sábado, 8 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

A COP 30 num Momento Crítico da Humanidade

Por Revista Será?

A Cúpula de Chefes de Estado da COP 30 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – ocorre num momento crucial da civilização, tendo que enfrentar um desafio decisivo para o futuro da humanidade: efetivar uma redução significativa da emissão de gases de efeito estufa capaz de impedir a elevação da temperatura mundial a mais de 1,5º acima da era pré-industrial. Esta é a segunda vez que o Brasil sedia a reunião de líderes mundiais para discussão do meio ambiente, a primeira conferência foi a Rio 92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992, que abriu caminho para o Protocolo de Kyoto (1997) e, principalmente, o Acordo de Paris (2015), quando foram definidas metas de redução das emissões de gases de efeito estufa: declínio de 37% até 2025. Ao contrário desta expectativa criada pelo Acordo de Paris, nos últimos nove anos, de 2015 a 2024, as emissões cresceram cerca de 2,5%, registrando, em todo caso, uma leve desaceleração.

Se forem mantidas as metas atuais, mesmo com a desaceleração recente, a temperatura do planeta vai ultrapassar, rapidamente, o limite de 1,5º acima da era pré-industrial que, segundo os estudos científicos, intensifica as mudanças climáticas. Em 2024, a temperatura média do planeta já chegou a 1,55º, acima do limite estipulado, e mais de meio ponto percentual acima do valor registrado em 2010. De acordo com as Nações Unidas, será necessária uma redução de 9% ao ano, até 2030, para evitar o desastre climático, com todas as consequências ambientais, sociais e econômicas.

A COP 30 se reúne neste momento crítico, tendo que decidir mudanças dramáticas na organização das economias e nos padrões tecnológicos para evitar a aceleração das mudanças climáticas. Ocorre, contudo, em condições políticas muito desfavoráveis. Sob a presidência do negacionista Donald Trump, os Estados Unidos, segundo maior emissor de GEE, rejeitam as análises e projeções científicas, ignoram os problemas globais e apostam na expansão da exploração e utilização de energia fóssil. A China, maior emissor de GEE, tem feito um esforço de transição energética, praticamente estacionando o volume de emissões, mas ainda investe em fontes fósseis de energia, incluindo carvão. E a Europa que, até recentemente, avançou mais na política de enfrentamento das mudanças climáticas, tem tido dificuldades para aumentar as metas de redução das emissões. A cúpula não contará com a presença de alguns dos chefes de Estado e governo que mais emitem gases de efeito estufa: além dos Estados Unidos, China, Rússia e Índia (três deles fazem parte do BRICS), os quatro países responsáveis por 47,5% do total das emissões de gases de efeito estufa no planeta.

Como sede desta conferência num momento tão delicado, o Brasil pode assumir um papel de liderança mundial no tema ambiental e na negociação em torno dos objetivos de contenção da elevação da temperatura do planeta. Além de ter a maior floresta tropical da terra, o Brasil apresenta a matriz energética mais limpa do mundo, tem tido uma política efetiva de redução de desmatamento, e pode mostrar que reduziu em 16,7% as emissões de GEE em 2024 (em relação ao ano anterior). O governo brasileiro será criticado pela autorização do IBAMA para prospecção de petróleo na Margem Equatorial, bem perto de Belém, mas o Brasil ainda é o país mais bem-sucedido na área ambiental e, por isto, tem autoridade para cobrar o compromisso do resto do mundo.

Que sucesso?

Por CartaCapital

Uma semana depois, sobra só espuma da operação desastrosa no Morro do Alemão ordenada por Cláudio Castro

A Japinha do CV escafedeu-se, seu destino é “incerto e não sabido”, diria o delegado carioca com ares de rábula. Passada uma semana da mais letal operação policial da história do País, nem esse ínfimo “trunfo” resta ao governador Cláudio Castro. Japinha, descrita como tenente da linha de frente da facção criminosa, não estava entre os 121 mortos na batalha campal no Alemão, incluídos quatro agentes de segurança. Nem ela nem os principais alvos da facção incluídos na lista do Ministério Público para justificar a incursão no morro. O Comando Vermelho perdeu soldados, mas seus generais e cabos continuam intocados. Os moradores do complexo permanecem reféns, as finanças do crime vão bem, obrigado, salvo engano, e a coleta de dados, a mais recente e malandra justificativa do governo estadual para o massacre, só seria possível se as forças de segurança tivessem em seus quadros alunos do médium Chico Xavier. Recrutas não faltarão enquanto o Estado insistir em oferecer balas e bombas no lugar de serviços e dignidade. Nada de novo no front.

