O Globo
Governador brindou os jornais internacionais
com a mais horrorosa imagem brasileira das últimas décadas
Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes se
gaba de ter eliminado a Cracolândia. É uma meia verdade. O antigo quadrilátero
hoje anda mais esvaziado. Ele conseguiu, então? Nada disso. Sua ação espalhou
por uma área bem maior os usuários de drogas. O que antes era um problema
circunscrito ao bairro da Luz está agora escancarado em várias regiões da
cidade.
Esse estilo de gestão da direita — jogar no
ventilador — jamais funcionou no Brasil. Prefeitos de cidades do interior,
atendendo ao pároco e às senhoras religiosas, se viam levados a fechar as zonas
de meretrício. Acabaram os problemas? Não. Como na Cracolândia, as prostitutas
se espalharam por toda a cidade.
A tática do ventilador não está mais apenas nas prefeituras. No Rio, o governador Cláudio Castro, em seu gritante despreparo, brindou os jornais internacionais com a mais horrorosa imagem brasileira das últimas décadas. Uma fileira de dezenas de corpos, entre decapitados e baleados, quase todos sem camisa, estendidos numa praça carioca. Repetiu a tática do ventilador, agora com cadáveres, com os ares de quem resolveu o problema.
O ministro Haddad, ao cobrar do governador
ações sobre a falsificação de combustíveis, pôs o dedo na ferida. Afinal, esse
é o maior faturamento do crime organizado, que já opera com a sofisticação da
inteligência artificial, enquanto a repressão ainda mira o “aviãozinho” — o
soldado raso do tráfico, tão substituível quanto um telefone com fio. Enquanto
isso, os criminosos de alto escalão, como revelou a Operação Carbono, atuam
impunes em escritórios reluzentes na Faria Lima. Você derruba um “aviãozinho” e
vem outro em seu lugar, com mais droga espalhada pela cidade.
O crime evolui, sofistica-se, enquanto a
classe política caminha com tacape nas mãos. A figura dos drones jogando bombas
sobre as tropas, além de outros armamentos pesados e sofisticados, exibe o
despreparo da ação policial. Pelo jeito, a inteligência do plano de ataque não sabia
de tais armas. Como chegaram ali? Não foi pelo delivery. Certamente também não
pagaram impostos ao chegar ao porto.
Desde o fim da ditadura, embora a sociedade
tenha discutido segurança pública, nunca rompeu a lógica repressiva herdada do
regime militar. Terminada a exceção política, as polícias permaneceram eivadas
pelo conceito de repressão. Ganharam equipamentos tecnológicos, mas sem mudar a
mentalidade comum aos tempos da “guerra aos comunistas”. Sendo guerra, tudo
vale, até matar e depois perguntar. Os comandantes das forças policiais, com
políticos minados pela ideia de “bandido bom é bandido morto”, perpetuaram a
ordem vinda do regime em que as liberdades democráticas estavam suspensas.
A esquerda, contaminada pelo discurso da base
católica, muito justamente horrorizada com a política de extermínio da
ditadura, jamais superou o desejo de ganhar lugar no céu. Só justifica o crime
como fato social, econômico. A ideia lulista de políticas assistencialistas
ajudou na diminuição das desigualdades. Menos na segurança. Funcionou na
teoria, não na prática, porque os governos petistas viram os dados da
criminalidade tornar-se alarmantes. Agora, até na Amazônia.
A foto dos corpos estendidos na praça carioca
é a prática bolsonarista de segurança pública. Talvez ali todos sejam
criminosos, como quer o governador. Mesmo os que foram executados ou
decapitados, não importa. É o que de melhor esse estágio de civilização da
extrema direita consegue oferecer ao mundo. Foi assim anteriormente na política
de Paulo Maluf e, depois, com Luiz Antônio Fleury Filho.
A espetacularização da morte pode ser um
bálsamo para o político de direita e seus eleitores. A justiça feita com
sangue, olho por olho. Mas isso seria cristão? Contraria os mandamentos que,
antes de tudo, são civilizatórios e educam pela religião. A ideia de guerra
leva todos ao reinado da terra sem lei — liberdade para matar, até com tiro na
nuca. Passadas tantas operações sanguinárias, por que as armas de combate ao
crime não evoluem e não se usa a inteligência para diminuir os danos?
No Brasil de Castro e Tarcísio, a conta é
brutal: mais corpos em praças, mais drones nas mãos do crime, mais celulares
roubados em semáforos. Entre a omissão da esquerda e o extermínio da direita, o
cidadão comum perdeu. A política de segurança brasileira permanece refém da
herança da ditadura. Sem romper com essa lógica, seguiremos somando mortos, e
ainda inseguros.

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