terça-feira, 29 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O GLOBO nos próximos 100 anos

O Globo

Muito mudou em um século. Mas a paixão pelo Brasil e pelo jornalismo que nos guia continua a mesma

Quando saiu a primeira edição do GLOBO, há exatos 100 anos, o Brasil era outro país. Com 33 milhões de habitantes, a população era quase um sétimo da atual. Mais de 80% ainda viviam no campo, e algo como 70% eram analfabetos. A expectativa de vida mal chegava a 35 anos. De mil crianças que nasciam, mais de 160 morriam ainda bebês, antes de completar 1 ano. A escravidão, encerrada havia menos de quatro décadas, estava fresca na memória de muitos. A indústria engatinhava, e, numa economia essencialmente agrícola, o PIB per capita — US$ 2.400 em valores de hoje— não alcançava um sétimo do americano. O sistema político era oligárquico, as mulheres não votavam, fraudes e voto de cabresto eram endêmicos. Foi no Rio de Janeiro, então capital federal com perto de 1,2 milhão de habitantes, que Irineu Marinho decidiu lançar seu novo vespertino, dedicado “à defesa das causas populares” e a contribuir “para o futuro esplêndido a que nossa pátria tem direito”.

A missão do GLOBO foi desde o início definida de modo transparente: praticar jornalismo com independência, para atender ao interesse dos leitores, para ajudá-los a conhecer e a compreender o mundo. Num país em que boa parte dos veículos da imprensa andava a reboque de influências políticas ou grupos econômicos, a nova publicação proclamava seu compromisso com aquilo que anos depois se convencionou chamar de jornalismo profissional: a busca da verdade dos fatos, dentro do melhor de seus recursos e possibilidades, de acordo com técnicas de apuração baseadas em princípios éticos e valores humanos.

A primeira edição era um reflexo disso — e plantava a semente do que O GLOBO se tornaria ao longo das décadas seguintes, já sob o comando do jornalista Roberto Marinho. Estão na primeira página a abertura dos arquivos secretos dos Habsburgos em Viena, o crescimento da importação de automóveis — de 2.772 para 12.995 unidades em um ano! —, o interesse do industrial Henry Ford pela borracha brasileira, o serviço público prestado pelo jornal ao tapar “Sua Majestade o rei dos buracos de rua” e uma charge satirizando a dificuldade de lidar com o desafio fiscal — nela, o “campeão das despesas” derrotava o “campeão das receitas” em luta renhida.

Apesar de algumas temáticas ainda familiares, muito mudou no Brasil em 100 anos. O Rio de Janeiro deixou de ser capital do país, ao mesmo tempo tornou-se uma metrópole global com 12 milhões de habitantes (mais da metade apenas no município do Rio). A mortalidade infantil despencou a 10,4 por mil nascimentos, a expectativa de vida do brasileiro beira os 80 anos, e o analfabetismo — ainda que vergonhoso — caiu a pouco mais de 5%. A população urbana brasileira é hoje estimada em 88%. Vivemos quase quatro décadas ininterruptas de democracia, e não apenas todos podem votar, como as urnas eletrônicas brasileiras integram o que muitos consideram o sistema eleitoral mais ágil e confiável do mundo.

A economia se diversificou, e o PIB per capita atual — ao redor de US$ 23,2 mil— corresponde a um quarto do americano (o padrão de vida brasileiro dobrou na comparação). A maior parte dos 2,6 milhões de automóveis vendidos neste ano no Brasil terá sido produzida aqui mesmo (e o país importa mais carros em dez dias do que importava em um ano). Riquezas naturais brasileiras ainda despertam cobiça estrangeira, embora não mais a borracha. Quanto ao embate fiscal, bem, este continua a nos assombrar.

O jornalismo também atravessou transformações profundas no último século, e O GLOBO desempenhou papel pioneiro em todas. Foi o primeiro jornal brasileiro a publicar uma telefoto, em 1936, e uma radiofoto colorida, em 1959. Com raízes no jornal, a Rádio Globo começou a transmitir em 1944 — foi a semente do Sistema Globo de Rádio, que hoje inclui a CBN. Inaugurada em 1965, a TV Globo se tornou a maior emissora da América Latina e uma das maiores do mundo, deu origem à primeira rede nacional via satélite e a um polo de conteúdo audiovisual e interativo cuja presença se estende a canais pagos e serviços de streaming. Em 1996, O GLOBO também foi pioneiro ao inaugurar seu site, um vislumbre do que se tornaria o jornalismo em tempo real praticado hoje. Vieram em seguida aplicativos para celular e produtos digitais, consolidando a cobertura multiplataforma. O último lance foi o Projeto Irineu, com conteúdo gerado por inteligência artificial.