Há muitos significados na escolha do nome da operação, Contenção. Especialistas em segurança pública enxergam uma manobra para deter o avanço do CV em áreas dominadas pelas milícias, nunca alvejadas por truculência semelhante. A extrema-direita e parte do jornalismo autodeclarado “profissional” celebram a retomada do controle da agenda política, após sucessivas derrotas da oposição no embate com o governo Lula. O próprio Castro conseguiu, se não conter, ao menos prolongar o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral que pode cassá-lo. O voto da relatora, Maria Isabel Galotti, a favor da perda de mandato por abuso de poder econômico, foi didático e arrasador, mas um pedido de vistas adiou a decisão da Corte para o início do próximo ano.

Ganhos pontuais e de curto prazo. Nada indica, ao contrário do desejo convertido em vaticínio de certo colunismo, que o tema da “segurança pública” dominará o debate presidencial do próximo ano. A escolha do senador governista Fábio ­Contarato, do PT, para a presidência da CPI do Crime Organizado desmonta um dos palcos que a oposição bolsonarista pretendia explorar até as vésperas das eleições de 2026. A exemplo de tantas operações anteriores nos morros cariocas, os aplausos eufóricos da população, ouvidos no calor dos acontecimentos, serão paulatinamente substituídos pelo silêncio do desespero da realidade cotidiana. Não demora muito para os cidadãos perceberem que continuam encurralados na mata, peões na disputa territorial entre os milicianos e as facções. ­Castro, montado no vento, promete no mínimo dez ações do mesmo calibre. Quantas mais os eleitores suportam, antes de se aborrecerem com mais do mesmo?

Coube ao presidente Lula resumir os fatos: “A dura realidade é que, em termos de números de mortos, alguns podem considerar a operação um sucesso. Mas, do ponto de vista da ação estatal, acredito que foi desastrosa”. Nada a acrescentar. 

Fundo para preservar as florestas tropicais merece apoio global

Por O Globo

Ideia brasileira já reuniu 50 adesões formais e aportes de quase US$ 6 bilhões antes do início da COP30

O esforço do governo brasileiro em prol do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) já rendeu frutos. Concebido pelo Brasil e elaborado em colaboração com dez outros países, o fundo precisa de adesão da comunidade internacional e do setor privado para decolar. Depois da declaração brasileira na Cúpula dos Líderes que antecede a COP30, o TFFF atraiu apoio formal de 50 países e aportes de Noruega, Indonésia e França. O total já anunciado é estimado em US$ 5,6 bilhões. Ainda é uma fração do capital necessário para tornar a iniciativa viável (US$ 25 bilhões de governos, mais até US$ 100 bilhões em títulos de dívida vendidos a investidores privados). Mas é mais da metade da meta de US$ 10 bilhões traçada antes da reunião — um começo promissor.

O TFFF inova ao premiar os países que preservam florestas tropicais intocadas criando uma fonte de recursos para financiar tais programas. A maioria das iniciativas voltadas à conservação florestal tem como objetivo reduzir o desmatamento. Em geral, levantam a área já desmatada e, a partir dessa referência, os países se comprometem a reduzir a devastação futura, recebendo por isso. Mas esses programas, conhecidos pela sigla REDD+, não costumam premiar países que já apresentam nível de desmatamento baixo ou próximo de zero. Portanto, na atual arquitetura, quem melhor cumpre o compromisso de combater o desmatamento fica sem reconhecimento financeiro. “O TFFF preenche essa lacuna ao criar um mecanismo simples para incentivar governos a manter a floresta em pé”, diz Juliano Assunção, economista da PUC-Rio e diretor executivo do Climate Policy Initiative (CPI).

Em vez de privilegiar como parâmetro a emissão de gases de efeito estufa, o TFFF dá ênfase à área florestal preservada. O alvo são dezenas de países com florestas tropicais, a maior parte no Hemisfério Sul. No total, são 1,27 bilhão de hectares que estocam 600 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa. Para ter a dimensão do volume, basta lembrar que equivale a 30% de todas as emissões desde a Revolução Industrial.

