Valor Econômico
Para avançar, as políticas deveriam combinar
incentivos à formalização, apoio ao crescimento dos pequenos negócios e
proteção social adaptada às novas formas de trabalho
Hoje em dia tem sido comum ouvir argumentos
sobre a preferência dos trabalhadores por autonomia, liberdade de horário,
inexistência de patrão etc. Isto seria razão inclusive para uma certa má
vontade com o trabalho celetista e a posse da carteira assinada. Trata-se de
uma questão polêmica que depende muito do perfil do trabalhador e das condições
do mercado de trabalho. Não pretendemos entrar hoje nessa discussão. A ideia é
analisar a situação de quem já está trabalhando como autônomo ou empregador,
grupo que representava cerca de 30% dos ocupados em 2024.
Em artigo publicado no Valor em 26/06/2025 analisamos o perfil dos trabalhadores por conta própria (TCPs), diferenciando aqueles que possuem CNPJ dos demais, a partir dos dados da PNAD Contínua do IBGE. Mostramos o forte crescimento da participação daqueles com CNPJ e destacamos que o aumento no número de TCPs no período 2019-2024 se deveu exclusivamente aos que se formalizaram. Essa formalização dos TCPs está fortemente ligada ao aumento do número de microempreendedores individuais (MEI) no período. Apesar disso, o percentual de TCPs com CNPJ não passava de 25% do total em 2024.
No caso dos empregadores a situação é bem
distinta. A regra geral é ter o negócio com CNPJ - 81% são formais. Houve
aumento de 2% no número de empregadores com CNPJ no período, sendo o
crescimento mais elevado para os informais (5%). A razão para o crescimento
menor dos empregadores formais não está muito clara, mas provavelmente deve
estar associada à pandemia da covid-19 que resultou no fechamento de muitas
empresas.
No artigo anterior mostramos os grandes
desníveis existentes entre os TCPs com e sem CNPJ, destacando os dados bem mais
favoráveis dos primeiros. Aqui, confirmamos resultados semelhantes entre os
empregadores. Aqueles com CNPJ são mais brancos (65% x 44%), mais escolarizados
(13,6 x 10,4 anos de estudo), trabalham mais horas semanais (47 x 44) e possuem
rendimentos mensais muito superiores (R$ 9.300 x R$ 4.700). Já na questão de
gênero, 78% dos empregadores informais são homens, enquanto entre os formais,
cai para 68%. Portanto, há ampla predominância de homens nos dois casos.
A comparação entre os quatro grupos de
empregadores e TCPs formais e informais mostra alguns resultados bem interessantes.
Os dois grupos formais possuem cerca de três anos de escolaridade a mais do que
os dois grupos informais. Os percentuais de ocupados em atividades de nível
superior e de nível médio também são bem mais elevados nos dois grupos formais,
especialmente entre os TCPs, onde cerca da terça parte possui este tipo de
ocupação. Um resultado até certo ponto inesperado é a descoberta de que os TCPs
com CNPJ possuem rendimentos médios equivalentes aos dos empregadores sem CNPJ.
Os dados mostram também que parece haver uma
forte interrelação entre os empregadores e os TCPs. A maior diferença entre
eles parece ser a existência ou não da formalização via CNPJ. Até que ponto um
TCP se torna um empregador e vice-versa? Para aprofundar as relações entre
esses grupos calculamos as transições entre os quatro grupos analisados, assim
como para outros grupos do mercado de trabalho. Exploramos os dados de 2024
calculando o percentual médio das transições dos empregadores e TCPs com e sem
CNPJ entre os trimestres vizinhos do ano.
Em geral, os dois grupos aqui analisados
tendem a manter seu status entre dois trimestres consecutivos. Entre os TCPs
sem CNPJ, 65% permanecem na mesma posição, mas 14% saem da força de trabalho no
período seguinte. Já entre os TCPs com CNPJ, 57% continuam na mesma situação,
enquanto um percentual significativo de 22% se torna informal. No caso dos
empregadores com CNPJ, 70% conseguem manter essa posição, sendo o grupo mais
estável, havendo 12% que se tornam trabalhadores por conta própria com CNPJ.
Finalmente, entre os empregadores sem CNPJ observa-se uma maior mobilidade.
Apenas um terço continua na mesma posição no trimestre seguinte, representando
uma condição mais transitória, enquanto 31% migram para o trabalho por conta
própria sem CNPJ. Há ainda uma parcela menor de 14% que se tornam empregadores
com CNPJ. A tabela mostra outras transições possíveis com menores
probabilidades de ocorrência.
A situação econômica induz parcela dos TCPs e
empregadores a modificarem seu status a cada trimestre, com uma dinâmica até
certo ponto surpreendente. As transições ocorrem sobretudo entre esses grupos,
sendo a mobilidade para o emprego formal e outras categorias muito baixa. Numa
conjuntura desfavorável um empregador com CNPJ pode se transformar em
empregador sem CNPJ ou dispensar seus empregados e se transformar num TCP com,
ou até mesmo, sem CNPJ. Analogamente, numa conjuntura favorável, o movimento
inverso pode se intensificar: um TCP sem CNPJ pode se tornar um TCP com CNPJ,
ou um TCP com CNPJ pode se transformar em empregador com CNPJ. Ou ainda, um
empregador sem CNPJ se tornar um empregador com CNPJ.
Esses padrões refletem trajetórias de
ascensão e descida na escala de formalização e estabilidade. No caso dos
trabalhadores por conta própria, nota-se que os informais tendem a permanecer
mais tempo nessa condição do que os formais - sugerindo barreiras à mobilidade
ascendente. Já entre os empregadores ocorre o inverso: os formalizados
apresentam maior estabilidade que os informais. Esse contraste evidencia que os
mecanismos que sustentam a permanência ou a transição diferem entre
trabalhadores por conta própria e empregadores, reforçando a importância de
políticas diferenciadas para cada grupo. Para avançar, as políticas deveriam combinar
incentivos à formalização, apoio ao crescimento dos pequenos negócios e
proteção social adaptada às novas formas de trabalho. O desafio central é
transformar a formalização em base efetiva para renda estável, produtividade e
inclusão econômica sustentável.
*João Saboia é professor
emérito do Instituto de Economia da UFRJ (IE/UFRJ).
Valéria Pero é professora
associada do IE/UFRJ.
Adriana Fontes é pesquisadora
visitante do IE/UFRJ.
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