- Valor Econômico
Turquia tem peso político nas questões que envolvem Irã e Síria. Deve-se esperar apoio da UE à economia turca
A crise cambial sofrida pela Turquia este ano, agravada pelo episódio mais recente da disputa tarifária com os Estados Unidos, é motivo de preocupação. Em especial, por parte da Europa. A base da crise está na falta de confiança que o atual governo do presidente Recep Erdogan transmite aos mercados.
O autoritarismo, que o leva a intervir na economia com a mesma mão de ferro com que coloca jornalistas na cadeia e persegue demais cidadãos suspeitos de oposição política, tem atrapalhado o relacionamento da Turquia com o exterior. A expressiva depreciação da lira turca, com quase 40% de perda de valor diante do dólar americano neste ano, aprofunda a crise e coloca o mundo de sobreaviso, temeroso com eventuais consequências de um contágio em outros países em estado de vulnerabilidade.
Fala-se muito do risco de contágio nos chamados países emergentes, vistos pelo mercado em geral como peças reunidas em uma mesma cesta. E não por acaso. Afinal, têm-se frescas na memória as consequências sofridas pelo Brasil e outros "emergentes", a partir da crise cambial asiática, que começou na Tailândia em julho de 1997 e rapidamente espalhou-se para a Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong-Kong.
Foi deflagrada por uma combinação de fatores - queda nas exportações, alto endividamento de curto prazo e uma taxa de câmbio artificialmente vinculada ao dólar americano - e estourou quando o governo tailandês, em meio a constantes ataques especulativos, resolveu acabar com a política de "peg" cambial para a flutuação. Uma decisão tomada de afogadilho que acabou por deflagrar uma corrida contra o baht, a moeda local.
Também vem à mente a crise russa de 1998 com efeitos de contágio nos países "emergentes". Com alta taxa de inflação em um ambiente de incertezas, o cenário estava montado para uma depreciação acentuada do rublo. O Brasil conseguiu amenizar os efeitos com o anúncio de um pacote de medidas fiscais que pretendia introduzir rigor no controle das contas públicas, mas que não foi suficiente para evitar a crise cambial sofrida pelo país em janeiro de 1999, quando uma corrida contra o real colocou em xeque a política de câmbio fixo.
Pode-se dizer que, na América Latina, o país hoje mais propenso a sofrer com a crise turca seja a Argentina que, por força das circunstâncias causadas pelas políticas do antigo governo Kirchner, sofreu este ano uma depreciação cambial de mais de 50%, sem perspectivas de que o processo de queda do peso venha a ser revertido, a despeito do país ter recorrido à ajuda do FMI.
Um ranking de vulnerabilidade, considerando quatro indicadores, tais como o resultado da conta corrente do balanço de pagamentos (estimativa do FMI para 2018), o nível da dívida externa (pública e privada, na posição de fins de 2017), a taxa de inflação anual (medida do segundo trimestre de 2017 ao segundo trimestre de 2018) e a efetividade governamental, criado pela Bloomberg Economics, coloca a Turquia em primeiro lugar.
Com um déficit na conta corrente de 5,4% do PIB, inflação acumulada em doze meses, na posição de junho deste ano, de 12,8% e dívida externa correspondente a 53,5% do PIB, a Turquia já acumulava desempenho ruim antes mesmo da "briga" política entre Donald Trump e Recep Erdogan. A Argentina aparece em segundo lugar entre os países mais vulneráveis, com déficit em conta corrente de 5,1%, inflação de 27,8% e dívida externa de 36,8% do PIB. Outros estão na lista - Colômbia, África do Sul, México, Indonésia e Brasil, nessa ordem - mas com indicadores menos deteriorados, do ponto de vista do desempenho econômico.
A rigor, e não apenas pela proximidade geográfica, a Europa tende a incorrer maior risco de contágio com a crise da Turquia. Esse ponto tem sido ressaltado por alguns analistas, tendo em vista a alta exposição de bancos europeus junto a devedores turcos, a grande maioria sendo do setor privado. Segundo dados na posição de final de março deste ano compilados pelo BIS (Bank for International Settlements - o banco central dos bancos centrais), o maior risco é dos bancos espanhóis, maiores credores da Turquia, com empréstimos da ordem de US$ 82,3 bilhões.
Seguem-se os bancos franceses, com US$ 38,385 bilhões de exposição na dívida externa da Turquia; depois os britânicos, com US$ 19,2 bilhões; os americanos, com US$ 17,9 bilhões; os alemães, com exposição de US$ 17,1 bilhões e finalmente os italianos, com US$ 16,9 bilhões.
Erdogan, como se sabe, tem recorrido aos amigos iranianos, chineses e russos em busca de ajuda financeira com o objetivo de frear a desvalorização da lira turca. A maior vulnerabilidade, no curto prazo, está justamente no efeito que a crise cambial tem sobre as dívidas externas tomadas em dólar ou em outra moeda forte, como o euro. Quanto mais a lira turca perde valor, maior é o peso do endividamento para quem tem de quitar dívidas externas. Isso impacta a atividade econômica, afetando o PIB e a inflação.
De todo modo, não se deve perder de vista o fato da Turquia ser estrategicamente importante para a Europa. Membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), localizado a meio do caminho entre o ocidente e o oriente, a Turquia tem peso político nas questões que envolvem o Iran e a Síria, além de se revelar um inimigo permanente de Israel. Portanto, deve-se esperar a uma movimentação da UE em apoio à economia turca, se a situação piorar.
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