Por Luiza Palermo / Valor Econômico
Coautor de ‘Como as Democracias Morrem’ vê risco em 2º mandato de republicano
— De São Paulo - O segundo mandato de
Donald Trump ameaça reduzir o nível da democracias no mundo, diferentemente do
primeiro período do republicano na Casa Branca, segundo Steven Levitsky,
professor de Ciência Política da Universidade Harvard e coautor - com Daniel
Ziblatt - do best-seller “Como as Democracias Morrem” (Editora Zahar, 2018). Na
década passada, apesar do colapso de instituições em países como Venezuela,
Hungria, Turquia e Índia, por exemplo, o número de democracias no mundo se
manteve relativamente estável.
Mas com o enfraquecimento institucional de
Washington - derivado de um governo que, segundo ele, tem menos freios e se
comporta de forma abertamente autoritária -, os EUA ameaçam irradiar
instabilidade e influenciar negativamente outros países.
Levitsky exemplifica suas afirmações com o
uso das tarifas por Trump - à frente de um governo movido por interesses
pessoais - como arma política. Em vez de seguir uma lógica econômica
consistente, a política comercial se tornou instrumento de intimidação e de
pressão geopolítica, diz Levitsky, que cita o caso do Brasil como exemplo
dessas ações.
Segundo Levitsky, a interferência de Trump no
julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro - réu em processo no Supremo
Tribunal Federal (STF), acusado de ser o líder de uma tentativa de golpe de
Estado para impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em
2023 - sinaliza a intenção do americano de influenciar as eleições brasileiras
de 2026.
A seguir, os principais trechos da entrevista, por telefone, que Levistsky concedeu ao Valor.
Valor: Desde a publicação de “Como as Democracias
Morrem”, em 2018, que mudanças o senhor viu no cenário global da democracia?
Steven Levitsky: Não houve muita
mudança na última década. Talvez, porque Trump foi derrotado em 2020 e também
porque houve outras vitórias democráticas importantes, como no Brasil em 2022 e
na Polônia em 2023. O número de democracias funcionais no mundo permaneceu
relativamente estável. Houve um punhado de democracias, nos últimos 15 anos -
da Venezuela à Hungria, da Turquia à Índia - cujas instituições entraram em
colapso e às vezes pensamos que a democracia está entrando em colapso
rapidamente em todo o mundo. Mas isso não é exatamente verdade. Este quadro,
porém, pode se modificar agora, com o que está ocorrendo nos EUA. O colapso
potencial de instituições democráticas nos EUA, uma grande transformação da
política externa americana e o abandono por Washington do Ocidente progressista
e da promoção da democracia devem ter consequências muito sérias.
Valor: Como, especificamente, o senhor acha que Trump
pode abalar a democracia?
Levitsky: Em primeiro
lugar, para o bem ou para o mal, os EUA são um modelo. Políticos, ativistas e
atores políticos ao redor do mundo olham para os EUA e os tomam como parâmetro
político. Isso pode ser negativo. Por exemplo, a ideia de não aceitar o resultado
de uma eleição - como fez Trump em 2020 - era quase inexistente na América
Latina no início do século 21. Exceto pelo caso do México em 2006, quando
Andrés Manuel López Obrador denunciou fraude na eleição presidencial,
derrotados nar urnas na América Latina aceitavam derrotas, o que é algo muito
importante para a democracia. Após a constestação de Trump em 2020, Keiko
Fujimori não aceitou a derrota no Peru, Jair Bolsonaro não aceitou a derrota no
Brasil, Javier Milei falava em não aceitar a derrota até vencer com folga na
Argentina. Se os EUA tiverem um governo abertamente autoritário, isso incentiva
comportamentos autoritários em outros lugares. Houve retrocesso democrático
importante na Guatemala, em Honduras, El Salvador e na Nicarágua no primeiro governo
Trump porque ele não se importa com o retrocesso autoritário nesses países.
Valor: Há riscos para uma potência hegemônica como os
EUA usar sua força econômica como arma de política externa? Quais?
