terça-feira, 28 de outubro de 2025

Milei é bem diferente de outros líderes da nova direita, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Apesar das dificuldades, Argentina está, hoje, melhor do que estava antes de Milei chegar

Há pela frente o desafio de flexibilizar o câmbio sem que a inflação dispare novamente

Mais uma vez as pesquisas erraram para a esquerda, e o eleitor argentino deu uma vitória confortável para o partido do direitista Milei nas eleições de meio de mandato. Os otimistas ambicionavam, quem sabe, um terço dos votos. Milei conseguiu 40%. Agora, com a nova bancada de 93 deputados, Milei já pode dormir tranquilo sabendo que o Congresso não poderá derrubar seus vetos.

Mas como é possível o eleitorado argentino dar a vitória a um presidente que supostamente promovia a pobreza e sofrimento do povo? Um amigo de Bolsonaro e aliado de Trump!

Sim, Milei é parte da nova direita que ascende no mundo. E a proximidade com Trump já lhe rendeu um benefício enorme com promessas de US$ 20 bilhões em swap cambial e mais US$ 20 bilhões de empréstimos bancários. Não há líder americano com tratamento tão benévolo dos EUA.

Milei tem muitas bizarrices, compra brigas à toa e tem algumas falas deploráveis. Tem também, no entanto, algumas diferenças importantes para com a direita populista de outros países. A começar pelo fato de não ter duvidado das eleições mesmo quando suas perspectivas eram ruins. O núcleo principal de sua mensagem, ademais, é uma agenda de reformas econômicas que podem tirar a Argentina de seu atraso secular.

Ele nunca enganou os eleitores. Desde a campanha que o elegeu presidente ele disse que o país teria de atravessar uma fase de sofrimento antes de chegar à prosperidade. Fim do subsídio a serviços públicos, corte de gastos radical, fim de regulamentações. Toda a sociedade dependia em algum ponto do sistema antigo, que afundava o país. Uma série de cortes pontuais pode ser questionada, mas a direção geral do movimento é correta, e se ele transigisse com facilidade nas questões pequenas isso o enfraqueceria nas grandes.


Apesar das dificuldades, a Argentina está, hoje, melhor do que estava antes de Milei chegar. A inflação, que em 2023 foi de 211%, deve fechar 2025 entre 30% e 40%. O PIB deve crescer em torno de 5%. No âmbito social, os cortes aumentaram a pobreza num primeiro momento, mas ela logo caiu na segunda metade de 2024 e segue em queda. Está em 31,6%, segundo o Indec, menor que os 41% em que fechou 2023.

O país todo paga a conta dos calotes passados. Mesmo um plano ambicioso de ajuste fiscal fica em dúvida; basta uma eleição ir na direção errada que quase dois anos de esforço para reconstruir a credibilidade iriam por água abaixo. Mesmo seguro contra a bombas fiscais do Congresso, ele ainda precisará aprender a negociar apoio político para levar adiante suas propostas de reforma, como a da previdência e do impostos nos moldes da reforma tributária brasileira feita por Lula. Xingar gratuitamente políticos de outros partidos é de uma burrice total. Ou ele aprende a conquistar e manter aliados ou seguirá tendo seus esforços frustrados.

E vai funcionar? Nada é garantido. Há pela frente o desafio de flexibilizar o câmbio sem que a inflação dispare novamente. Com a linha de salvação americana, é possível. Muito do que ele diz pode te fazer torcer o nariz; algumas opiniões são francamente toscas e todo o teatrinho da serra elétrica é infantil. Chamam-no de radical. Mas a abordagem gradual já foi tentada no governo Macri e fracassou. Um país com como a Argentina talvez precise de mudanças radicais.

 

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