Pensando na perenidade, o TFFF evita doações, sempre à mercê dos humores políticos ou da conjuntura econômica. A ideia é que governos, organizações filantrópicas e investidores privados destinem dinheiro a uma carteira de renda fixa sob a supervisão do Banco Mundial. As recompensas para quem conservar florestas sairão da remuneração anual desse investimento. Há mecanismos para evitar premiar países com desmatamento alto e, ao mesmo tempo, grande área de florestas intocadas. Outra preocupação são as finanças locais. O pagamento aos tesouros nacionais ou fundos públicos designados não poderá substituir o orçamento já dedicado à conservação ambiental.

Entre a ideia e a execução, muito pode dar errado. Ainda que governos se comprometam a participar, será preciso mais empenho para convencer o setor privado. Nem todo mundo está disposto a pôr a mão no bolso para conservar o meio ambiente. Mesmo os simpáticos à causa têm dúvidas em relação a questões como a auditoria da floresta conservada ou o risco de calote nos títulos de dívida emitidos pelo fundo. Apesar dos questionamentos, o TFFF merece ser apoiado, testado e aprimorado. A preservação das florestas não é o único ponto da agenda ambiental, mas não haverá como reduzir o aquecimento global sem garantir recursos a quem mantém as árvores em pé.

Projeto potiguar de retomada territorial pode servir de inspiração ao Rio

Por O Globo

Secretário de Segurança considera Rio Grande do Norte estado-piloto no combate a facções criminosas

Faz sentido a ideia do secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, de oferecer ao governo do Rio o projeto-piloto de retomada de territórios testado numa área conflagrada do Rio Grande do NorteEm entrevista ao GLOBO, Sarrubbo disse que conversará sobre o assunto com o governador fluminense, Cláudio Castro (PL). Trata-se de um protótipo elaborado pelo governo federal para levar policiamento e serviços públicos a áreas dominadas por facções criminosas. A depender dos resultados, poderá ser estendido a outras regiões.

Desenvolvido em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), o projeto prevê num primeiro momento ações policiais para prender lideranças de facções e retomar o território sequestrado pelos criminosos. A primeira operação ocorreu no mês passado, reunindo polícias Militar, Civil, Rodoviária Federal e o Ministério Público estadual. “A polícia entra, satura, depois entram os serviços públicos, e a polícia vai saindo aos poucos”, disse Sarrubbo. A iniciativa prevê serviços como Defensoria, mediação de conflitos, iluminação, urbanismo, saúde e educação. Os primeiros resultados deverão ser divulgados no mês que vem.

Um dos desafios está na relação conturbada entre Planalto e Palácio Guanabara. Após a operação nos complexos do Alemão e da Penha, Castro se queixou da falta de cooperação federal. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, veio ao Rio anunciar a criação de um escritório conjunto de enfrentamento ao crime organizado, mas a relação voltou a se deteriorar quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a operação como “matança”. Outro desafio é a desconfiança de ingerência nos estados. Por uma visão equivocada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, que prevê maior participação federal no combate ao crime, tem enfrentado resistência do Congresso e de governadores oposicionistas.

O avanço das facções criminosas pelo Brasil exige resposta firme e urgente de todos os níveis de governo. O combate à violência só será bem-sucedido se houver um trabalho integrado entre todas as forças de segurança. Os estados isoladamente não conseguem enfrentar organizações criminosas que atuam em diferentes estados e fora do país. Seria saudável, portanto, que os governos federal e fluminense se unissem para retomar territórios das facções. É verdade que o projeto testado no Nordeste ainda é embrionário, mas vai na direção correta ao conjugar policiamento com a oferta de serviços públicos, seguindo experiências internacionais bem-sucedidas. É certo também que não se conseguirá reverter de uma hora para outra uma situação grave como a atual. Mas é preciso começar. Quanto mais forças se juntarem nesse esforço, maiores as chances de sucesso.

Corporativismo avança contra a reforma administrativa

Por Folha de S. Paulo

Retirada de assinaturas de apoio é sinal das dificuldades que a proposta enfrentará na Câmara

Lobbies de servidores defendem desde minudências até supersalários; Estado deficitário não pode se dar ao luxo de preservar privilégios

Um aspecto positivo do maior protagonismo assumido pelo Congresso Nacional nos últimos anos foi a aprovação de reformas essenciais que ficaram empacadas por décadas, casos da trabalhista, em 2017, da previdenciária, em 2019, e da tributária, em 2023. A administrativa deveria ser a próxima da lista, mas suas chances não parecem promissoras neste momento.

Uma proposta de emenda constitucional destinada a enfrentar múltiplas distorções da gestão pública nacional, acompanhada de projetos complementares, tornou-se a aposta do presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), para lustrar sua passagem pelo cargo —até aqui marcada por vexames como a PEC da Blindagem, em favor de parlamentares acusados de crimes.