A revolução tecnológica das últimas décadas trouxe desafios inéditos para a imprensa profissional. De um lado, o comportamento predatório das plataformas digitais corroeu pilares do negócio jornalístico. De outro, paradoxalmente, tornou o jornalismo ainda mais relevante. O ambiente borbulhante das redes sociais, onde qualquer um pode se tornar produtor de conteúdo, verte diuturnamente um oceano de desinformação. É justamente nesse mar revolto que se fazem necessários a bússola e os instrumentos de navegação que só o jornalista profissional pode oferecer a quem precisa encontrar o rumo da verdade.

Tais instrumentos — os princípios editoriais que orientam o jornalismo do Grupo Globo — continuam essencialmente os mesmos desde aquela primeira edição de 29 de julho de 1925. A despeito de todas as transformações no país, no mundo e na forma de entregar o conteúdo, O GLOBO continua e continuará a ser um espaço confiável para quem quer ou precisa saber dos fatos e das notícias, onde se busca refletir uma pluralidade representativa de opiniões sobre eles e onde o sectarismo e a ideologia definham diante da abertura ao diálogo, do aprendizado com os próprios erros e da coragem de dizer o que precisa ser dito.

“O nosso trabalho recomeça a cada dia. E o Brasil com que sonhamos e para o qual este jornal foi fundado ainda não se tornou realidade”, escreveu Roberto Marinho noutro aniversário do jornal. A constatação continua verdadeira. E, por isso mesmo, O GLOBO continua necessário. A paixão pelo Brasil e a paixão pelo jornalismo que nos guiaram ao longo do primeiro século continuarão a nos guiar pelos próximos — e enquanto houver histórias a contar.

Ao aceitar acordo com Trump, UE traz mais desafios ao Brasil

Valor Econômico

A UE não sancionou ainda o acordo com o Mercosul e o acerto com os EUA pode dar vantagens aos bens americanos sobre os brasileiros no território europeu

Depois que a União Europeia (UE) concordou em fazer um acordo com os Estados Unidos que aumenta as tarifas de importação de seus produtos para 15%, o maior obstáculo à ofensiva comercial do presidente Donald Trump ruiu. Maior bloco econômico mundial e principal parceiro comercial americano, a UE era quem tinha as melhores condições para enfrentar o protecionismo de Trump. No domingo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, aceitou os termos americanos, após uma ameaça de taxação de 30% a partir de 1 de agosto. As tarifas cobrirão 70% das exportações para os EUA (US$ 532 bilhões em 2024), e o entendimento prevê compromissos de compra de energia (US$ 350 bilhões) e investimentos (US$ 600 bilhões) no mercado americano. A decisão dividiu a UE, com manifestações de resignação de Alemanha e Espanha, protestos da França e certa indiferença da Itália.

A presidente da UE, não à toa, aceitou o asfixiante acordo com Trump logo após uma péssima reunião com a China, o principal destino de suas exportações. Mesmo hostilizado por Trump, Xi Jinping, aliado da Rússia, que trava uma guerra de conquista em solo europeu, não deu o menor sinal de que pretenda aliança com os europeus na atual guerra comercial — um possível prenúncio de que também não a considera essencial na nova reconfiguração geopolítica global em curso.

A decisão europeia tem grande importância para os planos de Trump e traz mais desafios para o Brasil no tabuleiro comercial mundial. A UE não sancionou ainda o acordo com o Mercosul, e os entendimentos sobre o acesso americano a seu mercado pode brindar os produtos americanos com vantagens sobre os brasileiros no território europeu. A informalidade dos acordos impede conhecer em detalhes sobre quais bens os Estados Unidos garantiram tarifas zero. Segundo von der Leyen, elas incidirão sobre 70 bilhões de euros em mercadorias estratégicas, não especificadas.

As exportações brasileiras de carne para a Europa estão sujeitas a cotas e enfrentam forte oposição da Irlanda e da França, dois dos principais lobistas contra o produto brasileiro. Provavelmente os americanos conseguiram furar esse bloqueio. Além disso, 50% das importações de soja e farelo na União Europeia são provenientes do Brasil, e os EUA são grandes competidores, que podem ter obtido vantagens pelo acordo. Como analistas ressaltaram, o entendimento, como impõe Trump, desrespeita as regras internacionais, deixando de lado a cláusula de nação mais favorecida, que estende aos demais países com que a UE comercia os benefícios obtidos por seu parceiro mais bem aquinhoado.

