terça-feira, 28 de outubro de 2025

Trump prioriza combate ao narcotráfico na AL, por Christopher Garman

Valor Econômico

Combate ao narcotráfico será espinha dorsal da política de Trump na América Latina

O governo do presidente Donald Trump tem claramente direcionado à América Latina um foco estratégico bem maior do que o de seus antecessores na Casa Branca. Seu mandato começou exercendo forte pressão para que o governo do Panamá retirasse uma empresa chinesa que opera no Canal do Panamá, adotou uma postura dura nas negociações com o México sobre os termos do acordo de livre comércio e impôs tarifas proibitivas ao Brasil por razões políticas.

No último mês, uma nova onda de ações reforçou esse padrão. O governo Trump deslocou uma frota naval para a costa da Venezuela (com boas chances de uma ação militar iminente), estendeu uma promessa de ajuda financeira ao aliado Javier Milei, na Argentina, e sancionou o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, por suas críticas à operação dos EUA na Venezuela.

Há várias maneiras de interpretar as ações da Casa Branca. Seria uma estratégia para fortalecer aliados conservadores e enfraquecer governos de esquerda? Para reduzir a presença chinesa na região? Ou para intensificar o combate ao narcotráfico? Os três têm um fundo de verdade e vão continuar a coexistir — mas o combate ao crime organizado parece, de fato, ser o fator mais relevante.

O que não se deve esperar, contudo, é que a Casa Branca se disponha a usar seu poder militar para além da Venezuela. O caso do regime de Nicolás Maduro é bastante particular: trata-se de um governo ditatorial, isolado na região e fortemente ligado ao narcotráfico. Assim, é pouco provável que a ação militar ali indique que operações desse tipo serão expandidas para outros países.

Ainda assim, uma intervenção — que vai além das ações marítimas — seria um sinal claro de que o governo Trump pretende endurecer sua postura contra o narcotráfico. E isso se explica, sobretudo, por razões de política doméstica. Trump voltou ao poder com uma agenda centrada no controle das fronteiras e na deportação de imigrantes ilegais. Essa plataforma não apenas reforça a ideia de proteção ao trabalhador norte-americano, como também se ancora em uma narrativa de lei e ordem.

Colocar tropas da Guarda Nacional em capitais norte-americanas faz parte dessa lógica, assim como o combate ao narcotráfico. Dados mostram que são justamente os Estados republicanos os que mais registram overdoses de fentanil e de cocaína. O presidente dos EUA, portanto, busca demonstrar à sua base eleitoral que está adotando medidas duras contra os traficantes de drogas. Uma ação militar na Venezuela é uma oportunidade perfeita para isso.

Ao mesmo tempo, cresce a preocupação em Washington com o aumento da rota do tráfico de drogas pelo Caribe. Com o reforço da presença da Marinha e da Guarda Costeira norte-americanas no Pacífico, houve um recorde de apreensões de cocaína desde abril. Isso alimenta o receio de que o fluxo se desloque para a rota Venezuela-Caribe, sobre a qual há pouquíssimos dados públicos, já que o governo de Caracas não fornece informações. Tudo isso sugere que, embora haja o desejo de enfraquecer o regime de Maduro e até de derrubá-lo, se possível, o objetivo central é criar um exemplo visível de força contra o narcotráfico, com forte apelo eleitoral interno.

As outras duas vertentes da política dos EUA para a região são mais frágeis. É verdade que o Departamento de Estado liderado pelo secretário Marco Rubio, especialmente, busca favorecer governos de direita e prejudicar os de esquerda. Mas isso ainda não configura política coesa do governo.

A presidente do México, Claudia Sheinbaum, por exemplo, tem construído uma das melhores relações com Trump entre os chefes de Estado da região, embora lidere um governo de esquerda. No caso do Brasil, tudo indica que a Casa Branca busca uma saída para as sanções e tarifas impostas ao país, seja porque concluiu que não surtiram efeito, seja porque reconhece o papel estratégico do país na política para que os EUA reduzam sua dependência de minerais críticos chineses.

O caso da Colômbia também tem suas particularidades. O país realizará eleições em sete meses, e Gustavo Petro já é um “rei posto”: sua popularidade está em queda, e ele não pode disputar a reeleição. Tudo indica que a direita ou a centro-direita chegará ao poder. Assim, a sanção dos EUA contra ele — oficialmente por sua suposta ligação com o narcotráfico, mas, na prática, motivada por suas críticas à ação na Venezuela — dificilmente alterará o curso da política colombiana.

O ponto central é que Trump conduz uma política tática e transacional: aproveita oportunidades como as apresentadas na Venezuela e, em menor grau, na Colômbia, para exibir força, e ajudar aliados como Javier Milei na Argentina, mas não demonstra ter uma estratégia coerente de fortalecimento de governos de direita na região.

O mesmo vale para a contenção da presença chinesa na América Latina. Sem dúvida, a Casa Branca obteve êxito ao pressionar o Panamá a encerrar a concessão de uma empresa chinesa na gestão do canal e certamente tentará usar a linha de crédito concedida à Argentina para o mesmo propósito. Mas, em escala global, o governo Trump enfrenta limites: precisa negociar com Pequim devido à dependência norte-americana de minerais críticos, e a China reagirá caso Washington endureça sua postura em relação a países como Brasil, Chile, Peru, Colômbia e Argentina, e no Sudeste da Asia.

Em contraste, as medidas de combate ao narcotráfico têm amplo respaldo doméstico e são, sem dúvida, uma prioridade consistente da Casa Branca. É provável, portanto, que o governo Trump amplie a lista de grupos criminosos designados como organizações terroristas — algo já feito em relação ao México e à Venezuela, e que pode vir a incluir o PCC e o Comando Vermelho no Brasil. Com o avanço do ciclo eleitoral na América do Sul (especialmente no Chile, na Colômbia e no Peru, onde a tendência é de retorno de governos de direita), Trump deve encontrar mais aliados regionais para sustentar essa cruzada no próximo ano.

 

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