O texto da reforma foi apresentado em 2 de outubro pelo relator, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), mas só começou a tramitar de fato no dia 24. A demora se deveu à dificuldade de obter as 171 assinaturas de colegas necessárias para que a proposta fosse protocolada, o que exigiu o empenho pessoal de Motta.

Os apoios reunidos não se mostraram dos mais sólidos, e já se contam 16 pedidos de retirada das assinaturas. O número não chega aos 86 necessários para impedir a circulação da proposta, mas é o bastante para dimensionar os obstáculos pela frente —a aprovação de uma PEC depende dos votos de 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores.

O motivo de tanta relutância, obviamente, é o lobby do funcionalismo público, um dos mais poderosos no Congresso. As entidades dos servidores não aceitam nem sequer uma reforma modesta, que deixa intocado o alcance descabido da estabilidade do emprego no serviço público brasileiro, anomalia no mundo.

O sindicalismo alega não mais que minudências para se opor com estridência à proposta, como a regulamentação do trabalho temporário ou os limites ao teletrabalho. Mais silenciosamente, corporações de elite, especialmente do Judiciário, atuam contra o fim de supersalários e de férias de 60 dias.

O texto da Câmara decerto não é isento de falhas e dispositivos questionáveis, como a previsão de bônus para funcionários que atinjam metas de desempenho —iniciativas assim não raro viram prêmios distribuídos a todos. Mas nada disso justifica rejeitar a reforma inteira.

O período de tramitação, a menos de um ano das eleições, tampouco é favorável. Medidas difíceis são mais adequadas a inícios de mandato, quando governantes e legisladores têm maior capital político. Do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de DNA corporativista, não se deve esperar mobilização pelo tema. De todo modo, o país ganhará se ao menos o debate avançar desde já.

Um Estado altamente deficitário e endividado não pode se dar ao luxo de preservar privilégios que agravam a concentração de renda e reduzem sua capacidade de prestar serviços à população.

Ciência de ponta para salvar amazônia e clima

Por Folha de S. Paulo

AmazonFace mostra o melhor do Brasil no esforço global para enfrentar o aquecimento da atmosfera

Experiência inédita de grande porte, com verbas dos governos brasileiro e britânico, pretende monitorar a interação da floresta com CO²

O Brasil é uma terra de contrastes. Às vésperas da COP30, o mesmo país flagelado por narcomilícias completa a instalação do maior experimento científico do mundo numa floresta tropical, precisamente para desvendar o enigma de seu futuro na crise do clima.

A 80 km de Manaus, o projeto AmazonFace está pronto, como mostrou a Folha. São 96 torres de 35 metros de altura, dispostas em seis círculos com 30 metros de diâmetro. Três dos círculos injetarão, por meio de dois tubos sustentados pelas torres, dióxido de carbono (CO²) na parcela da mata ao longo de dez anos.

Os outros servirão como controle do experimento, injetando só o ar ambiente, para que se possa medir a variável do teste —aumento da concentração do gás de efeito estufa no lote.

O gasto de de R$ 260 milhões dos governos brasileiro e britânico em tamanha infraestrutura se explica pela necessidade de elucidar mistérios que cercam a interação complexa entre o bioma amazônico e a atmosfera submetida ao aquecimento global.

Especula-se que a preservação e a destruição da maior floresta tropical do planeta teriam papel decisivo nessa espiral alarmante. A amazônia estoca quantidade gigantesca de carbono na biomassa e no solo. Com desmatamento, ele atinge a atmosfera como CO², agravando o efeito estufa.

Mas há um efeito paradoxal na alta concentração desse gás, já que ele favorece o crescimento da vegetação por ser matéria-prima da fotossíntese. Quanto mais CO² na atmosfera, mais se expande a floresta, que retira mais carbono do ar e o fixa em sua biomassa. Contrabalança-se, assim, parte da tendência do aquecimento.

É o conhecido efeito de fertilização por CO², que não se sabe por quanto tempo prosseguirá. Tal sumidouro de carbono vinha compensando parte significativa das emissões mundiais, mas há indícios de que o ritmo de fixação esteja desacelerando.

Não se exclui que pare de vez e torne o bioma um emissor líquido, um cenário preocupante. Elevando a concentração de CO² em 50%, a valores que se projetam para as próximas décadas, o AmazonFace vai monitorar o comportamento da floresta para desfazer dúvidas sobre a hipótese de colapso, na qual decairia para uma mata mais seca e armazenaria menos carbono.

