacional (US$ 8,30 por pessoa por dia) caiu pelo terceiro ano consecutivo: passou de 25,3% em 2022 para 20,6% em 2024, ficando abaixo do nível pré-pandemia (27,9% em 2019). Esse progresso reflete um mercado de trabalho mais dinâmico e políticas como o aumento real do salário mínimo e a expansão de programas sociais. Na América Latina e Caribe, o Brasil foi um dos países que mais reduziram a pobreza.

Esse avanço, contudo, também evidencia uma realidade persistente: o Brasil continua entre as nações mais desiguais do mundo. Estimativas recentes do Banco Mundial, em parceria com a Receita Federal e a Paris School of Economics, revelam que a parcela 1% mais rica da população concentra 27% da renda nacional, proporção superior à de países de renda semelhante, como os integrantes do Brics.

A análise também mostra que brasileiros com renda anual superior a R$ 5,5 milhões têm carga tributária média correspondente à metade da enfrentada pela população em geral. Em comparação, em países como os Estados Unidos, onde a relação arrecadação-PIB é inferior à do Brasil, os milionários arcam com carga tributária efetiva maior que o restante da população. Essa disparidade no Brasil é atribuída principalmente à alta incidência de impostos sobre consumo na arrecadação total e à isenção de dividendos no imposto de renda. A boa notícia é que o país atualmente discute caminhos para tornar esses resultados apenas um retrato do passado.

Apesar de o Brasil ter registrado, em 2025, taxa de desemprego baixa (5,8%), muitos trabalhadores, em especial os mais pobres, permanecem em empregos informais, sem acesso a benefícios como auxílio-doença, aposentadoria ou seguro-desemprego

Nesse contexto, a reforma do Imposto de Renda, em discussão no Congresso, ainda que não atinja diretamente os mais pobres, que já são isentos, representa um passo para reduzir a desigualdade de renda. Simulações do Banco Mundial indicam que, no formato atual, a mudança reduziria a carga tributária da classe média e atenuaria, mesmo que de forma modesta, a desigualdade. Para aumentar o potencial de redução da desigualdade, será fundamental adotar medidas rigorosas contra a evasão e o planejamento tributário entre os mais ricos. Assim, a reforma pode ir além e transformar a arrecadação em instrumento de justiça social e financiamento de políticas direcionadas a quem mais precisa.

O mercado de trabalho, porém, continua a ser o principal motor para vencer a pobreza. Resultados preliminares de um novo estudo do Banco Mundial demonstram que, quando um membro da família conquista um emprego, a probabilidade de o domicílio sair da pobreza dobra; se o trabalho for formal, triplica. Cada carteira assinada, portanto, é mais que um contrato: é um passaporte para a dignidade.

Mas os dados também alertam que os trabalhadores pobres correm quase o dobro do risco de sair do emprego ou cair na inatividade, sobretudo nas regiões norte e nordeste. Além disso, trocam de emprego com mais frequência que os não-pobres. Essa diferença aparece principalmente entre empregados domésticos e trabalhadores do setor privado, que juntos representam mais da metade dos trabalhadores ativos nesses grupos. Esse resultado sugere que, além da vulnerabilidade usual, brasileiros pobres estão sujeitos a uma maior oscilação da renda laboral em função da rotatividade de empregos. Pertencer a esses grupos significa, portanto, enfrentar uma trajetória profissional mais instável e menos protegida.

Apesar de o Brasil ter registrado, em 2025, taxa de desemprego historicamente baixa (5,8%), esse avanço oculta desafios importantes. Muitos trabalhadores, especialmente os mais pobres, permanecem em empregos informais, sem acesso a benefícios essenciais da seguridade social, como auxílio-doença, aposentadoria ou seguro-desemprego. Essa realidade limita a proteção e a estabilidade dessas famílias, tornando-as mais vulneráveis a choques econômicos e sociais. Além disso, o país enfrenta o desafio de ampliar a participação das mulheres no mercado de trabalho, passo fundamental para reduzir disparidades dentro dos lares e promover maior equidade de oportunidades.

Para romper esse ciclo, o Brasil precisa de políticas que sustentem o emprego e facilitem o retorno ao trabalho após choques. Qualificação alinhada às demandas presentes e futuras da economia, intermediação eficaz de mão de obra, proteção social que ampare rendas temporariamente e remoção de barreiras como transporte caro, falta de creche e déficit de informação sobre vagas são pilares indispensáveis.

Essas ações terão impacto duradouro se vierem acompanhadas de um ambiente de negócios que estimule o investimento privado em setores capazes de gerar empregos de qualidade em larga escala. Construção, infraestrutura, energia renovável, agroindústria, turismo e serviços digitais formam um conjunto promissor. Com segurança jurídica, logística eficiente e energia a custos previsíveis, cada real investido nesses setores pode se converter em mais dinamismo econômico e mais postos de trabalho formais, sobretudo para micro, pequenas e médias empresas, responsáveis por grande parte dos empregos no país.

Combinar políticas que elevem a qualificação dos trabalhadores com um ambiente que multiplique oportunidades é a receita para transformar crescimento em inclusão. Basta olhar o exemplo da Lauriane. Neste Dia Internacional para Erradicação da Pobreza, o Brasil pode renovar o compromisso de não deixar ninguém para trás. O meu compromisso no Banco Mundial é seguir oferecendo financiamento, análises e conhecimento global para apoiar políticas públicas baseadas em evidências. Com foco em empregos de qualidade, inclusão produtiva dos mais vulneráveis e equidade fiscal, será possível superar a pobreza de maneira sustentável. Esse é o Brasil que queremos - e que, juntos, podemos construir.

*Cécile Fruman é diretora do Banco Mundial para o Brasil.

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