A aceitação do ultimato americano, por outro lado, pode retardar o entendimento da UE com o Brasil. Ao abrir uma brecha no protecionismo europeu, em especial o agrícola, os produtores nacionais tenderão a aceitar o acordo como uma fatalidade e se tornar mais recalcitrantes para sua extensão a outros concorrentes muito competitivos, como o Brasil, por meio do acordo com o Mercosul.

A posição de negociação do Brasil pode ficar pior em vários aspectos. A chance de acelerar o acordo com o Mercosul por parte de Bruxelas é uma forma de a UE se reforçar na arena global, hoje dividida entre as duas maiores potências mundiais, EUA e China. A urgência pode ter arrefecido no curto prazo com a anuência ao ultrajante ultimato americano. Se o Brasil deixou para depois a ideia de uma retaliação tarifária aos produtos americanos, ela se tornou agora quixotesca diante das desistências de potências como Europa e Japão.

Se os EUA impuserem tarifas de 50% sobre exportações brasileiras, não só fecharão o maior mercado do mundo ao país como facilitarão claramente seus concorrentes até dentro do Mercosul. A Argentina, cujo presidente, Javier Milei, é um adepto fervoroso de Trump, foi contemplada com taxação de 10% e é um grande exportador rival de soja e carne. Ademais, na exportação de automóveis e autopeças, com tarifas em vigor de 25%, europeus e japoneses entrarão no mercado americano pagando menos, 15%, rebaixando a competitividade do Brasil e criando enorme problema para as próprias montadoras do país, que se abastecem no México e importarão pagando mais que seus grandes concorrentes japoneses e europeus.

A equação comercial será hostil com o fechamento do mercado americano e vantagens oferecidas aos EUA no resto do mundo. A exportação de manufaturados terá de bater às portas de outros mercados, depois de rejeitada pelo seu maior comprador. China e países asiáticos são mais competitivos em bens de média e alta tecnologia que o Brasil exporta.

Mesmo a bem concebida ideia de retaliar os EUA não elevando as tarifas para seus bens, mas rebaixando a de outros parceiros comerciais (Valor, ontem), não é de fácil execução. Com o Mercosul, o Brasil não pode reduzir sua proteção unilateralmente sem apoio de Argentina, Paraguai e Uruguai. Ações hostis podem ser bloqueadas pela Argentina, que pretende dar benefícios aos EUA e, se pudesse, faria um acordo em separado com Washington. Se os interesses comerciais prevalecerem, o Brasil tem ainda boas chances de negociar condições menos desvantajosas. A lógica de Trump, porém, pode não ser essa.

Sem grande trunfo, Brasil segue refém de Trump

Folha de S. Paulo

Exigência do americano de livrar Bolsonaro de processo é inaceitável e Casa Branca se mantém fechada

Participação limitada do Brasil no comércio global redunda em pouca inovação e competitividade, tolhendo poder de negociação

Enquanto a Casa Branca mantém portas fechadas para negociações diretas com o Brasil, Donald Trump vem anunciando uma série de acordos comerciais com outros países, como Japão e União Europeia.
Ele também segue conversando com China e Índia, economias que aumentaram sua relevância nos últimos anos, e ontem sinalizou tarifas de até 20% para muitos países —ante os 50% prometidos para o Brasil.

Após algumas bravatas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra Trump para faturar politicamente com o episódio, o Brasil passou a atuar de forma mais pragmática, procurando o diálogo e enviando o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para os Estados Unidos.

De todo modo, é Trump quem tem se mantido irredutível até o momento após impor como condição para negociar, de forma inaceitável e absurda, o encerramento do processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe contra as instituições democráticas.

Além de colocar os Estados Unidos na posição de chantagista contra uma nação soberana e que tem, inclusive, situação comercial deficitária em relação a seu país, Trump ignora a separação entre os Poderes no Brasil.

O episódio e a falta de abertura para o diálogo revelam os meios truculentos do republicano em um mundo cada vez mais protecionista e com pendores autoritários, fatos que deveriam estimular o Brasil a fortalecer a economia e seu poder de barganha no cenário internacional, além de sua própria democracia.