Há algo de admirável na capacidade de instituições nacionais como Unicamp e UFPA, em parceria com o MetOffice do Reino Unido, de erguer um portento científico como esse. Trata-se da melhor face do país, em que tudo o mais deveria espelhar-se.

Proposta indecente

Por O Estado de S. Paulo

Minas Gerais apresenta oferta absurda para zerar os juros e estender o prazo para pagar sua dívida, mas o comportamento oportunista dos Estados foi incentivado pelo próprio governo Lula

O governo de Minas Gerais apresentou sua proposta para aderir ao programa de renegociação das dívidas dos Estados lançado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Para abater até 20% do saldo devedor, estimado em R$ 181 bilhões, e refinanciar o estoque em um prazo de 30 anos, sem juros, apenas com a correção da inflação, o Estado apresentou uma lista de R$ 96,5 bilhões em ativos para a União, quase o triplo do valor mínimo exigido para a modalidade. Se o número impressiona, basta analisar a proposta com um pouco mais de cuidado para colocar seus termos em dúvida.

Segundo o próprio governo mineiro, cerca de 75% desse valor corresponde a recebíveis, ou seja, recursos que o Estado tem a receber. Entre elas estão R$ 2,9 bilhões em créditos da Lei Kandir, R$ 6,5 bilhões referentes à compensação previdenciária entre o Estado e a União e R$ 10,8 bilhões em juros de precatórios do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

Em suma, boa parte do que Minas Gerais está oferecendo à União é um dinheiro que a própria União, na visão de Minas Gerais, teria de repassar ao Estado. O ativo mais valioso, equivalente a R$ 30,1 bilhões, diz respeito a transferências constitucionais do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que nem sequer podem ser usadas como alternativa para negociações segundo os termos do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).

A lista também é composta por créditos da dívida ativa estadual no valor de R$ 2,6 bilhões, ou seja, débitos tributários que deixaram de ser pagos ao governo mineiro por empresas e pessoas físicas e que são considerados de difícil recuperação, e recebíveis, ou seja, dinheiro que será pago no futuro, na forma de compensações financeiras pela exploração de recursos minerais e hídricos e royalties de petróleo.

Por fim, o Estado ofereceu imóveis que, em suas contas, valeriam R$ 1,9 bilhão, e participações em três empresas públicas, sendo a principal na Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), cujo processo não apenas não passou pelo crivo da Assembleia Legislativa como exige a realização prévia de um referendo popular para que possa ser realizado.

Do cardápio apresentado pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema, não constam, no entanto, valores referentes à privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), que acaba de receber o aval dos deputados estaduais. E logo se presume o porquê.

A julgar pelo sucesso dos leilões do setor desde a aprovação do marco do saneamento, os recursos arrecadados na venda da Copasa serão líquidos e certos, diferentemente da maioria dos itens que Zema ofereceu. Logo, eles serão utilizados para investimentos em infraestrutura, e não no abatimento das dívidas do Estado.

Por aí se vê que a intenção do Estado não é exatamente fazer um esforço fiscal para colocar as contas em dia. O que Minas Gerais quer é o bônus de zerar os juros da dívida sem ter de assumir o ônus associado.

Por incrível que pareça, é capaz de a União aceitar essa proposta indecente. Até o momento, apenas Goiás e Sergipe aderiram ao programa, o que fez o governo federal prorrogar o prazo de negociações para o fim de 2026 e facilitar as condições de adesão.

Alguns Estados, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ainda aguardam a análise dos vetos presidenciais ao projeto pelo Congresso neste mês, que, se derrubados, reduzirão ainda mais o esforço para enquadramento no programa, cujo custo financeiro, para a União, será de R$ 1,3 trilhão até 2048, segundo o próprio Ministério da Fazenda.

Há que se reconhecer que os termos do Propag são um incentivo a esse tipo de comportamento oportunista por parte dos Estados. O governo, afinal, nem sequer exigiu que os governadores cortassem gastos para aderir ao programa. Pediu, apenas, que eles priorizassem investimentos em algumas áreas, como o ensino médio técnico, infraestrutura, segurança pública, incremento da produtividade e enfrentamento das mudanças climáticas. Achou que, dando a mão, eles não pediriam o braço, mas estava redondamente enganado.