Levitsky: Sim, tarifas
são usadas como ferramenta geopolítica pelos EUA, que assumem o risco de fazer
isso. Trata-se de uma ferramenta de intimidação, usada por uma economia muito
poderosa. Os objetivos são extremamente mesquinhos. Acho que isso pode causar grandes
danos à imagem dos EUA no exterior. Pode causar grandes danos ao sistema de
comércio global - e, potencialmente, até à economia global. É um comportamento
extremamente irresponsável.
Valor: O senhor vê na política de tarifas um
instrumento de geopolítica por parte de Trump?
Levitsky: Sim. E está
muito claro que não há qualquer estratégia econômica por trás da política
tarifária de Trump. Não há muitos políticos ou empresários que apoiem tarifas.
Isso é algo muito pessoal para Trump. Ele adora tarifas - e adora o fato de
que, como chefe do Executivo, pode usá-las como uma arma contra outros
governos. Então ele usa. Você até poderia dizer que é com fins geopolíticos,
mas, na maioria das vezes, as tarifas têm fins meramente pessoais. Não há um
objetivo geopolítico sério em usar tarifas para tentar intimidar o Judiciário
brasileiro, por exemplo. Isso é um capricho pessoal de Trump. Parece que a
família de Jair Bolsonaro tem boas relações com o círculo íntimo de Trump, e
Trump acredita profundamente que houve uma conspiração para roubar dele a
eleição de 2020. E ele está convencido de que Bolsonaro sofreu algo semelhante
em 2022. Então, sem saber absolutamente nada sobre a política brasileira ou
sobre como funciona a democracia no Brasil, ele está usando esse instrumento
quase como para realizar uma fantasia pessoal. Não há muita estratégia ou
política nisso. Mas sim, ele está fazendo isso - e não só com o Brasil.
Acho provável que o governo de Trump tente
intervir em favor de Bolsonaro nas eleições”
— Steven Levitsky
Valor: As democracias representativas - mesmo as mais
fortes, como a dos EUA - podem estar ameaçadas com o crescimento do poder de
grupos populistas, como o Make America Great Again (Maga), por exemplo?
Levitsky: Antes de tudo,
é importante lembrar que democracias são sempre vulneráveis. Porque as
democracias permitem ampla liberdade e porque permitem que praticamente
qualquer pessoa dispute eleições, elas estão sempre vulneráveis à eleição de um
demagogo, de um extremista ou de um líder antissistema. Você não pode proteger
completamente uma democracia contra candidatos autoritários sem deixar de ser
uma democracia. Então, a vulnerabilidade está sempre presente.
Valor: Esta situação melhorou ou piorou nas últimas
décadas?
Levitsky: Uma das razões
pelas quais está se tornando mais comum populistas serem eleitos é o
enfraquecimento do establishment político. Hoje, é mais fácil ser um populista
do que há 50 anos. Antes da internet, políticos dependiam fortemente dos chefes
partidários, mídia tradicional, dos grupos de interesse tradicionais, para
conseguir os recursos de que precisavam para se eleger. Era difícil ser eleito
nos EUA - e em outros lugares também - sem pelo menos a aceitação do
establishment político. Hoje, por causa das redes sociais, você pode arrecadar
dinheiro online, pode alcançar os eleitores diretamente. Os políticos não
precisam mais do establishment. Eles podem concorrer por fora. Podem ser
completos outsiders e ainda assim se eleger. Lembro-me, por exemplo, que fui ao
Brasil em julho de 2018, quando Jair Bolsonaro estava à frente nas pesquisas, e
conversei com muitos empresários em São Paulo. Eram todos tucanos, todos
apoiadores do Alckmin, que tinha apoio de vários partidos e quase uma hora de
programa de TV todos os dias. Bolsonaro tinha alguns segundos. Nenhum desses
empresário mencionou YouTube ou WhatsApp - mas foi assim que Bolsonaro alcançou
os eleitores. Ele não precisou da TV tradicional. O mundo mudou de formas que
tornam muito mais fácil para populistas se elegerem.
Quando Juan Perón - primeiro populista
clássico da região - foi eleito, ele precisou de uma mobilização popular de
proporções históricas. Algo que ocorre uma vez a cada século. Quando Nayib
Bukele derrotou o establishment de El Salvador, em 2019, não houve nada disso.