Há muito a ser feito para que o país se abra mais para o mundo, se beneficiando desse movimento. Apesar de seu tamanho, o Brasil tem participação ao redor de 1% no comércio internacional.

Na manufatura, as alíquotas médias de importação são de 12%, o dobro das mexicanas e o triplo das europeias. Também somos campeões, segundo o Banco Mundial, em barreiras não tarifárias levantadas por meio de entraves regulatórios. O expediente é aplicado a 86% do valor importado pelo Brasil, ante média de 72% de uma lista de 75 países.

Essa participação limitada nas correntes de comércio redunda em pouca inovação e competitividade frente a outras nações, tolhendo o crescimento econômico e o poder de negociação em momentos como o atual. Isso, mais a persistente crise fiscal, torna o país vulnerável e com limitada capacidade para se defender.

Mas Lula parece preso a uma lógica protecionista e a ideologias. Em meio à tentativa de aproximação com os EUA, o assessor especial do presidente para assuntos internacionais, Celso Amorim, declarou ao Financial Times que serão privilegiados laços com integrantes do Brics, o que pode soar como provocação a Trump, crítico ao fortalecimento do bloco.

O Brasil pode perseguir isso se for do seu melhor interesse, o que é discutível, mas não deve deixar de olhar para o resto do mundo atrás de oportunidades.

Pressionado pelos EUA, Lula também enfrenta fogo amigo

Folha de S. Paulo

Imerso em guerra comercial, presidente lida com invasões do aliado MST e taxação da Venezuela

Sedes do Incra são ocupadas, e gente de vermelho invadindo prédio público é prato cheio para propaganda da direita nas redes sociais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) colhe os frutos da armadura nacionalista que envergou quando Donald Trump escolheu o Brasil como alvo de sua mais recente agressão externa.

Irracional do ponto de vista econômico, as sobretaxas de 50% sobre importações brasileiras, que entram em vigor a partir de 1º de agosto, são justificadas pelo republicano a partir da política.

Se é evidente o desgosto com o antiamericanismo pueril do governo Lula e os interesses contrariados das big techs, o selo do tarifaço tem nome: Jair Bolsonaro (PL). Trump conectou sua ação com o discurso de que o ex-presidente é um perseguido por ser julgado pela trama golpista.

O presente retórico para o petista não poderia ser maior, ainda que esteja claro o risco do impacto de longo prazo das medidas sobre a economia.

Ademais, vêm da banda ideológica do lulismo novos lembretes acerca de problemas para a busca pela reeleição em 2026.

Na sexta (25), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) completou uma invasão coordenada a sedes do Incra, órgão responsável por gerenciar a reforma agrária, que mobilizou 17 mil pessoas ao longo da semana.

As imagens reprisavam um filme em cartaz desde os anos 1990, quando o campo vivia em outra era geológica em termos de estrutura produtiva. Gente de vermelho invadindo prédio público é um prato cheio para a propaganda da direita nas redes sociais.

Algo similar havia acontecido quando o governo lançou o "nós contra eles" na crise com o Congresso acerca do IOF e um grupo de sem-teto invadiu um prédio do banco Itaú em São Paulo.

Ali, o sinal amarelo acendeu. O ato apoiado por Guilherme Boulos (PSOL-SP) custou ao deputado federal um cargo no Planalto —outra situação na qual a radicalidade do político lhe tolhe pretensões, como em duas eleições para prefeito na capital paulista.

Com os sem-terra, Lula buscou conter danos, chamando lideranças para conversar. No entanto o sinal de descontrole das franjas de sua base é evidente.

Algo também visto na relação com a antiga aliada Venezuela. Desde que vetou a entrada do país no Brics, em 2024, Lula passou a ser tratado como adversário pela ditadura de Nicolás Maduro.

O azedume se intensificou na sexta, quando venezuelanos imitaram Trump e taxaram importações do Brasil, rompendo tratado de 2014. Confrontado, o país diz ter voltado atrás e deu como desculpa um problema técnico. Mas só foram reforçadas as dificuldades de Lula mesmo na esquerda.

O caos de Trump e a encruzilhada do Brasil

O Estado de S. Paulo

A resposta brasileira à guerra tarifária não pode ser choro nem revanche, tampouco pacotões desenvolvimentistas. A única saída sensata é acabar com o protecionismo que nos condena ao atraso

As guerras comerciais de Donald Trump têm pouco de estratégia coerente e muito de improviso. Com suas ameaças em série, adiamentos arbitrários, critérios erráticos e objetivos sobrepostos – ora segurança nacional, ora imigração, ora déficits bilaterais –, o presidente dos EUA transforma a política comercial em espetáculo imprevisível. O resultado é um colapso de confiança que mina o sistema global de trocas. Trump não só eleva tarifas: ele destrói expectativas.