Soberania não é moeda eleitoral

Por O Estado de S. Paulo

Ao copiar a retórica do ‘narcoterrorismo’ de Trump em prol de seus interesses, políticos brasileiros flertam com ações que, a pretexto de endurecer o combate ao crime, ameaçam a soberania do País

Um funcionário do governo americano enviou uma carta ao governo do Rio lamentando a morte de quatro policiais durante a operação que deixou 121 mortos nos Complexos da Penha e do Alemão, no dia 28 passado. O documento, assinado por James Sparks, que representa a DEA (a agência antidrogas dos EUA) no consulado americano no Rio de Janeiro, diz que o governo daquele país está “à disposição para qualquer apoio necessário”, seja lá o que esse apoio signifique. A missiva, vinda de um burocrata de quinto escalão do governo de Donald Trump, foi recebida pelas autoridades fluminenses como uma espécie de endosso moral à política de segurança do governador Cláudio Castro (PL) e, ademais, serviu para acirrar a disputa política entre ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Castro tem exercido uma espécie de “diplomacia paralela” junto aos EUA. Como revelou o jornal O Globo, o governador do Rio encaminhou à embaixada americana documentos sobre o Comando Vermelho (CV), pedindo o apoio do país à classificação das facções criminosas brasileiras como “organizações terroristas”. Além disso, Castro entregou pessoalmente à DEA, durante viagem recente aos EUA, um dossiê sobre o CV. Tais ações abrem espaço para uma ingerência estrangeira que agride frontalmente a soberania nacional.

Por alinhamento ideológico e interesse eleitoral, políticos brasileiros vêm banalizando o envolvimento de Washington em assuntos domésticos. A iniciativa de Castro são só as mais recentes de um processo perturbador. O deputado Danilo Forte (União-CE), autor do projeto de lei que classifica as facções criminosas como grupos “terroristas”, chegou a citar Trump expressamente na justificação da proposta. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi ainda mais longe: sugeriu que o secretário da Guerra dos EUA, Pete Hegseth, bombardeasse barcos suspeitos de transportar drogas na Baía de Guanabara, nada menos.

Desde que Trump passou a tratar os cartéis de drogas do México e da Colômbia como “organizações terroristas”, o que tem levado os EUA a atacar embarcações que o governo alega servirem ao tráfico no mar do Caribe, parte da direita brasileira passou a copiar a retórica norte-americana, como se a adesão acrítica ao trumpismo fosse um selo de firmeza moral e correção política. O que se vê, no entanto, é uma perigosa subserviência de oportunistas que não veem problema em sacrificar a soberania nacional sob o altar das conveniências eleitorais de ocasião.

A ideia de classificar as facções criminosas como grupos terroristas, como já sublinhamos nesta página, além de conceitualmente errada, é institucional, política e economicamente temerária. O terrorismo é um crime de natureza extraterritorial, o que significa que qualquer indivíduo, empresa ou instituição minimamente suspeita de relação com as facções poderia ser alvo de sanções internacionais, em especial dos EUA. Bastaria uma denúncia, ainda que infundada, para que empresas nacionais fossem banidas de negociações comerciais, investimentos fossem congelados e contratos suspensos.

Tudo isso revela mais a teatralidade com que o problema da violência tem sido tratado no Brasil do que responsabilidade das autoridades políticas. O que políticos como Castro, Flávio Bolsonaro e Danilo Forte, entre outros, realmente buscam é o capital simbólico da “chancela” de Trump e a imagem de líderes implacáveis contra o crime organizado. Ao recorrerem aos EUA como se o país fosse um irmão mais velho valentão, não sinalizam força, mas dependência – e com alarmante desprezo pelas instituições pátrias.

A sabujice também dificulta a integração entre governo e oposição para resolver um problema que aflige todos os brasileiros, independentemente de suas afinidades políticas. A representação contra Castro feita pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), ao Supremo Tribunal Federal, acusando-o de “traição”, além de juridicamente equivocada – a competência para julgar governadores por crimes comuns é do Superior Tribunal de Justiça –, não é mais do que uma bravata que reforça a polarização permanente, em detrimento da cooperação federativa que a sociedade exige de seus representantes.

A batata quente das bets

Por O Estado de S. Paulo

Caixa pretende entrar no lucrativo segmento, mas Lula, em campanha contra as bets, hesita

O presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira, anunciou recentemente que o banco estatal iria lançar uma bet esportiva, com a expectativa de gerar uma arrecadação anual de até R$ 2,5 bilhões. A tal bet da Caixa já havia até recebido a autorização de funcionamento do Ministério da Fazenda. Mas eis que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou suspender o projeto.

