Valor Econômico
Combate ao narcotráfico será espinha dorsal
da política de Trump na América Latina
O governo do presidente Donald Trump tem
claramente direcionado à América Latina um foco estratégico bem maior do que o
de seus antecessores na Casa Branca. Seu mandato começou exercendo forte
pressão para que o governo do Panamá retirasse uma empresa chinesa que opera no
Canal do Panamá, adotou uma postura dura nas negociações com o México sobre os
termos do acordo de livre comércio e impôs tarifas proibitivas ao Brasil por
razões políticas.
No último mês, uma nova onda de ações reforçou esse padrão. O governo Trump deslocou uma frota naval para a costa da Venezuela (com boas chances de uma ação militar iminente), estendeu uma promessa de ajuda financeira ao aliado Javier Milei, na Argentina, e sancionou o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, por suas críticas à operação dos EUA na Venezuela.
Há várias maneiras de interpretar as ações da
Casa Branca. Seria uma estratégia para fortalecer aliados conservadores e
enfraquecer governos de esquerda? Para reduzir a presença chinesa na região? Ou
para intensificar o combate ao narcotráfico? Os três têm um fundo de verdade e
vão continuar a coexistir — mas o combate ao crime organizado parece, de fato,
ser o fator mais relevante.
O que não se deve esperar, contudo, é que a
Casa Branca se disponha a usar seu poder militar para além da Venezuela. O caso
do regime de Nicolás Maduro é bastante particular: trata-se de um governo
ditatorial, isolado na região e fortemente ligado ao narcotráfico. Assim, é
pouco provável que a ação militar ali indique que operações desse tipo serão
expandidas para outros países.
Ainda assim, uma intervenção — que vai além
das ações marítimas — seria um sinal claro de que o governo Trump pretende
endurecer sua postura contra o narcotráfico. E isso se explica, sobretudo, por
razões de política doméstica. Trump voltou ao poder com uma agenda centrada no
controle das fronteiras e na deportação de imigrantes ilegais. Essa plataforma
não apenas reforça a ideia de proteção ao trabalhador norte-americano, como
também se ancora em uma narrativa de lei e ordem.
Colocar tropas da Guarda Nacional em capitais
norte-americanas faz parte dessa lógica, assim como o combate ao narcotráfico.
Dados mostram que são justamente os Estados republicanos os que mais registram
overdoses de fentanil e de cocaína. O presidente dos EUA, portanto, busca
demonstrar à sua base eleitoral que está adotando medidas duras contra os
traficantes de drogas. Uma ação militar na Venezuela é uma oportunidade
perfeita para isso.
Ao mesmo tempo, cresce a preocupação em
Washington com o aumento da rota do tráfico de drogas pelo Caribe. Com o
reforço da presença da Marinha e da Guarda Costeira norte-americanas no
Pacífico, houve um recorde de apreensões de cocaína desde abril. Isso alimenta
o receio de que o fluxo se desloque para a rota Venezuela-Caribe, sobre a qual
há pouquíssimos dados públicos, já que o governo de Caracas não fornece
informações. Tudo isso sugere que, embora haja o desejo de enfraquecer o regime
de Maduro e até de derrubá-lo, se possível, o objetivo central é criar um
exemplo visível de força contra o narcotráfico, com forte apelo eleitoral
interno.
As outras duas vertentes da política dos EUA
para a região são mais frágeis. É verdade que o Departamento de Estado liderado
pelo secretário Marco Rubio, especialmente, busca favorecer governos de direita
e prejudicar os de esquerda. Mas isso ainda não configura política coesa do
governo.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum,
por exemplo, tem construído uma das melhores relações com Trump entre os chefes
de Estado da região, embora lidere um governo de esquerda. No caso do Brasil,
tudo indica que a Casa Branca busca uma saída para as sanções e tarifas
impostas ao país, seja porque concluiu que não surtiram efeito, seja porque
reconhece o papel estratégico do país na política para que os EUA reduzam sua
dependência de minerais críticos chineses.
O caso da Colômbia também tem suas
particularidades. O país realizará eleições em sete meses, e Gustavo Petro já é
um “rei posto”: sua popularidade está em queda, e ele não pode disputar a
reeleição. Tudo indica que a direita ou a centro-direita chegará ao poder.
Assim, a sanção dos EUA contra ele — oficialmente por sua suposta ligação com o
narcotráfico, mas, na prática, motivada por suas críticas à ação na Venezuela —
dificilmente alterará o curso da política colombiana.
O ponto central é que Trump conduz uma
política tática e transacional: aproveita oportunidades como as apresentadas na
Venezuela e, em menor grau, na Colômbia, para exibir força, e ajudar aliados
como Javier Milei na Argentina, mas não demonstra ter uma estratégia coerente
de fortalecimento de governos de direita na região.
O mesmo vale para a contenção da presença
chinesa na América Latina. Sem dúvida, a Casa Branca obteve êxito ao pressionar
o Panamá a encerrar a concessão de uma empresa chinesa na gestão do canal e
certamente tentará usar a linha de crédito concedida à Argentina para o mesmo
propósito. Mas, em escala global, o governo Trump enfrenta limites: precisa
negociar com Pequim devido à dependência norte-americana de minerais críticos,
e a China reagirá caso Washington endureça sua postura em relação a países como
Brasil, Chile, Peru, Colômbia e Argentina, e no Sudeste da Asia.
Em contraste, as medidas de combate ao
narcotráfico têm amplo respaldo doméstico e são, sem dúvida, uma prioridade
consistente da Casa Branca. É provável, portanto, que o governo Trump amplie a
lista de grupos criminosos designados como organizações terroristas — algo já
feito em relação ao México e à Venezuela, e que pode vir a incluir o PCC e o
Comando Vermelho no Brasil. Com o avanço do ciclo eleitoral na América do Sul
(especialmente no Chile, na Colômbia e no Peru, onde a tendência é de retorno
de governos de direita), Trump deve encontrar mais aliados regionais para
sustentar essa cruzada no próximo ano.

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