Em vez de seguir regras claras, os EUA de Trump operam à base de cartas biliosas, improvisos táticos e chantagens desconexas. Um dia o inimigo é a China, no outro, o Brasil, o México, o Canadá, a Europa – ou todos ao mesmo tempo. O objetivo nunca é só comercial: Trump exige concessões em áreas desconexas, como regulação de tecnologia ou política de drogas. Para quem negocia, tudo pode ser moeda de troca. Essa instabilidade dissolve a previsibilidade que sustenta o comércio internacional, com custos severos: crescimento mais lento, investimento travado, empresas acuadas.

Mas há um paradoxo. Justamente por ser errático, Trump também é um adversário maleável. Reage mal à confrontação direta, mas frequentemente recua quando lhe oferecem um acordo que possa vender como troféu. Foi assim com a China em 2020, com o México neste ano e, há poucos dias, com a União Europeia. A chave é o pragmatismo: oferecer gestos que soem grandiosos, mas custem pouco. Em vez de bravatas ou confrontos ideológicos, o que funciona é paciência estratégica.

O presidente Lula da Silva escolheu o caminho oposto. Optou por transformar Trump em um espantalho eleitoral. Preferiu o palanque à diplomacia, a retórica patrioteira à busca de canais de diálogo, minando os esforços diplomáticos de técnicos e empresários. Para o eleitorado, o confronto parece render popularidade. Mas, para o Brasil, o custo é alto.

Enquanto outros países buscam interlocutores com acesso direto a Trump, o Brasil se isola. E corre o risco de desperdiçar as oportunidades que essa crise oferece. Porque, se bem administrado, o conflito pode servir como catalisador para mudanças que o País há muito precisa implementar.

O Brasil vive há décadas num modelo protecionista que prometia desenvolvimento, mas entregou estagnação. A tentativa de “substituição de importações” produziu um setor industrial inchado, pouco competitivo e dependente de subsídios. A baixa abertura comercial ajuda a explicar nossa produtividade estagnada, nossas pressões inflacionárias e nosso eterno atraso.

Entre os países mais fechados do mundo, o Brasil continua apostando em tarifas e barreiras alfandegárias como instrumentos de fortalecimento nacional. Mas o resultado é o oposto. O protecionismo encarece insumos, desestimula inovação, agrava desigualdades, afasta investimentos e promove o clientelismo. Enquanto isso, países que abriram suas economias com inteligência – como a Índia, hoje mais bem colocada que o Brasil nos rankings de competitividade – colheram ganhos concretos em produtividade e crescimento.

A resposta brasileira à guerra tarifária não pode ser choro nem revanche, tampouco novos pacotões desenvolvimentistas fora dos limites orçamentários. A única saída sensata e sustentável é a abertura gradual, porém decidida, da economia. Não para agradar Trump, mas para beneficiar o País. Abrir mercados, eliminar distorções tarifárias, revisar subsídios regressivos, promover acordos bilaterais e fortalecer cadeias globais de valor – essa deveria ser a agenda. O comércio sadio é um jogo de soma positiva: todos ganham quando há regras claras, concorrência justa e integração.

O governo precisa abandonar o discurso ressentido e mirar o futuro com pragmatismo. Isso inclui preservar a soberania nacional – o que significa não ceder à chantagem trumpista em temas como a autonomia do Judiciário –, mas também reconhecer os próprios erros e limitações. Não é porque Trump está errado que o Brasil está certo. É hora de agir como país adulto: firme nos princípios, flexível na tática e ambicioso na estratégia. Trump passará. O atraso, se cultivado, fica.

Um crime resume o Brasil do atraso

O Estado de S. Paulo

Caso do juiz aposentado que, ao dirigir bêbado e com uma mulher no colo, matou uma ciclista no interior de SP expõe um país que se esforça para fracassar como projeto de nação

O Brasil se acostumou a conviver, há muitos anos, com a tragédia cotidiana da violência no trânsito. Mas há alguns episódios que, de tão grotescos, tão carregados de absurdos e privilégios, destacam-se como uma espécie de síntese dos males estruturais deste país: o desprezo pela vida humana, o abuso de poder e o corporativismo que resiste em se submeter ao imperativo republicano fundamental, a igualdade de todos perante a lei. O caso do juiz aposentado Fernando Augusto Fontes Rodrigues Junior, de 61 anos, que atropelou e matou a ciclista Thais Bonatti, de apenas 30 anos, é um desses eventos singulares.