O caso mostra como as bets, como são chamadas as onipresentes casas de apostas online, se tornaram uma batata quente para o governo. Primeiro, como se não fossem suficientemente claros os inúmeros problemas relacionados às bets, o governo se empenhou em aprová-las, de olho na promissora arrecadação de impostos. Depois, quando ficaram evidentes os efeitos danosos das bets, seja na saúde mental e financeira dos jogadores, seja pela avenida de oportunidades que esse negócio traz para o crime organizado, o presidente Lula passou a ameaçar as bets.

Agora, quando a Caixa Econômica Federal anuncia que pretende entrar nesse lucrativo negócio, Lula, aparentemente sem ter sido informado desses planos, mandou suspender tudo assim que soube. Não se conhecem exatamente as razões objetivas da ordem, mas pode-se especular que se trata de uma tentativa de reduzir os danos à imagem do governo, porque a incoerência é gritante: ou bem Lula considera que as bets são nocivas e devem ser restritas ao máximo, pagando impostos mais altos, ou entende que essas casas de aposta vieram mesmo para ficar e, nesse caso, que o governo aufira algum lucro com isso, por meio da bet da Caixa.

Não é de hoje que Lula se embanana com essa questão. Recorde-se, por exemplo, que o governo mandou restringir as apostas feitas por beneficiários do Bolsa Família, como se estes não fossem capazes de gerenciar suas contas. Ora, se o governo considera que brasileiros possam deixar de comer para apostar em bets, que as proíba. Uma vez que as liberou, não pode definir como os cidadãos se comportarão. É assim que funciona numa democracia liberal, como é supostamente a nossa.

Como Lula resolverá os dilemas acima expostos, é lá com ele. No que diz respeito ao País, é compreensível que a Caixa queira explorar o negócio, que está perfeitamente legalizado, a despeito de seus inúmeros problemas. E que o governo aguente o tranco da oposição, que não perdeu tempo. Na tribuna do Senado, Damares Alves (Republicanos-DF) afirmou que é inaceitável que a Caixa queira “explorar o vício e a vulnerabilidade econômica da população mais pobre”. Mas as críticas não vieram só à direita. À esquerda, houve quem dissesse, nas redes sociais, que oferecer bet na Caixa seria o mesmo que o Ministério da Saúde alertar sobre os efeitos prejudiciais do cigarro e ainda assim vender maços por aí.

Ou seja, enquanto uma ala do governo diz elaborar ações para aumentar a fiscalização e o controle sobre as bets e assim reduzir os danos causados pela jogatina, uma outra pretende usar a credibilidade da Caixa Econômica Federal e sua longa relação com a população, sobretudo a mais vulnerável em razão dos inúmeros serviços de assistência social realizados pela instituição, para transformá-la numa espécie de casa de apostas oficial.

Participação na Celac deve reafirmar valores democráticos

Por Correio Braziliense

A visita de Lula à Colômbia deve servir menos como um gesto de solidariedade a Maduro e mais como uma oportunidade para o Brasil reafirmar sua vocação de mediador equilibrado, comprometido com a integração regional baseada em valores democráticos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Itamaraty precisam exercer grande dose de bom senso e pragmatismo durante a participação do governante brasileiro na cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), na Colômbia. A defesa da chamada "solidariedade latino-americana" com o regime de Nicolás Maduro, sob o pretexto de enfrentamento ao "imperialismo norte-americano", pode custar caro ao Brasil num momento em que o país busca recompor as relações com Washington e mitigar os efeitos do tarifaço imposto pelos Estados Unidos sobre as exportações brasileiras.

Seria um erro monumental o governo sacrificar essa reaproximação estratégica em nome de um regime acusado de fraudar eleições, perseguir opositores e conduzir a Venezuela a uma prolongada crise humanitária e migratória, como vem alertando organismos internacionais. A diplomacia brasileira, historicamente, equilibrou-se entre a defesa da autodeterminação dos povos e a não intervenção em assuntos internos de outros países, mas o contexto atual exige pragmatismo.

O Brasil precisa ser voz de moderação e equilíbrio, e não de alinhamento automático a regimes isolados. A insistência em tratar Maduro como vítima de uma conspiração internacional, enquanto ignora as violações sistemáticas de direitos humanos em Caracas, mina a credibilidade de Brasília no cenário internacional e afasta parceiros importantes, sobretudo os europeus e norte-americanos.

