sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Trump pode depor Maduro? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Encerramento da ditadura venezuelana seria uma boa notícia para o mundo

Mas uso de força bruta em vez de diplomacia viola sistema internacional estimulado pelos EUA

Donald Trump autorizou a CIA a empreender ações que possam derrubar Nicolás Maduro na Venezuela. Ele pode fazer isso?

Precisamos, antes de tudo, distinguir entre os reinos do ser e do dever ser. No primeiro, lidamos só com a força e o que ela pode realizar. Trump comanda a mais fabulosa máquina militar do planeta, de modo que pode fazer o que lhe der na telha, já que não há quem consiga resistir-lhe. Mas daí não se segue que ele deva fazer tudo o que pode. Isso nos remete ao reino do dever ser, onde entram as considerações éticas e cálculos políticos mais sofisticados, que vão além da força bruta. Aqui, as coisas ficam mais complicadas.

Existem situações em que é perfeitamente legítimo para um país adotar medidas que vão contra os interesses de outro ou violem sua soberania. Se a nação A entende que a nação B está incorrendo em práticas desleais, pode deixar de relacionar-se com ela. Se entende que está violando direitos humanos, pode decretar algum tipo de embargo. Deve apenas estar atenta para não desrespeitar tratados internacionais nem sua legislação interna.

Antes que os admiradores do bolivarianismo me acusem de estar limpando a barra para Trump, lembro que estamos aqui lidando com a mesma família de argumentos que a esquerda usa para cobrar um boicote contra Israel. A questão não é se ocorre ou não uma interferência, mas se ela tem base ética e fática.

Maduro comanda uma ditadura que prende e mata opositores, além de ter piorado a vida da esmagadora maioria dos venezuelanos. Sua queda seria boa notícia. O problema é que Trump está recorrendo a "fake news" para justificar o emprego do poderio americano contra Caracas, o que é uma violação às leis de seu próprio país.

Mais importante, ainda que o presidente americano tenha êxito em depor Maduro, sua ação vai contra os interesses de longo prazo dos EUA. Washington foi o maior beneficiário da ordem internacional do pós-Guerra. Perderá muito se o sistema baseado em regras e consensos for substituído pela força bruta.

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