Na manhã do dia 24 passado, o sr. Rodrigues Junior dirigia sua caminhonete bêbado, conforme exame clínico de embriaguez realizado por um médico legista da Delegacia Seccional de Araçatuba, no interior de São Paulo. O exame era dispensável: de acordo com a Polícia Civil, o juiz apresentava fala desconexa, falta de coordenação motora e forte odor etílico quando foi abordado pelos agentes. Para piorar, o indigitado ainda guiava com uma mulher nua sentada em seu colo.

A inconsequência do juiz é estapafúrdia por si só, mas o caso é ainda mais revoltante pelo tratamento privilegiado conferido ao autor pela Polícia Civil paulista: o motorista foi inicialmente indiciado apenas por lesão corporal culposa – o que permitiu que ele fosse solto sob pagamento de fiança no valor de R$ 40 mil. De fato, a vítima estava viva no momento do registro da ocorrência, razão pela qual, por óbvio, não cabia tipificar o crime como homicídio naquela ocasião. Mas o dolo eventual estava mais do que bem caracterizado. Afinal, o que mais um sujeito precisaria fazer, além de estar embriagado ao volante e com uma pessoa adulta no colo, para que restasse evidente que assumiu o risco de machucar ou matar terceiros?

Eis a fossa abissal que, em mais de 130 anos de experiência republicana, separa os brasileiros comuns daqueles cidadãos que desfrutam de uma espécie de salvo-conduto para fazer o que bem entendem. Esse odioso crime expôs com tintas fortes o quadro de um Brasil que se esforça para fracassar como projeto de nação.

Fernando Rodrigues Junior é retrato do privilégio. Aposentou-se cedo no serviço público, aos 55 anos de idade, e recebe, entre salários e penduricalhos, vencimentos que ultrapassam em muito o teto constitucional, hoje fixado em R$ 46,3 mil. Só neste ano, o juiz aposentado recebeu, em média, cerca de R$ 130 mil por mês. Ou seja, freio moral não era mesmo com ele.

Pode-se argumentar que nem todo magistrado aposentado tem as taras do juiz em questão, mas todos os que como ele ganham acima do teto constitucional e estão em paz com suas consciências certamente se consideram acima dos demais mortais no País, aqueles para os quais as leis se aplicam na sua integralidade.

E o privilégio não se limita ao salário inconstitucional tornado “legal” por meio de hermenêutica finória da casta judicial. O tal magistrado, a despeito de sua gravíssima conduta, foi tratado com escandalosa condescendência pelo delegado responsável pelo caso, reproduzindo o padrão corporativista dessa casta.

A sociedade parece ter se habituado com a impunidade de quem provoca as tragédias diárias no trânsito. Mas o que dizer quando quem mata ao volante é justamente alguém que integrou o Judiciário e, portanto, foi aprovado pelo Estado como alguém digno de confiança e, ademais, dotado da temperança para exercer a judicatura? Se os valores que vêm com a toga – e que não se esvaem com a aposentadoria – não bastaram para impedir uma prática criminosa, tampouco podem servir de escudo para as consequências. Nesse sentido, a atuação do Ministério Público (MP) de São Paulo será determinante para que esse crime tenha o devido tratamento, assegurando a seu autor, naturalmente, todas as garantias do devido processo legal.

A memória de Thais Bonatti exige isso. A confiança da sociedade nas instituições republicanas, em particular no MP e no Judiciário, também.

A tragédia das mães adolescentes

O Estado de S. Paulo

Incidência de gravidez na adolescência no Brasil é semelhante à de países pobres

Enquanto a taxa de 1,55 filho por mulher brasileira já é inferior à necessária para reposição populacional (2 filhos por mulher) e semelhante à de países de alta renda, dados sobre adolescentes que se tornam mães no Brasil mostram que, nessa faixa etária, a taxa é comparável à de países mais pobres.

É o que aponta a pesquisa “Maternidade na adolescência no Brasil: altas taxas de fecundidade e desigualdades marcantes entre municípios e regiões”, do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas (Iceh/UFPel).

A cada ano, uma em cada 23 adolescentes dá à luz no Brasil. Entre 2020 e 2022, mais de 1 milhão de jovens entre 15 e 19 anos tiveram filhos.

