segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Cláudio Castro repete a tática do ventilador, por Miguel de Almeida

O Globo

Governador brindou os jornais internacionais com a mais horrorosa imagem brasileira das últimas décadas

Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes se gaba de ter eliminado a Cracolândia. É uma meia verdade. O antigo quadrilátero hoje anda mais esvaziado. Ele conseguiu, então? Nada disso. Sua ação espalhou por uma área bem maior os usuários de drogas. O que antes era um problema circunscrito ao bairro da Luz está agora escancarado em várias regiões da cidade.

Esse estilo de gestão da direita — jogar no ventilador — jamais funcionou no Brasil. Prefeitos de cidades do interior, atendendo ao pároco e às senhoras religiosas, se viam levados a fechar as zonas de meretrício. Acabaram os problemas? Não. Como na Cracolândia, as prostitutas se espalharam por toda a cidade.

A tática do ventilador não está mais apenas nas prefeituras. No Rio, o governador Cláudio Castro, em seu gritante despreparo, brindou os jornais internacionais com a mais horrorosa imagem brasileira das últimas décadas. Uma fileira de dezenas de corpos, entre decapitados e baleados, quase todos sem camisa, estendidos numa praça carioca. Repetiu a tática do ventilador, agora com cadáveres, com os ares de quem resolveu o problema.

O ministro Haddad, ao cobrar do governador ações sobre a falsificação de combustíveis, pôs o dedo na ferida. Afinal, esse é o maior faturamento do crime organizado, que já opera com a sofisticação da inteligência artificial, enquanto a repressão ainda mira o “aviãozinho” — o soldado raso do tráfico, tão substituível quanto um telefone com fio. Enquanto isso, os criminosos de alto escalão, como revelou a Operação Carbono, atuam impunes em escritórios reluzentes na Faria Lima. Você derruba um “aviãozinho” e vem outro em seu lugar, com mais droga espalhada pela cidade.

O crime evolui, sofistica-se, enquanto a classe política caminha com tacape nas mãos. A figura dos drones jogando bombas sobre as tropas, além de outros armamentos pesados e sofisticados, exibe o despreparo da ação policial. Pelo jeito, a inteligência do plano de ataque não sabia de tais armas. Como chegaram ali? Não foi pelo delivery. Certamente também não pagaram impostos ao chegar ao porto.

Desde o fim da ditadura, embora a sociedade tenha discutido segurança pública, nunca rompeu a lógica repressiva herdada do regime militar. Terminada a exceção política, as polícias permaneceram eivadas pelo conceito de repressão. Ganharam equipamentos tecnológicos, mas sem mudar a mentalidade comum aos tempos da “guerra aos comunistas”. Sendo guerra, tudo vale, até matar e depois perguntar. Os comandantes das forças policiais, com políticos minados pela ideia de “bandido bom é bandido morto”, perpetuaram a ordem vinda do regime em que as liberdades democráticas estavam suspensas.

A esquerda, contaminada pelo discurso da base católica, muito justamente horrorizada com a política de extermínio da ditadura, jamais superou o desejo de ganhar lugar no céu. Só justifica o crime como fato social, econômico. A ideia lulista de políticas assistencialistas ajudou na diminuição das desigualdades. Menos na segurança. Funcionou na teoria, não na prática, porque os governos petistas viram os dados da criminalidade tornar-se alarmantes. Agora, até na Amazônia.

A foto dos corpos estendidos na praça carioca é a prática bolsonarista de segurança pública. Talvez ali todos sejam criminosos, como quer o governador. Mesmo os que foram executados ou decapitados, não importa. É o que de melhor esse estágio de civilização da extrema direita consegue oferecer ao mundo. Foi assim anteriormente na política de Paulo Maluf e, depois, com Luiz Antônio Fleury Filho.

A espetacularização da morte pode ser um bálsamo para o político de direita e seus eleitores. A justiça feita com sangue, olho por olho. Mas isso seria cristão? Contraria os mandamentos que, antes de tudo, são civilizatórios e educam pela religião. A ideia de guerra leva todos ao reinado da terra sem lei — liberdade para matar, até com tiro na nuca. Passadas tantas operações sanguinárias, por que as armas de combate ao crime não evoluem e não se usa a inteligência para diminuir os danos?

No Brasil de Castro e Tarcísio, a conta é brutal: mais corpos em praças, mais drones nas mãos do crime, mais celulares roubados em semáforos. Entre a omissão da esquerda e o extermínio da direita, o cidadão comum perdeu. A política de segurança brasileira permanece refém da herança da ditadura. Sem romper com essa lógica, seguiremos somando mortos, e ainda inseguros.

 

 

 

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