Ele só precisou de dois milhões de seguidores no Twitter. É muito, muito mais
fácil ser um populista hoje que no passado.
Valor: No livro, o senhor afirma que os partidos
políticos são os principais guardiões da democracia. De que forma a relação
entre Trump e o Partido Republicano evoluiu desde seu primeiro mandato? E o que
isso indica sobre o atual estado da democracia nos EUA?
Levitsky: Houve uma
mudança enorme. Quando escrevemos “Como as Democracias Morrem”, Trump era
presidente, mas ele não controlava o Partido Republicano. Havia uma facção
trumpista no partido, mas ela não era dominante, e existiam muitos republicanos
tradicionais que acreditávamos que poderiam conter ou limitar o poder de Trump.
O Partido Republicano ainda não havia sido ”trumpizado” e não era um partido
autoritário. Por isso, achávamos que o partido talvez conseguisse conter Trump.
Mas, sete anos depois, o Partido Republicano foi completamente tomado por
Trump. Hoje, qualquer opositor de Trump, qualquer pessoa que se manifeste
publicamente contra ele, é expulso do partido. Cada republicano que se opôs
publicamente a Trump teve sua carreira encerrada. Agora, o Partido Republicano
é totalmente personalista, completamente controlado por Trump. E é um partido
que vem se mostrando cada vez mais aberto ao rompimento com as regras
democráticas. Está cada vez mais disposto a abraçar uma política autoritária.
E, num sistema bipartidário - como é o caso dos EUA -, se um dos partidos se
volta contra a democracia, a democracia entra em sérios apuros.
Valor: Trump teria um perfil que não favoreceria a
democracia?
Levitsky: Trump é um
admirador de ditadores e raramente - muito raramente - demonstra qualquer tipo
de compromisso com a democracia. Não é um homem que tenha valores democráticos.
Então, infelizmente, brasileiros e americanos estão diante do fato de que o ocupante
da Casa Branca não tem valores democráticos. Trump não apenas não se importa
com as instituições democráticas do Brasil - eu nem acho que ele saiba algo
sobre elas. Alguém, acredito que a família Bolsonaro, convenceu Trump de que
Bolsonaro foi alvo de uma caça às bruxas ilegal, muito semelhante à que Trump
acredita ter sofrido em 2020 nos EUA. E ele está simplesmente tentando intervir
em nome de alguém que ele considera um aliado e um espírito afim.
Valor: Considerando esse episódio e a relação entre
Trump e Bolsonaro, o senhor vê risco de uma interferência direta de Trump nas
eleições brasileiras do ano que vem?
Levitsky: Sim, eu acho
que é possível. Acho até que é provável que o governo Trump tente intervir em
nome de - talvez não Bolsonaro, já que ele não pode concorrer -, mas de algum
aliado dele. A questão é que é difícil intervir em eleições de um país estrangeiro,
especialmente em uma democracia de verdade e em um país grande como o Brasil.
Trump vai tentar. Só não tenho certeza de quão eficaz ele pode ser.
Valor: Trump também acusa o governo do Brasil de
“censurar plataformas de mídia social dos EUA”. Como o senhor vê esse tema?
Levitsky: Essa é uma
questão em debate entre cidadãos e em democracias ao redor do mundo. A maioria
das democracias, incluindo os EUA - na verdade, todas as democracias do mundo -
impõem algum tipo de limite à liberdade de expressão. Nos EUA, por exemplo, você
não pode incitar pessoas à violência. Mesmo assim os EUA são um caso extremo no
aspecto libertário nesse debate.
Os americanos sempre penderam para o lado da liberdade de expressão, mesmo correndo o risco de permitir a disseminação de desinformação e discurso de ódio. Muitas democracias, hoje, são mais reguladoras do que os EUA. Onde exatamente estão os limites disso é algo debatido, e há diferenças entre as sociedades. Mas estamos em uma nova era - a era das redes sociais - e ainda estamos aprendendo a extensão de algumas das consequências das redes sociais não reguladas.
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