De acordo com a pesquisa, a taxa de fecundidade (TFA) nessa faixa etária no Brasil foi de 43,6 por cada mil adolescentes em 2022, enquanto nos demais países do Brics (como China e Rússia) a TFA máxima foi de 16,3. Em países de renda média alta como o Brasil (aqueles que segundo o Banco Mundial têm renda per capita entre US$ 4.466 e US$ 13.845), a TFA média é de 27,8, ou seja, bastante inferior à brasileira.

Ainda mais estarrecedor é saber que, entre 2020 e 2022, nasceram 49 mil crianças cujas mães tinham entre 10 e 14 anos, faixa etária na qual, de acordo com a lei, qualquer relação sexual configura estupro de vulnerável.

Esses números alarmantes são um retrato sombrio da desigualdade brasileira, já que as taxas mais elevadas estão fortemente associadas à pobreza. Embora nas regiões mais ricas do Brasil a gravidez na adolescência ocorra com mais frequência do que em países de renda média, é nos municípios mais pobres, sem infraestrutura e acesso à educação, que o fenômeno explode.

De acordo com o Iceh/UFPel, a TFA mediana entre jovens de 15 a 19 anos na Região Sul foi de 35 por mil adolescentes, semelhante à do Sudeste (35,8). Já na Região Norte, a TFA foi de mais que o dobro, 77,1, enquanto no Nordeste ficou em 52,8. No Centro-Oeste, a TFA mediana foi de 46,6.

Embora questões culturais específicas de cada região, além de maior ou menor acesso à informação e planejamento familiar, contribuam para o índice de gravidez precoce, a falta de perspectiva é determinante para que crianças continuem engravidando e gerando crianças em níveis inaceitáveis no Brasil.

Não é à toa que as taxas mais elevadas de gravidez na adolescência sejam observadas nas Regiões Norte e Nordeste, nas quais um sem-número de municípios apresenta indicadores pífios de desenvolvimento, onde faltam escolas, hospitais e saneamento básico.

É nessa intersecção de falta de absolutamente tudo e, mais importante, de políticas públicas que realmente promovam o desenvolvimento onde ele é mais que necessário que o ciclo de exclusão se perpetua.

Crianças que deveriam estar na escola estudando para terem um futuro digno são empurradas para a gravidez, gerando filhos aos quais muito provavelmente também será negado tudo. E infelizmente não há nenhum sinal de que essa realidade aviltante esteja perto de mudar.

Inadimplência alta exige foco em prevenção

Correio Braziliense

Mesmo com o programa Desenrola Brasil e o aumento das contratações formais, o número de endividados no país cresce. Foco deve ser também em medidas de prevenção

A crise financeira no Brasil não está restrita ao governo federal, que enfrenta um grave embate com o Congresso Nacional e, para piorar, está às vésperas de um tarifaço de 50% sobre os produtos nacionais prometido pelos Estados Unidos. Hoje, 77,8 milhões de brasileiros — 800 mil a mais do que em junho último — sofrem devido às dívidas que não foram honradas. O total dos débitos da inadimplência chega a R$ 477 bilhões, conforme levantamento da Serasa Experian.

O valor médio por devedor é de R$ 6.128,26, superior à maior renda média do país: de
R$ 5.043 no Distrito Federal. No restante do Brasil, o salário médio, dependendo da atividade laboral e escolaridade, está em torno de R$ 3,5 mil. Sair do atoleiro financeiro é bem difícil e torna a inadimplência uma das grandes tormentas enfrentadas pela maioria da população. Para grande parte dos devedores, não há solução no curto prazo.

Vários motivos explicam a crise na maioria dos lares, como falta de planejamento e de reserva financeira, desequilíbrio nos contas pessoais e domésticas, uso inadequado do cartão de crédito, juros altos, situações inesperadas, gastos com saúde, desemprego e falta de educação financeira. O programa Desenrola Brasil, lançado em 2023 pelo governo federal, aliviou a situação de 15 milhões de brasileiros ao fixar em 1,99% a taxa de juros  mensal para pessoas físicas inadimplentes que buscaram a renegociação de suas dívidas com os bancos. Porém, foi insuficiente para resgatar a maioria dos endividados.

Em outra frente, o desemprego vem diminuindo. Em junho último, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou uma queda de 6,2% em relação ao trimestre anterior, encerrado em maio. Mas o aumento de contratações também não foi suficiente para que houvesse redução expressiva das dívidas acumuladas por quase 80 milhões de brasileiros.