A tensão crescente entre os Estados Unidos e a Venezuela, alvo de um cerco militar inédito desde a volta de Donald Trump à Casa Branca, acrescenta um elemento explosivo à conjuntura. Segundo fontes do próprio Itamaraty, a questão venezuelana foi mencionada em diversas reuniões bilaterais realizadas por Lula nesta quarta-feira, em meio às prévias da COP30, inclusive, no encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Ainda assim, a presença do presidente brasileiro na Colômbia, em meio ao agravamento da tensão geopolítica na região, coloca o Brasil numa posição delicada. De um lado, a tradição diplomática de defesa da soberania e da paz; de outro, o risco de ser percebido como um aliado incondicional de Maduro, sem compromissos com a democracia e os direitos humanos.

O pragmatismo sempre foi uma das marcas do Itamaraty, que, em momentos críticos, soube colocar os interesses nacionais acima de simpatias ideológicas. Agora, diante de um cenário internacional polarizado e volátil, essa tradição precisa ser resgatada. O Brasil não tem nada a ganhar ao se atar a um governo que se sustenta pela repressão e pelo autoritarismo, e tudo a perder se sua política externa for percebida como alinhada ao eixo dos regimes sancionados.

A visita de Lula à Colômbia, portanto, deve servir menos como um gesto de solidariedade a Maduro e mais como uma oportunidade para o Brasil reafirmar sua vocação de mediador equilibrado, comprometido com a paz e com a integração regional baseada em valores democráticos. Somente assim, poderá preservar sua imagem internacional e avançar nas negociações que realmente importam para o futuro do país — aquelas que abrem mercados, reduzem tensões e fortalecem sua posição como potência diplomática respeitada no Ocidente e no Sul Global.

Aumenta o número de mortes em intervenções policiais

Por O Povo (CE)

A polícia é o braço operativo do Estado, que detém o monopólio do uso legítimo da força. Portanto, está investida de grande poder, que deve ser usado com prudência, nos limites estritos da lei

O ano de 2024 foi o período em que houve o maior número de mortes provocadas por intervenção policial no Ceará, desde 2019. O levantamento é da sexta edição do relatório "Pele alvo: crônicas de dor e de luta", mostrando que as forças de segurança foram responsáveis por 189 mortes, aumento de 39% nos últimos seis anos. Entre as vítimas, 79,3% são pretos ou pardos.

Aprofundando-se um pouco mais na pesquisa, divulgada na edição de ontem, observa-se que 98,9% dos mortos eram homens com idade até 29 anos. Ou seja, a grande maioria das vítimas é constituída de jovens negros. "A cor da pele continua sendo o fato mais determinante para mortes violentas praticadas pela polícia", de acordo com o relatório.

No entanto, não é possível apurar de forma mais precisa essas características pela falta de informações mais detalhadas. Nos documentos, obtidos pelos organizadores do documento, por meio da Lei de Acesso à Informação, em 51,3% dos casos não constavam referências de raça ou cor, faltando também outros dados relevantes para o estudo.

Para Fernanda Naiara, pesquisadora da Rede e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV-UFC), saber o número de vítimas é importante, mas também é essencial conhecer a cor, idade, nível de formação e locais por onde circulavam "as pessoas vitimadas pela violência policial".

De fato, sem informações detalhadas fica difícil estabelecer uma política para evitar abusos e o uso indevido da violência pelas polícias, o que deveria ser de interesse de todas as autoridades. O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que ele existe — e conceituá-lo corretamente.

O comparativo com outros países não deixa dúvida quanto à violência da polícia brasileira e como essa atuação está disseminada. Levantamento da plataforma de notícias Uol, com dados referentes a 2023 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, revela que as polícias militar e civil brasileiras matam quase o triplo do que os agentes de segurança de 15 países do G20 somados. Em todo o Brasil, 4.068 pessoas foram mortas em decorrência de intervenção policial em 2023. A população negra representou 86,2% do total de vítimas nas unidades federativas analisadas.

É de se destacar que não se nega, por óbvio, o direito às forças de segurança o direito de usarem a força necessária, conforme as circunstâncias. No entanto, isso não pode ser tomado como uma autorização para agir em desacordo com os protocolos e com a legislação que regem a atividade.

A polícia é o braço operativo do Estado, que detém o monopólio do uso legítimo da força. Portanto, está investida de grande poder, que deve ser usado com prudência, nos limites estritos da lei.

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