quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Talibã na Penha, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Proposta da direita abre caminho a sanções econômicas e intervenções militares no Brasil

A direita descobriu uma fórmula mágica para acabar com o tráfico: rotular as facções criminosas como organizações terroristas.

A proposta já passou pela Comissão de Segurança da Câmara, dominada pela bancada da bala. Agora pode ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, com apoio de governadores bolsonaristas.

A ideia parte de uma premissa verdadeira para chegar a uma conclusão falsa. A verdadeira: os bandidos são violentos, oprimem as comunidades e precisam ser combatidos. A falsa: isso exigiria equipará-los a terroristas.

Uma resolução da ONU descreve o terrorismo como a prática do terror com fins políticos. A lei brasileira exige que o crime seja motivado por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça ou religião. Nenhuma dessas definições se aplica a bandos que atuam no país, como Comando Vermelho e PCC.

Classificar facções como organizações terroristas pode satisfazer eleitores assustados com a violência, mas teria duas consequências nocivas. A primeira, no front doméstico, seria justificar ações ainda mais violentas do Estado em favelas e bairros populares.

Se uma região é dominada pelo terror, as forças de segurança não precisariam seguir regras ou protocolos para ocupá-la. Vítimas inocentes de operações desastradas se tornariam meros “danos colaterais”.

No front internacional, a mudança abriria caminho a sanções econômicas e intervenções militares em território brasileiro. É o que tem feito o governo Trump ao bombardear embarcações venezuelanas no Caribe, a pretexto de punir o narcoterrorismo. Foi o que desejou o senador Flávio Bolsonaro ao sugerir um ataque americano na Baía de Guanabara.

As facções visam ao lucro e atuam como máfias. Têm ramificações na política e no meio empresarial. Controlam distribuidoras de gasolina, infiltraram-se no agronegócio e lavam dinheiro na Faria Lima.

Combatê-las exige método, cooperação e inteligência. Não é tarefa que se resolva com retórica de guerra e ações espetaculosas — como se a PM estivesse prestes a libertar o Alemão da Al-Qaeda ou a Penha do Talibã.

 

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