A avaliação do porta-voz da Serasa Experian, Giovani Inocente, é de que a maioria dos brasileiros não está preparada para bancar situações inesperadas. "Qualquer imprevisto já desestabiliza o orçamento, o controle se perde e a dívida cresce rapidamente por causa dos juros", declarou ao Correio. Essa realidade reforça a necessidade de fortalecimento de medidas focadas na prevenção, como a popularização da educação financeira e melhor controle de excessos cometidos pelas instituições do setor. 

Na avaliação do especialista e PhD em educação financeira Reinaldo Domingos, o sistema atual de crédito e consumo "deixa as pessoas vulneráveis a escolhas financeiras equivocadas", facilitando o endividamento. Dessa forma, o quanto antes as pessoas entenderem como lidar com o próprio dinheiro e identificarem armadilhas do mercado, melhor. Estudiosos da área recomendam que orientações nesse sentido sejam obrigatórias já no ensino médio.

Quanto aos abusos do mercado, há projetos tramitando no Congresso que visam coibir a prática, como a PEC que estabelece como limite para os juros cobrados por instituições o equivalente a três vezes a taxa Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira. Hoje, em caso de cobrança exorbitante, o inadimplente pode recorrer ao programa de renegociação, conforme estabelece a Lei nº 14.690/2023, que impede o estabelecimento de taxa de juros que supere 100% do valor da dívida original.

Nesse sentido, como um enfrentamento mais imediato à crise financeira que assola os brasileiros, os instrumentos legais que auxiliam os endividados precisam ser popularizados. Campanhas encabeçadas pelo poder público e iniciativas da sociedade civil organizada podem ajudar. 

A reunião do Ceará com Geraldo Alckmin

O Povo (CE)

O dia 1º de agosto se aproxima com todos seus efeitos esperados sobre a economia brasileira, diante do começo previsto de vigência das tarifas extras aplicadas pelo governo dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. Coisa de 50%, gerando uma desordem de grande peso nos negócios bilionários entre os dois países e, ressalte-se, numa relação hoje superavitária para os interesses que o governo de Washington representa.

Uma situação crítica no plano nacional e que preocupa o governo e a sociedade do Ceará diante das perdas expressivas que pode representar para setores vitais ao equilíbrio do quadro econômico local. O governador Elmano de Freitas cerca-se de representantes de entidades representativas importantes para ir ao vice-presidente Gerado Alckmin, nesta terça-feira, apresentar um relato da situação, expor medidas em estudo e discutir saídas para a crise que se anuncia.

É certo que o Ceará enfrentará perdas importantes caso as medidas anunciadas pelo presidente Donald Trump realmente entrem em vigor, não havendo sinais de que ele tenha intenção de retroceder quanto à sobretaxação e a data em que pretende começar a aplicá-la. Nossa pauta de exportação para os Estados Unidos envolve, destacadamente, produtos siderúrgicos (aço), pescado, sucos, castanha e pás eólicas. Para se ter uma ideia, 44,9% do que o Estado vendeu para mercados de fora no ano passado tinha como destino o país hoje governado por Trump.

A conversa com Alckmin, que também responde pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, posição que o coloca no papel de negociador brasileiro importante, tem entre seus objetivos nos preparar para o pior. Infelizmente, na prática, inexiste uma conversa acontecendo entre os governos nacionais e o melhor a fazer é discutir alternativas diante da situação que estejam ao alcance das possibilidades, incluindo a parte que cabe ao governo central.

Elmano de Freitas diz ter um plano pronto, em nível estadual, para atender os setores afetados e amenizar os efeitos de medidas tão impactantes. O fato de isso se dar num ambiente de diálogo com as forças empresariais e sem que instâncias políticas atuem com o sentido de atrapalhar permite que se tenha um otimismo controlado quanto à possibilidade de termos uma política estadual de redução de danos.

É um quadro desafiador e que, no plano do que entendemos como ideal, justifica um esforço de união entre todas as nossas forças representativas, esquecendo-se de diferenças outras que eventualmente nos separem no ambiente cotidiano, especialmente quando se tem à vista uma temporada eleitoral. Nesse aspecto pode-se dizer que o cenário é tranquilizador, na medida em que governo e forças empresariais representativas atuam unidas na busca de soluções para um problema que nos afeta a todos. No caso, todos os cearenses. 

 

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