Valor Econômico
O Brasil precisa de políticas que sustentem o
emprego e facilitem o retorno ao trabalho após choques
Neste 17 de outubro, celebramos o Dia
Internacional para a Erradicação da Pobreza. Escolhi esta data para escrever
meu primeiro artigo como diretora do Banco Mundial para o Brasil porque este é
o cerne da nossa missão: erradicar a pobreza e compartilhar a prosperidade em
um planeta habitável.
Antes mesmo de assumir a liderança da operação no Brasil em 1º de setembro, testemunhei o avanço do país na luta contra a pobreza por meio da criação de empregos. Conheci beneficiários do programa Acredita no Primeiro Passo, como a Lauriane Costa, que com treinamento adequado e oportunidade na hora certa, saiu da pobreza por meio do trabalho como eletricista em uma grande empresa privada. Uma experiência que ela conta com a emoção e a alegria de quem viu a vida transformada para melhor.
Nos últimos anos, o Brasil registrou
progressos significativos no enfrentamento da pobreza. Em 2024, a taxa de
pobreza internacional (US$ 8,30 por pessoa por dia) caiu pelo terceiro ano
consecutivo: passou de 25,3% em 2022 para 20,6% em 2024, ficando abaixo do
nível pré-pandemia (27,9% em 2019). Esse progresso reflete um mercado de
trabalho mais dinâmico e políticas como o aumento real do salário mínimo e a
expansão de programas sociais. Na América Latina e Caribe, o Brasil foi um dos
países que mais reduziram a pobreza.
Esse avanço, contudo, também evidencia uma
realidade persistente: o Brasil continua entre as nações mais desiguais do
mundo. Estimativas recentes do Banco Mundial, em parceria com a Receita Federal
e a Paris School of Economics, revelam que a parcela 1% mais rica da população
concentra 27% da renda nacional, proporção superior à de países de renda
semelhante, como os integrantes do Brics.
A análise também mostra que brasileiros com
renda anual superior a R$ 5,5 milhões têm carga tributária média correspondente
à metade da enfrentada pela população em geral. Em comparação, em países como
os Estados Unidos, onde a relação arrecadação-PIB é inferior à do Brasil, os
milionários arcam com carga tributária efetiva maior que o restante da
população. Essa disparidade no Brasil é atribuída principalmente à alta
incidência de impostos sobre consumo na arrecadação total e à isenção de
dividendos no imposto de renda. A boa notícia é que o país atualmente discute
caminhos para tornar esses resultados apenas um retrato do passado.
Apesar de o Brasil ter registrado, em 2025,
taxa de desemprego baixa (5,8%), muitos trabalhadores, em especial os mais
pobres, permanecem em empregos informais, sem acesso a benefícios como
auxílio-doença, aposentadoria ou seguro-desemprego
Nesse contexto, a reforma do Imposto de
Renda, em discussão no Congresso, ainda que não atinja diretamente os mais
pobres, que já são isentos, representa um passo para reduzir a desigualdade de
renda. Simulações do Banco Mundial indicam que, no formato atual, a mudança
reduziria a carga tributária da classe média e atenuaria, mesmo que de forma
modesta, a desigualdade. Para aumentar o potencial de redução da desigualdade,
será fundamental adotar medidas rigorosas contra a evasão e o planejamento
tributário entre os mais ricos. Assim, a reforma pode ir além e transformar a
arrecadação em instrumento de justiça social e financiamento de políticas
direcionadas a quem mais precisa.
O mercado de trabalho, porém, continua a ser
o principal motor para vencer a pobreza. Resultados preliminares de um novo
estudo do Banco Mundial demonstram que, quando um membro da família conquista
um emprego, a probabilidade de o domicílio sair da pobreza dobra; se o trabalho
for formal, triplica. Cada carteira assinada, portanto, é mais que um contrato:
é um passaporte para a dignidade.
Mas os dados também alertam que os
trabalhadores pobres correm quase o dobro do risco de sair do emprego ou cair
na inatividade, sobretudo nas regiões norte e nordeste. Além disso, trocam de
emprego com mais frequência que os não-pobres. Essa diferença aparece
principalmente entre empregados domésticos e trabalhadores do setor privado,
que juntos representam mais da metade dos trabalhadores ativos nesses grupos.
Esse resultado sugere que, além da vulnerabilidade usual, brasileiros pobres
estão sujeitos a uma maior oscilação da renda laboral em função da rotatividade
de empregos. Pertencer a esses grupos significa, portanto, enfrentar uma trajetória
profissional mais instável e menos protegida.
Apesar de o Brasil ter registrado, em 2025,
taxa de desemprego historicamente baixa (5,8%), esse avanço oculta desafios
importantes. Muitos trabalhadores, especialmente os mais pobres, permanecem em
empregos informais, sem acesso a benefícios essenciais da seguridade social,
como auxílio-doença, aposentadoria ou seguro-desemprego. Essa realidade limita
a proteção e a estabilidade dessas famílias, tornando-as mais vulneráveis a
choques econômicos e sociais. Além disso, o país enfrenta o desafio de ampliar
a participação das mulheres no mercado de trabalho, passo fundamental para
reduzir disparidades dentro dos lares e promover maior equidade de
oportunidades.
Para romper esse ciclo, o Brasil precisa de
políticas que sustentem o emprego e facilitem o retorno ao trabalho após
choques. Qualificação alinhada às demandas presentes e futuras da economia,
intermediação eficaz de mão de obra, proteção social que ampare rendas
temporariamente e remoção de barreiras como transporte caro, falta de creche e
déficit de informação sobre vagas são pilares indispensáveis.
Essas ações terão impacto duradouro se vierem
acompanhadas de um ambiente de negócios que estimule o investimento privado em
setores capazes de gerar empregos de qualidade em larga escala. Construção,
infraestrutura, energia renovável, agroindústria, turismo e serviços digitais
formam um conjunto promissor. Com segurança jurídica, logística eficiente e
energia a custos previsíveis, cada real investido nesses setores pode se
converter em mais dinamismo econômico e mais postos de trabalho formais,
sobretudo para micro, pequenas e médias empresas, responsáveis por grande parte
dos empregos no país.
Combinar políticas que elevem a qualificação
dos trabalhadores com um ambiente que multiplique oportunidades é a receita
para transformar crescimento em inclusão. Basta olhar o exemplo da Lauriane.
Neste Dia Internacional para Erradicação da Pobreza, o Brasil pode renovar o
compromisso de não deixar ninguém para trás. O meu compromisso no Banco Mundial
é seguir oferecendo financiamento, análises e conhecimento global para apoiar
políticas públicas baseadas em evidências. Com foco em empregos de qualidade,
inclusão produtiva dos mais vulneráveis e equidade fiscal, será possível
superar a pobreza de maneira sustentável. Esse é o Brasil que queremos - e que,
juntos, podemos construir.
*Cécile Fruman é diretora do
Banco Mundial para o Brasil.
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